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Q UEIXAS NOTURNAS

No documento Eu e Outras Poesias Augusto dos Anjos (páginas 84-91)

Quem foi que viu a m inha Dor chorando?!

Saio. Minh’alm a sai agoniada.

Andam m onstros som brios pela estrada E pela estrada, entre estes m onstros, ando!

Não trago sobre a túnica fingida As insígnias m edonhas do infeliz Com o os falsos m endigos de Paris

Na atra rua de Santa Margarida.

O quadro de aflições que m e consom em O próprio Pedro Am érico não pinta...

Para pintá-lo, era preciso a tinta Feita de todos os torm entos do hom em !

Com o um ladrão sentado num a ponte Espera alguém , arm ado de arcabuz, Na ânsia incoercível de roubar a luz, Estou à espera de que o Sol desponte!

Bati nas pedras dum torm ento rude E a m inha m ágoa de hoj e é tão intensa Que eu penso que a Alegria é um a doença

E a Tristeza é m inha única saúde.

As m inhas roupas, quero até rom pê-las!

Quero, arrancado das prisões carnais, Viver na luz dos astros im ortais, Abraçado com todas as estrelas!

A Noite vai crescendo apavorante E dentro do m eu peito, no com bate,

A Eternidade esm agadora bate Num a dilatação exorbitante!

E eu luto contra a universal grandeza Na m ais terrível desesperação É a luta, é o prélio enorm e, é a rebelião

Da criatura contra a natureza!

Para essas lutas um a vida é pouca Inda m esm o que os m úsculos se esforcem ;

Os pobres braços do m ortal se torcem E o sangue j orra, em coalhos, pela boca.

E m uitas vezes a agonia é tanta Que, rolando dos últim os degraus, O Hércules trem e e vai tom bar no caos De onde seu corpo nunca m ais levanta!

É natural que esse Hércules se estorça, E tom be para sem pre nessas lutas,

Estrangulado pelas rodas brutas Do m ecanism o que tiver m ais força.

Ah! Por todos os séculos vindouros Há de travar-se essa batalha vã Do dia de hoj e contra o de am anhã,

Igual à luta dos cristãos e m ouros!

Sobre histórias de am or o interrogar-m e É vão, é inútil, é im profícuo, em sum a;

Não sou capaz de am ar m ulher algum a Nem há m ulher talvez capaz de am ar-m e.

O am or tem favos e tem caldos quentes E ao m esm o tem po que faz bem , faz m al;

O coração do Poeta é um hospital Onde m orreram todos os doentes.

Hoj e é am argo tudo quanto eu gosto;

A bênção m atutina que recebo...

E é tudo; o pão que com o, a água que bebo, O velho tam arindo a que m e encosto!

Vou enterrar agora a harpa boêm ia Na atra e assom brosa solidão feroz Onde não cheguem o eco dum a voz E o grito desvairado da blasfêm ia!

Que dentro de m inh’alm a am ericana Não m ais palpite o coração -- esta arca,

Este relógio trágico que m arca Todos os atos da tragédia hum ana!

Sej a esta m inha queixa derradeira Cantada sobre o túm ulo de Orfeu;

Sej a este, enfim , o últim o canto m eu Por esta grande noite brasileira!

Melancolia! Estende-m e tu’asa!

És a árvore em que evo reclinar-m e...

Se algum dia o Prazer vier procurar-m e Dize a este m onstro que fugi de casa!

INSÔNIA

Noite. Da Mágoa o espírito noctâm bulo Passou de certo por aqui chorando!

Assim , em m ágoa, eu tam bém vou passando Sonâm bulo... sonâm bulo... sonâm bulo...

Que voz é esta que a gem er concentro No m eu ouvido e que do m eu ouvido Com o um bem ol e com o um sustenido Rola im petuosa por m eu peito adentro?!

-- Por que é que este gem ido m e acom panha?!

Mas dos m eus olhos no som brio palco Súbito surge com o um catafalco Um a cidade ou m apa-m úndi estranha.

A dispersão dos sonhos vagos reúno.

Desta cidade pelas ruas erra A procissão dos Mártires da Terra Desde os Cristãos até Giordano Bruno!

Vej o diante de m im Santa Francisca Que com o cilício as tentações suplanta,

E invej o o sofrim ento desta Santa, Em cuj o olhar o Vício não faísca!

