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OUTROS POEMAS ESQ UECIDOS

No documento Eu e Outras Poesias Augusto dos Anjos (páginas 168-175)

ABANDONADA

Bem depressa sum iu-se a vaporosa Nuvem de am ores, de ilusões tão bela;

O brilho se pagou daquela estrela Que a vida lhe tornava venturosa!

Som bras que passam , som bras cor-de-rosa -- Todas se foram num festivo bando,

Fugazes sonhos, gárrulos voando -- Resta som ente um ’alm a tristurosa.

Coitada! o gozo lhe fugiu correndo, Hoj e ela habita a erm a soledade, Em que vive e em que aos poucos vai m orrendo!

Seu rosto triste, seu olhar m agoado, Fazem lem brar em noute de saudade

A luz m ortiça d’um olhar nublado.

CETICISMO

Desci um dia ao tenebroso abism o, Onde a Dúvida ergueu altar profano;

Cansado de lutar no m undo insano Fraco que sou volvi ao ceicism o.

Da Igrej a -- a Grande Mãe -- o exorcism o Terrível m e feriu, e então sereno

De j oelhos aos pés do Nazareno Baixo rezei em fundo m isticism o:

-- Oh! Deus, eu creio em ti, m as m e perdoa!

Se esta dúvida cruel qual m e m agoa Me torna ínfim o, desgraçado réu.

Ah, entre o m edo que o m eu ser aterra, Não sei se viva pra m orrer na terra, Não sei se m orra p’ra viver no céu!

A MÁSCARA

Eu sei que há m uito pranto na existência, Dores que ferem corações de pedra, E onde a vida borbulha e o sangue m edra,

Aí existe a m água em sua essência.

No delírio, porém , da febre ardente Da ventura fugaz e transitória O peito rom pe a capa torm entória

Para sorrindo palpitar contente.

Assim a turba inconsciente passa, Muitos que esgotam do prazer a taça

Sentem no peito a dor indefinida.

E entre a m ágoa que a m ásc’ra eterna apouca A Hum anidade ri-se e ri-se louca

No carnaval intérm ino da vida.

O COVEIRO

Um a tarde de abril suave e pura Visitava eu som ente ao derradeiro

Lar; tinha ido ver a sepultura

De um ente caro, am igo verdadeiro.

Lá encontrei um pálido coveiro Com a cabeça para o chão pendida;

Eu senti a m inh’alm a entristecida E interroguei-o: “Eterno com panheiro Da m orte, quem m atou-te o coração?”

Ele apontou para um a cruz no chão, Ali j azia o seu am or prim eiro!

Depois, tom ando a enxada, gravem ente, Balbuciou, sorrindo tristem ente:

-- “Ai, foi por isso que m e fiz coveiro!”

PECADORA

Tinha no olhar cetíneo, aveludado, A cham a cruel que arrasta os corações,

Os seios rij os eram dois brasões Onde fulgia o sim b’lo do pecado.

Bela, divina, o porte em oldurado No m árm ore sublim e dos contornos, Os seios brancos, palpitantes, m ornos, Dançavam -lhe no colo perfum ado.

No entanto, esta m ulher de grã beleza, Moldada pela m ão da Natureza, Tornou-se a pecadora vil. Do fado

Do destino fatal, presa, m orria, Um a noite entre as vascas da agonia, Tendo no corpo o verm e do pecado!

NO CLAUSTRO

Pelas do claustro salas silenciosas, De lutulentas, úm idas arcadas, Na vastidão silente das caladas Abóbadas som brias tenebrosas, Vagueiam tristem ente desfiladas De freiras e de m onj as tristurosas Que guardam cinzas de ilusões passadas,

Que guardam pet’las de funéreas rosas.

E à noute quando rezam na clausura, No sigilo das rezas m isteriosas, Nem a som bra m ais leve de ventura!

Só as arcadas ogivais desnudas, E as m esm as m onj as sem pre tristurosas, E as m esm as portas im passíveis, m udas!

IL TROVATORE

Canta da torre o trovador saudoso -- Addio, Eleonora! oh! sonhos m eus!

E o canto se desprende harm onioso, Na vibração final do extrem o adeus.

Repercute dolente, m avioso, Subindo pelo Azul da Inspiração;

Assim canta tam bém m eu coração, Trovador tortorado e angustioso, Ai! não, não acordeis, lem branças m inhas!

Saudade d’um as noutes em que vinhas

Cantar com igo um doce desafio!

Mas, pouco a pouco, os sons esm orecendo, Perdem -se as notas pelo Azul m orrendo,

-- Addio Eleonora, addio, addio!

A LOUCA

Quando ela passa: -- a veste desgrenhada, O cabelo revolto em desalinho, No seu olhar feroz eu adivinho O m istério da dor que a traz penada.

Moça, tão m oça e j á desventurada;

Da desdita ferida pelo espinho, Vai m orta em vida assim pelo cam inho,

No sudário da m ágoa sepultada.

Eu sei a sua história. -- Em seu passado Houve um dram a d’am or m isterioso O segredo d’um peito torturado --E hoj e, para guardar a m ágoa oculta,

Canta, soluça -- o coração saudoso, Chora, gargalha, a desgraçada estulta.

PRIMAVERA

Prim avera gentil dos m eus am ores, -- Arca cerúlea de ilusões etéreas, Chova-te o Céu cintilações sidéreas E a terra chova no teu seio flores!

Esplende, Prim avera, os teus fulgores, Na auréola azul, dos dias teus risonhos, Tu que sorveste o fel das m inhas dores E m e trouxeste o néctar dos teus sonhos!

Cedo virá, porém , o tiste outono, Os dias voltarão a ser tristonhos E tu hás de dorm ir o eterno sono, Num sepulcro de rosas e de flores,

Arca sagrada de cerúleos sonhos, Prim avera gentil dos m eus am ores!

A ESPERANÇA

A Esperança não m urcha, ela não cansa, Tam bém com o ela não sucum be a Crença,

Vão-se sonhos nas asas da Descrença, Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;

No entanto o m undo é um a ilusão com pleta, E não é a Esperança por sentença Este laço que ao m undo nos m anieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito, Sirva-te a Crença do fanal bendito, Salve-te a glória no futuro -- avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento, Tam bém espero o fim do m eu torm ento, Na voz da Morte a m e bradar; descansa!

SONETO

Senhora, eu traj o o luto do Passado, Este luto sem fim que é o m eu Calvário

E ansio e choro, delirante e vário, Sonâm bulo da dor angustiado.

Quantas venturas que m e acalentaram ! Meu peito túm ’lo do prazer finado

Foi outrora do riso abençoado, O berço onde as venturas se em balaram .

Mas não queiras saber nunca risonha O m istério d’um peito que estertora E o segredo d’um ’alm a que não sonha!

Não, não busques saber porque, Senhora, É m inha sina perenal, tristonha -- Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.

SOFREDORA

Cobre-lhe a fria palidez do rosto O sendal da tristeza que a desola;

Chora -- o orvalho do pranto lhe perola As faces m aceradas de desgosto.

Quando o rosário de seu pranto rola, Das brancas rosas do seu triste rosto Que rolam m urchas com o um sol j á posto

Um perfum e de lágrim as se evola.

Tenta às vezes, porém , nervosa e louca Esquecer por m om ento a m ágoa intensa Arrancando um sorriso à flor da boca.

Mas volta logo um negro desconforto, Bela na Dor, sublim e na Descrença,

Com o Jesus a soluçar no Horto.

No documento Eu e Outras Poesias Augusto dos Anjos (páginas 168-175)

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