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3 ASPECTOS DESTACADOS SOBRE O TÍTULO DE CRÉDITO

4.3 NATUREZA JURÍDICA DOS DOIS INSTITUTOS

4.3.1 Natureza jurídica do cartão de crédito

O cartão de créditopode ser considerado um negócio jurídico complexo, poiscontempla alguns tipos de contratos que envolvem no mínimo três relações. Atualmente, a teoria que procura explicar a natureza jurídica do cartão de crédito centraliza-se em suas propriedades, ou seja, o fato de o mesmo não se tratarde um contrato comum, tipificado e regulamentado, e sim de um sistema contratual no qual há uma interdependência de vários contratos, regidos pelas normas aplicáveis aos contratos de modo geral.

Segundo Luz (1999), o cartão de crédito é um sistema operacional dirigido ao consumo, que reúne clientes da administradora, ou estabelecimento comercial, ou seja, do emitente, que é formado por comerciantes e consumidores. Visa manter uma clientela ativa, fortalecendo a estrutura financeira em que é filiado, oferecendo em troca segurança e desregulamentação do crédito.

O cartão de crédito tem como uma de suas funções identificar o titular, confirmando que o mesmo possui crédito perante a administradora. A legitimidade falta ao instituto em análise, uma vez que a mesma, no cartão de crédito, não está ligada à propriedade de uma coisa móvel, como acontece nos títulos de crédito. A legitimação que o portador tem para usufruir do crédito não decorre do instrumento de plástico em si, se dá em consequência de um contrato em que as partes pactuaram entre sim, em um momento anterior (AVELAR, 2014).

Os contratos de cartão de créditopermitem, assim como os próprios títulos de crédito, a circulação de riquezas que ainda serão adquiridas, ou seja, a mobilização de riquezas através do princípio da confiança. Com isso, há uma significativa economia em relação aos custos com crediário, cobrança e faturamento. E, ainda, constituem-se numa certeza de pagamento ao fornecedor, visto que este irá receberdiretamentedo emissor do cartão de crédito; com isso, o fornecedor ganha segurança para promover esse tipo de relação. Portanto, é indiscutível a utilidade de tal meio de pagamento, bem como sua crescente aceitação perante os consumidores (FEITOZA, 2018).

Porém, apesar de dotados de negociabilidade, ainda não é possível sua equiparação a um título de crédito, que, por sua vez, possibilita ao credor do crédito constante no título requerer a antecipação do crédito a ser recebido, mediante o desconto de um percentual, previamenteconstituído.Além disso, o cartão de crédito não possui a executividade, característica que marca os títulos de crédito, assim como outras, comoa literalidade e a autonomia. Entretanto, apesar disso, os cartões de crédito constituem-se em fortes concorrentes àsubstituição dos títulos de crédito, como a nota promissória e o cheque(FEITOZA, 2018).

Assim, a relação jurídica do cartão de crédito é constituída por meio de contratos interligados entre si, ainda queformalmenteseparados. É emitido pela administradora, em favor do titular, um cartão de crédito, pessoal e intransferível, que lhe permite efetuar compras nas redes de estabelecimentos afiliados, sendo que estes são reembolsados, posteriormente, pela administradora, descontada uma determinada porcentagem de remuneração, e a administradora fica com a responsabilidade de cobrar do titular do cartão, as dívidas, além de uma taxa anual(ANDRADE, 1998).

A empresa administradora ocupa a posição central, como verdadeira intermediária nas relações jurídicas oriundas do cartão de crédito. Pode haver até quatro tipos de contrato, o primeiroentre o titular do cartão e a administradora; o segundoentre esta e cada empresa afiliada; o terceiro entre a administradora e a instituição bancária que financia as vendas realizadas por meio do cartão; e o quarto contratoentre o titular do cartão e cada afiliada, pelo qual aquele pode junto a esta adquirir produtos ou prestação de serviço.Este último contrato tem as características do de compra e venda, porém, com uma certa particularidade; para a afiliada, há

obrigação de entregar determinada coisa;para o titular, não há obrigação de entregar o preço, mas tão somente apresentar o cartão, que representa emissão de um título pro soluto contra a administradora.

