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Responsabilidade subjetiva dos notários e registradores

4.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES

4.3.2 Responsabilidade subjetiva dos notários e registradores

Esta corrente salienta a posição majoritária dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da responsabilidade civil a que estão sujeitos os notários e registradores. Para os que defendem este posicionamento, a responsabilização civil destes agentes públicos depende da comprovação de sua conduta comissiva ou omissiva, do resultado danoso e do nexo de causalidade, assim como a verificação de “culpa” ou “dolo”, decorrentes do serviço prestado. (BOLZANI, 2007).

Assim como na corrente objetiva, o principal fundamento dos que dizem ser “subjetiva” a responsabilidade dos notários e registradores consiste na interpretação do lógico-sistemática do artigo 22 da Lei 8935/94, em conjunto com o artigo 37, § 6º da Constituição Federal. Rui Stoco (2007, p.608), por exemplo, leciona no sentido de que a análise conjunta dos referidos artigos apenas estabeleceu uma cadeia de direitos de regresso. Vejamos, no posicionamento abaixo:

Aliás, leitura atenta desse artigo 22 da lei sub studio, de do art. 38 da Lei 9492, de 10.9.1997 que regulamentou a atividade concernente ao protesto de títulos, em cortejo com a regra constitucional tantas vezes referida, conduzirá à conclusão inarredável de que o legislador ‘não’ pretendeu modificar aquilo que ficou consagrado desde os primórdios, a partir da Constituição do Império ate os dias atuais.

Não se estabeleceu a responsabilidade objetiva dos notários e registradores.

Apenas e tão-somente estabeleceu-se uma cadeia de direitos de regresso, de modo que, condenado o Estado, exsurge a obrigação de exigir do titular da serventia aquilo que pagou e deste obter do seu empregado o que ressarciu ao Estado.

Como, ao contrário do titular, os demais funcionários ou prepostos do cartório submetem-se ao regime privado, assegurou-se àquele o direito de regresso contra o funcionário causador do direto do dano a terceiros, e nada mais.

Quanto ao argumento dos defensores da teoria objetiva, referente à omissão no texto legal acerca de qual seria a responsabilidade civil dos notários e registradores, fato que tornaria esta, objetiva, rebate o referido autor:

Importante ressaltar que a norma da lei infraconstitucional (art. 22 da Lei n. 8935/94) nada dispôs porque seria redundante, na consideração de que não deve conter palavras inúteis, posto que a própria Constituição já estabelece o direito de regresso do Estado em face do servidor.

Como os funcionários dessas serventias extrajudiciais não são servidores mas contratados sob o regime de Consolidação das Leis do Trabalho, haveria a lei de prever expressamente o direito de regresso do titular da serventia, como efetivamente fez, pena de não poder ser os empregados responsabilizados a título nenhum. (STOCO, 2007, p. 608).

Para Bolzani (2007, p. 88-89): “a responsabilidade civil objetiva não se presume, nem advém do emprego da analogia. Deve decorrer expressamente de lei ou quando a natureza da atividade, já no seu nascedouro, e desenvolvida naturalmente, implicar risco”.

O posicionamento doutrinário que defende a aplicação do parágrafo único do artigo 927 do código civil, para atribuir responsabilidade “objetiva” aos notários e registradores, decorrente da atividade de risco que exercem, se faz confuso e controverso, já que nega a própria natureza destes serviços, que, do contrário, oferecem autenticidade e segurança aos atos jurídicos.

Além disso, impossível se faz a possibilidade de aplicação do referido artigo do diploma civil, já que a Constituição Federal, vide art. 236, § 1°, auferiu à lei ordinária posterior, a missão de disciplinar a responsabilidade civil dos notários e oficiais de registro. Ocorre que tal lei já foi editada, sob o n° 8935/94, devendo a análise e discussão do tema se concentrar dentro do seu texto legal. Senão, vejamos:

Querer aplicar o Código Civil para imputar o dever de indenizar aos tabeliães e registradores de forma objetiva, sob o pretexto de eventual lacuna na Lei 8935/94, é negar a máxima de que a responsabilidade civil objetiva não se presume, nem advém de integração analógica, mas deve decorrer expressamente de lei. (BOLZANI, 2007, p. 89).

