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NATUREZA JURÍDICA DA ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL

A natureza jurídica do serviço notarial e de registro é tema de grande discussão no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, de modo que, nos dias atuais, ainda é divergente o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema, que encontra amparo na Lei dos notários e registradores, em seu artigo 3º: “Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”. (BRASIL, Lei 8.935/94, 2013).

A respeito do enfoque legal, comenta Garcia:

A definição do sistema de responsabilização civil dos titulares de serventias extrajudiciais passa, necessariamente pela compreensão da natureza jurídica do vínculo que os liga ao Estado. É grande a discussão na doutrina acerca desta natureza. Assim, a pergunta que se faz é: os tabeliães e oficiais de registro são servidores públicos ou profissionais do direito que exercem atividade pública em caráter privado? (2010).

Oriundas deste questionamento, duas correntes resplandecem quando se analisa a natureza jurídica da atividade notarial e registral.

4.2.1 Os notários e registradores como servidores públicos lato sensu ou “agentes públicos”

Esta é a corrente majoritária da doutrina brasileira, que corrobora o artigo 236 da Constituição Federal, e anuncia os notários e registradores como “agentes públicos” da administração, já que são delegados de um serviço público, exercendo esta função em caráter privado. Vejamos o caput do referido dispositivo legal: “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.” (BRASIL, CF, 2013).

Dentro desta mesma corrente, alguns entendimentos divergentes (poucos, é verdade) se posicionam no sentido de que seriam os notários e registradores servidores públicos stricto sensu, equiparando-os aos funcionários públicos.

Com o advento constitucional de 1988, tal opinião tem se extinguido ao longo do tempo, porém, no passado gerava conflitos jurisprudenciais esplendorosos. (BOLZANI, 2007). Observe-se o trecho da ementa do ministro relator Celso de Mello, no julgamento do RE n. 234.975/SP, de 1999:

Os Oficiais Registradores e os Tabeliães de Notas - que são órgãos da fé pública e que desempenham atividade de caráter eminentemente estatal -qualificam-se, no plano jurídico--administrativo, como servidores públicos, sujeitando-se, em conseqüência, ao mesmo regime constitucional de aposentação compulsória, por implemento de idade (70 anos), aplicável aos demais agentes públicos.- O regime instituído pela vigente Constituição Federal (art. 236) não afetou a condição jurídico--administrativa dos Serventuários extrajudiciais, cuja qualificação, como servidores públicos, foi preservada, em seus aspectos essenciais, pela Lei Fundamental promulgada em 1988. (BRASIL, STF, 2013).

Imprescindível ressaltar a tendência do texto jurisprudencial em atribuir aos notários e registradores as mesmas características do funcionalismo público, inclusive o regime de aposentadoria compulsória, esta própria dos servidores estatais.

Porém, algum tempo depois, notou-se que a inclusão dos serventuários notariais e de registro no regime de aposentadoria compulsória seria um erro substancial, já que, na antiga redação do artigo 40 da carta magna, constava tão somente a palavra “servidor”, que, em sentido amplo, englobaria também no regime de aposentadoria compulsória, os outros colaboradores do poder público, tais quais os cessionários, permissionários, leiloeiros, tradutores, etc. (BOLZANI, 2007).

Com isso, após a presunção do déficit que amargariam a receita e os cofres públicos, tratou o legislador de emendar o texto constitucional, no sentido de afunilar os beneficiados do regime. Assim o artigo 40 da CF ganhou nova redação:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§ 1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

[...]

II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição (BRASIL, CF, 2013).

Após a nova redação do artigo, substituindo a palavra “servidores”, por “servidores titulares de cargos efetivos da União”, somente os funcionários públicos passaram a contemplar os benefícios da aposentadoria compulsória e os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais foram, aos poucos, tomando forma dirigiram-se a essa nova concepção da natureza jurídica dos notários e registradores. “Atualmente, dentro da corrente doutrinária majoritária, defensora da tese de que os notários e registradores são agentes públicos, resta quase totalmente pacificado que assim são considerados por serem agentes delegados de um serviço público”. (BOLZANI, 2007, p. 65).

Neste sentido, complementa Walter Ceneviva, acerca da condição dos serventuários em tela, quanto à natureza dos serviços prestados:

No direito brasileiro, notário e registrador são agentes públicos, considerando-se que o Poder lhes delega funções, subordinados subsidiariamente, em certos casos, a regras colhidas no regime único previsto na Constituição, sem jamais atingirem, porém, a condição de servidores públicos. (CENEVIVA, 2007, p. 32).

Contudo, o entendimento majoritário doutrinário e jurisprudencial atribui aos notários e registradores a denominação agentes públicos, na condição de particulares em atuação colaboradora com o poder público.

4.2.2 Natureza híbrida, ou atípica, do serviço notarial e registral

Esta segunda corrente doutrinária, considerada minoritária, é liderada por Décio Antonio Érpen, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e os entendimentos e explanações do presente subtítulo são baseados nas suas considerações e posicionamentos, estes transcritos na obra de Bolzani (2007).

A teoria da natureza híbrida, ou atípica dos serviços notariais e de registro leciona no sentido de que a atividade desenvolvida nas serventias é de ordem puramente jurídica, atentando para o contexto em que se desenvolve.

As serventias notariais e de registro são verdadeiras instituições da sociedade, estas destinadas a oferecer segurança nas relações jurídicas entre os particulares. Ainda que se apresentem como entidades estatais, as serventias extrajudiciais têm corpo social independente e não integram o governo ou o poder público. Os atos praticados pelos notários e registradores são típicos do direito material, de cidadania, não tendo caráter administrativo.

Por outro lado, o ingresso na atividade e a fiscalização por parte do Estado, bem como os atos de disciplina, este sim são de caráter administrativo e vinculam os notários e registradores ao poder público.

Diante disso, seu vínculo com o Estado foge dos padrões normais da sociedade, uma vez que as características dos serviços são por demais “peculiares”. A intenção constitucional de migrar o serviço notarial e de registro para a esfera privada, tornando os notários e registradores, figuras colaboradoras do poder público, porém, com regime jurídico privado, acabou por deflagrar uma espécie de confusão acerca da real natureza dos serviços. (BOLZANI, 2007).

No texto abaixo, o ministro Carlos Ayres Britto, com base nesta incerteza, se posiciona em um de seus votos:

Numa frase, então, serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas não são serviços públicos, propriamente. Inscrevem-se, isto sim, entre as atividades tidas como função pública lato sensu, a exemplo das funções de legislação, diplomacia, defesa nacional, segurança pública, trânsito, controle externo e tantos outros cometimentos que, nem por ser de exclusivo domínio estatal, passam a se confundir com serviço público. (BRASIL, STF, 2013).

O artigo 236 da Constituição Federal estabelece que os serviços notariais e de registro, são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, submetidos à fiscalização do Poder Judiciário, e, ao mesmo tempo atribui o ingresso na atividade a aprovação em concurso público, este um procedimento típico dos cargos estatais, públicos por natureza.

Por outro lado, os seus funcionários e prepostos são regidos pela CLT, da mesma forma que os serventuários delegados são abrangidos pelo regime da Previdência Social, este característico da iniciativa privada. “Aí a necessidade de se reconhecer sua natureza híbrida ou atípica, para poder lhe dar o tratamento jurídico apropriado”. (BOLZANI, 2007, p. 69).

Desta forma, a natureza jurídica dos serviços notariais e de registro ainda é um tema em grande discussão na esfera jurídico-administrativa, já que a jurisprudência não é pacífica e a divisão entre os entendimentos perdura há algum tempo.