O titular não paga diretamente à afiliada, quem paga é a administradora. A afiliada, normalmente, não tem qualquer ação contra o titular. O titular obriga-se a pagar perante a administradora. A esta, cabe cobrá-lo em caso de inadimplemento; porém, se é desfeito o vínculo entre titular e administradora, por qualquer motivo e, não obstante, o titular contrai uma dívida junto à afiliada, que deve exigir o pagamento não mais à administradora, e sim ao titular, impugnando o cancelamento do vínculo entre este e aquela (ANDRADE, 1998).

Desse modo, entende-se que a natureza jurídica do cartão de crédito é mista, assim comoo contrato de cartão de crédito é um contrato misto. E essas relações jurídicas complexas e convergentes são integradas para a realização de um fim comum; se falta uma dessas relações, torna-se sem efeito a existência das demais relações do instituto. O sistema do cartão de crédito pode ser considerado como uma combinação de contratos com o objetivo de facilitar a compra de produtos e prestações de serviços.

A definição a ser dada para este instituto do cartão de crédito, segundo Lacerda Filho (1990) apud Feitoza (2018, p. 01), baseia-se na chamada teoria da emancipação, pela qualos contratos inominados seriam resultado da combinaçãode elementos que criam, por meio de usos e costumes, novas figuras contratuais completamente dissociadas e distintas daquelas tradicionalmente reguladas. Nesse sentido, o cartão de crédito configura em si mesmo um sistema operativo, constituído por diversas relaçõesjurídicas cuja unidade alcança-se e consuma-se na finalidade comum do instituto, muito difícil de se enquadrarem uma única natureza ou identidade jurídica, como segue:

Pela teoria da emancipação, os contratos inominados seriam resultado da

combinaçãode elementos que criam, por meio de usos e costumes, novas

figuras contratuais completamente dissociadas e distintas daquelas

tradicionalmente reguladas. O intérprete, então, deve lançarmão dos

princípios gerais dos contratos e, procedendo a estudos analógicos, aplicar

as normas dos contratos nominadosque mais se assemelhemà figura

analisada, sem, contudo, perdê-la de vista como um todo e deixar de

considerar a finalidade que essa nova contratação objetiva alcança: os

busca pela função do instituto na vida sócio-econômica em que se acha

inserido. Essa, a nosso ver, a apreciação mais acertada que se pode fazer

do assunto versado. [...] Entendemos que o cartão de crédito configura em

si mesmo um sistema operativo, constituído por diversas relaçõesjurídicas

cuja unidade se alcança e se consuma na finalidade comum do instituto,

muito difícil de enquadrar-se em uma única natureza ou identidade jurídica.

Ainda, de acordo com Lacerda Filho (1990) apud Feitoza (2018, p. 01), o instituto do cartão de crédito deve ser entendido como um negóciojurídico complexo, decorrente de relações jurídicas diversas em que cada qual possui regulamentação e natureza jurídica própria, independente e autônoma; entretanto, própria e característica do sistema de cartão de crédito, como expõe:

[...] sustentamos que o instituto do cartão de crédito deverá ser entendido

como um negóciojurídico complexo, conformado em uma unidade de

relaçõesjurídicas originalmente diversas entre os seus intervenientes, onde

cada qual possui uma regulamentação e uma natureza jurídicaprópria,

independente e autônoma, mas que, por via de complementação que é

própriae característicado sistema, demonstram a ineficácia de cada uma

delas se não forem integradas reciprocamente.

Assim, entende-se que o sistema contratual do cartão de créditodiz respeito a um negóciojurídico complexo, plurilateral, no qual são inseridas partes distintas, que possuem obrigações também distintas. É um contrato atípico, pelo fato de ainda não existir legislação específica que venha estabelecer diretrizes para sua efetivação.

Entende-se que o contrato de cartão de crédito constitui-se como um contratode crédito, pois a administradora coloca à disposição do titularcrédito em moeda corrente; contrato de adesão, pois tanto o titularquanto o fornecedor aderem a um contrato pré-estabelecido, unilateralmente, pela entidade emissora; contrato de consumo, eis que a administradora é classificadacomo fornecedora e prestadora de serviços, enquanto os titulares dos cartões são considerados destinatários finais(MORAES, 2004).