Se eu pudesse ser puro! Se eu pudesse, Depois de em bebedado deste vinho.

Sair da vida puro com o o arm inho Que os cabelos dos velhos em branquece!

Por que cum pri o universal ditam e?!

Pois se eu sabia onde m orava o Vício, Por que não evitei o precipício Estrangulando m inha carne infam e?!

Até que dia o intoxicado arom a

Das paixões torpes sorverei contente?

E os dias correrão eternam ente?!

E eu nunca sairei desta Sodom a?!

À proporção que a m inha insônia aum enta Hieróglifos e esfinges interrogo...

Mas, triunfalm ente, nos céus altos, logo Toda a alvorada esplêndida se ostenta.

Vagueio pela Noite decaída...

No espaço a luz de Aldebarã e de Árgus Vai proj etando sobre os cam pos largos

O derradeiro fósforo da Vida.

O Sol, equilibrando-se na esfera, Restitui-m e a pureza da hem atose E então um a interior m etam orfose Nas m inhas arcas cerebrais se opera.

O odor da m argarida e da begônia Subitam ente m e penetra o olfato...

Aqui, neste silêncio e neste m ato, Respira com vontade a alm a cam pônia!

Grita a satisfação na alm a dos bichos.

Incensa o am biente o fum o dos cachim bos.

As árvores, as flores, os corim bos, Recordam santos nos seus próprios nichos.

Com o olhar a verde periferia abarco.

Estou alegre. Agora, por exem plo, Cercado destas árvores, contem plo As m aravilhas reais do m eu Pau d’Arco!

Cedo virá, porém , o funerário, Atro dragão da escura noite, hedionda, Em que o Tédio, batendo na alm a, estronda

Com o um grande trovão extraordinário.

Outra vez serei pábulo do susto

E terei outra vez de, em m ágoa im erso, Sacrificar-m e por am or do Verso No m eu eterno leito de Procusto!

BARCAROLA

Cam tam nautas, choram flautas Pelo m ar e pelo m ar Um a sereia a cantar Vela o Destino dos nautas.

Espelham -se os esplendores Do céu, em reflexos, nas

Águas, fingindo cristais Das m ais deslum brantes cores.

Em fulvos filões doirados Cai a luz dos astros por Sobre o m arítim o horror Com o globos estrelados.

Lá onde as rochas se assentam Fulguram com o outros sóis

Os flam ívom os faróis Que os navegantes orientam . Vai um a onda, vem outra onda

E nesse eterno vaivém Coitadas! não acham quem , Quem as esconda, as esconda...

Alegoria tristonha Do que pelo Mundo vai!

Se um sonha e se ergue, outro cai;

Se um cai, outro se ergue e sonha.

Mas desgraçado do pobre

Que em m eio da Vida cai!

Esse não volta, esse vai Para o túm ulo que o cobre.

Vagueia um poeta num barco.

O Céu, de cim a, a luzir Com o um diam ante de Ofir

Im ita a curva de um arco.

A Lua globo de louça --Surgiu, em lúcido véu.

Cantam ! Os astros do Céu Ouçam e a Lua Cheia ouça!

Ouço do alto a Lua Cheia Que a sereia vai falar...

Haj a silêncio no m ar Para se ouvir a sereia.

Que é que ela diz?! Será um a História de am or feliz?

Não! O que a sereia diz Não é história nenhum a.

É com o um requiem profundo De tristíssim os bem óis...

Sua voz é igual à voz Das dores todas do m undo.

“Fecha-te nesse m edonho

“Redudo de Maldição,

“Viaj eiro da Extrem a-Unção,

“Sonhador do últim o sonho!

“Num a redom a ilusória

“Cercou-te a glória falaz,

“Mas nunca m ais, nunca m ais

“Há de cercar-te essa glória!

“Nunca m ais! Sê, porém , forte.

“O poeta é com o Jesus!

“Abraça-te à tua Cruz

“E m orre, poeta da Morte!”

-- E disse e porque isto disse O luar no Céu se apagou...

Súbito o barco tom bou Sem que o poeta o pressentisse!

Vista de luto o Universo E Deus se enlute no Céu!

Mais um poeta que m orreu, Mais um coveiro do Verso!

Cantam nautas, choram flautas Pelo m ar e pelo m ar Um a sereia a cantar Vela o Destino dos nautas!

No documento Eu e Outras Poesias Augusto dos Anjos (páginas 84-91)

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