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3 ASPECTOS DESTACADOS SOBRE O TÍTULO DE CRÉDITO

4.3 NATUREZA JURÍDICA DOS DOIS INSTITUTOS

4.3.2 Natureza jurídica do título de crédito

No título de crédito, a emissão e a devida entrega ao credor tem, em regra, natureza pro solvendo, sem caráter extintivo, isto é, no que se originou a relação jurídica do título não irá se confundir com a relação cambiária exposta no título. De uma maneira mais clara, é pro solvendo o título quando não significa a efetivação do pagamento com a sua simples entrega. Deste modo, a obrigação só será plenamente cumprida quando o título for quitado (ALBUQUERQUE, 2016).

Os títulos de crédito são protagonistas de situações especiais, as quais as doutrinas costumam denominar de “atributos dos títulos de crédito, chamados, respectivamente, de negociabilidadea facilidade de circulação do crédito e executividade, uma maior eficiência na cobrança”.

Assim, o título de crédito é um título executivo, que, como tal, é considerado, junto ao inadimplemento do devedor, requisito importante para qualquer execução. Entre as diversas teorias que explicam a natureza jurídica do título executivo, destacam-se três, de acordo com os ensinamentos de Moraes (2012): o título executivo como documento comprobatório – essa teoria aprecia o título executivo, como único documento apto para demonstrar a existência de um crédito, portanto, documento capaz de por si só desencadear a execução, sendo, ineficaz qualquer outro; título executivo como ato que gera sanção – esta teoria considera o título executivo como ato característico da concreta vontade sancionatória do Estado, ou seja, no próprio título encontra-se como o resultado deve tender a execuçãoe, portanto, legitima seu objeto e seus limites, assim, o título executivo é a fonte da execução; título executivo como ato jurídico dependente do respectivo documento comprobatório - essa teoria é mista,pois resguarda a qualificação de título executivo como ato e documento comprobatório, no qual ambos constituem uma incindível unidade.

Assim, nenhuma das teorias apresentadas é suficiente para explicar o título executivo, poisé preciso conciliá-las para de fato se ter a identificação de sua natureza jurídica. Se por um lado, para desencadear a execuçãoe dar aplicação à pena executiva, não é preciso a atual prova da existência do crédito, mas, ao mesmo tempo, só se deve ir em busca da satisfação de um crédito

que,realmente,existe.Prevalece entãoa teoria mista, ou seja, a que preza pela “dupla” natureza do título executivo (MORAES, 2012).

O Código de Processo Civilem seu artigo 784, I, estabelece que a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture são títulos executivos extrajudiciais e que possuem força executiva, assim comotodos os demais títulos que a lei assim classificar. Nesses casos, se o devedor não cumprir as obrigações constantes no título, o credor pode promover a sua execução, desde que não haja dúvida quanto à existência do crédito, tenha a definição certa do valor e o inadimplemento da obrigação (TOLEDO, 2014).

O Código Civil em seu artigo 887, estabelece que o título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele contido, entretanto, somente produzindo efeito quando preencha os requisitos da lei. Assim, entende-se que o título de crédito é o documento jurídico que representa um crédito ou um débito, sendo regido pelos princípios do Direito cambiário, quais sejam: cartularidade, pelo qual a exibição original do título é necessário para legitimar o direito do crédito; da autonomia, através do qual o crédito desvincula-se da causa que originou a obrigação, garantindo o direito do terceiro de boa fé; e da literalidade, segundo o qual somente o que no título estiver lançado produzirá os efeitos jurídicos-cambiais. Além disso, os títulos de créditos são caracterizados pelo formalismo, negociabilidade e executividade (ARQUIER, 2013).

Ainda, nesse sentido, adoutrina clássicaenfatizava que a ação cambiáriasó poderia ser devidamente praticada com a exibição do título original. Além de possibilitar a verificação dos requisitos essenciaise, se o objeto da cobrança estáclaramenteno própriotítulo, a apresentação do títulomostra-senecessária para comprovar que o título de crédito foi retirado de circulação. Assim, problema de ordem prática a ser enfrentado diz respeito à possibilidade de execução dos títulos de crédito escriturais (TOLEDO, 2014), que, conforme Arquier (2013), embora a informatização tenha facilitado os trâmites processuais, é necessária adequação da legislação para a executividade dos títulos de crédito, principalmenteno tocante ao princípio da cartularidade.

Nesses casos, entretanto, há entendimentos doutrinários da jurisprudência queno caso da duplicata escritural, a apresentação do protesto, da nota fiscal que demonstram a compra e venda e o recibo de entrega da mercadoria

assinadasupriria o princípio da cartularidade, na falta do respectivo título de crédito. Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sulmanifestou entendimento acerca da admissibilidade do ajuizamento da ação de execução fundada em duplicata mercantil emitida de forma virtual, mostrando-se suficiente a apresentação do instrumento de protesto acompanhado das notas fiscais que deram ensejo à sua emissão e dos comprovantes de entrega das mercadorias ou da realização dos serviços, como segue:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. DUPLICATA VIRTUAL. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA CARTULARIDADE. A jurisprudência tem admitido expressamente o ajuizamento da ação de execução fundada em duplicata mercantil emitida de forma virtual, mostrando-se suficiente a apresentação do instrumento de protesto acompanhado das notas fiscais que deram ensejo à sua emissão e dos comprovantes de entrega das mercadorias ou da realização dos serviços. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, DE PLANO. (Agravo de Instrumento n. 70061828604, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Julgado em 30/09/2014). (TJ- RS- AI: 70061828604 RS, Relator: Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Data de Julgamento: 30/09/2014, Décima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/10/2014) (BRASIL, 2014c) (ANEXO C).

Nesse viés, considerando-se os princípios que norteiam os títulos de crédito, e que lhe atribuem a característica da executividade, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso reconheceu que o o pagamento do título de crédito é disciplinado pelos princípios da cartularidade, literalidade e autonomia; ainda, ante a autonomia da cártula em se reconhecer que o cheque assinado em branco vale por si, é, portanto, desligado da relação jurídica que causa a sua emissão. Em função disso, quem assina e entrega cheques em branco outorga ao portador o poder de preenchê-lo, não podendo presumida a má-fé do detentor ou a abusividade de seu valor, conforme entendimentoaindada Súmula 387 do Supremo Tribunal Federal, como segue:

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – DECLARATÓRIA – TÍTULO DE

CRÉDITO – SUSTAÇÃO DO PROTESTO – CHEQUE EMETIDO EM

BRANCO- FRAUDE NO PREENCHIMENTO- MÁ-FÉ COMPROVADA- PRINCÍPIO DO ÔNUS DA PROVA – INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 387 DO STF- PRINCÍPIOS DA CARTULARIDADE- LITERALIDADE E AUTONOMIA – SENTENÇA MANTIDA- RECURSO DESPROVIDO. O cheque é ordem de pagamento à vista que se norteia pelos princípios da cartularidade, literalidade e autonomia. Quem assina e entrega cheques em branco

outorga ao portador o poder de preenchê-lo, não podendo presumida a má- fé do detentor ou a abusividade de seu valor. Inteligência da Súmula 387 do Supremo Tribunal Federal. É da incumbência de quem alega fazer prova de que o cheque assinado em branco foi preenchido de forma fraudulenta pelo portador. Ante a autonomia da cártula em se reconhecer que o cheque assinado em branco vale por si e, portanto, desligado da relação jurídica que causa a sua emissão. (Ap 151833/2013, DESA. CLEUCI TEREZINHA CHAGAS PEREIRA DA SILVA, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Julgado em

28/05/2014, Publicado no DJE 04/06/2014) (TJ-MT – APL:

00007904520078110005 151833/2013, Relator: DESA. CLEUCI

TEREZINHA CHAGAS PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 28/05/2014, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data da Publicação: 04/06/2014) (BRASIL, 2014e) (ANEXO D).

Em outra decisão, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina reconheceu que o titulo cambiário é autônomo, e, uma vez ocorrida a circulação, desvincula-se do negócio que lhe deu origem, como segue:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUE. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. CAUSA DEBENDI.

IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO. CÁRTULA POSTA EM

CIRCULAÇÃO PELO TOMADOR- ENDOSSANTE. TERCEIRO DE BOA FÉ. TÍTULO QUE DETÉM PRINCÍPIOS DE CARTULARIDADE, LITERALIDADE E AUTONOMIA INCÓLUMES. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Sendo o cheque título cambiário não causal, autônomo e abstrato, o portador nada tem a provar a cerca da sua origem, uma vez que, ocorrida a sua emissão, desvincula-se por completo do negócio jurídico subjacente. (TJSC. Ap. Cív, n., de Itajaí, Rel. Des. Salim Schead dos Santos, DJ de 2/12/04). (TJ-SC- AC: 587458 SC 2008.058745- 8, Rel: Rodrigo Antônio, Data de Julgamento: 09/03/2009. Primeira Câmara de Direito Comercial. Data de Publicação: Apelação Cível n., da Capital) (BRASIL, 2009) (ANEXO E).

Por todo o exposto, considera-se que o cartão de crédito decorre de um sistema operacional complexo, de natureza contratual e que o título de crédito constitui título executivo extrajudicial consubstanciado em documento formal necessário para o exercício do direito nele contido; sendo que o primeiro decorre de um sistema operacional complexo configurado por diversos contratos, regulados pelas normas que regem os contratos civis de modo geral, de acordo com o Código Civil, enquanto que o segundo configura-se em um título executivo extrajudicial, segundo as regras do Direito cambiário.