Ainda a respeito do artigo 22 da referida lei, em outra vertente de discussão, Ceneviva (2007) contribui com o seu entendimento, no sentido de que a palavra responder tão somente autoriza o autor da demanda a mover a ação indenizatória diretamente contra o tabelião ou oficial de registro, não querendo isto dizer, que não deve provar-lhe a culpa ou o dolo. Deste modo, assevera o referido autor:

A vítima pode assestar a pretensão reparadora diretamente contra o titular, pois para isso a autoriza o uso do verbo responder. [...] quanto à natureza da relação entre o delegado notarial ou registrário e o Estado, este responde, nos termos da responsabilidade objetiva, tendo direito regressivo contra o titular do serviço em

caso de dolo ou culpa. Assestado o pedido diretamente contra o oficial, incumbe ao autor comprovar-lhe a culpa. [...]

A ação reparatória, proposta contra o Estado, dada sua responsabilidade objetiva, é campo impróprio para discussão da culpa ou do dolo. Na ação contra o tabelião ou registrador, todavia, tal discussão é imprescindível. (CENEVIVA, 2007, p. 186, 193, grifo do autor).

Acerca do tema, a jurisprudência se faz incisiva, quando salienta a responsabilidade subjetiva dos profissionais notariais e de registro. Vejamos:

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO REGISTRADOR. PROTESTO DE CHEQUE PRESCRITO. PRAÇA DIVERSA. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO.

1.A responsabilidade dos notários e oficiais de registro é subjetiva, assim disciplinada na Lei n. 8935/94, exigindo a comprovação de culpa no evento danoso, não incumbindo a este examinar a veracidade dos dados que lhe foram repassados, mas sim a sua regularidade formal. (BRASIL, TJRS, 2013).

Sobre o entendimento dos defensores da teoria objetiva, no sentido de que fazem jus à aplicação do artigo 37, § 6° da Lei Maior os notários e registradores, equiparando-se às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, algumas ponderações merecem destaque.

Note-se que o artigo constitucional supracitado, faz referência expressa ao termo “pessoa jurídica”, no que tange a sua possibilidade de responsabilização objetiva pelos serviços públicos prestados em caráter privado. Portanto, incabível o enquadramento dos notários e registradores nesta categoria, uma vez que são particulares prestadores de serviço público.

Adepto da teoria subjetiva da responsabilidade civil, Ricardo Dip ilustra tal entendimento em seu comentário:

Se assim é, se o registrador é uma pessoa física privada, um profissional do direito, um jurisprudente que, em nome próprio, exercita o serviço registrário, mediante prévio concurso público, delegado pelo Poder Político, tem-se de concluir que a esse registrador não se aplica a norma contida no § 6°, art. 37, da CF/88. É que essa norma, a parte subject, se refere a pessoas jurídicas, quer se trate de direito público, quer de direito privado. (2002, p. 89-90).

Complementando esta linha de raciocínio, Sonia Marilda Péres Alves acrescenta seu posicionamento doutrinário, atentando para o equívoco dos entendimentos favoráveis à teoria objetiva da responsabilidade civil notarial e registral, em relação a este aspecto. É o que segue abaixo:

O § 6° do art. 37 da CF direciona-se, tão-somente, às pessoas jurídicas, de direito público ou privado. Ora, serventia não é pessoa jurídica – não é empresa. A afirmação torna-se inequívoca pela analise da relação jurídica existente entre o titular da serventia e o Estado ou mesmo porque a organização é regulada por lei o os serviços prestados ficam sujeitos ao controle e fiscalização do Poder Judiciário.

Ainda, serventia não tem capacidade processual, não tem patrimônio, não tem personalidade jurídica, a qual só se adquire com o registro dos atos constitutivos na Junta Comercial ou no Registro civil das Pessoas Jurídicas [...] serviços notariais e registrais não são caracterizados como pessoa jurídica. A Serventia, como o Espólio, o Condomínio e a Massa Falida constituem ficção jurídica. (2002, p. 97).

Portanto, não há de se equiparar a figura do serventuário extrajudicial à pessoa jurídica, visto que a delegação é exercida pela pessoa física destes profissionais do direito, e querer a sua inclusão nesta classe, é aplicar o lhes prejudica, vedando o que lhe beneficiaria, “a exemplo de não poderem ser considerados pessoa jurídica para fins de tributação, o que lhes permitiria considerável redução em sua carga tributária, hoje incidente exclusivamente na pessoa física”. (BOLZANI, 2007, p. 90).

Outra questão de suma importância para que se configure a responsabilidade “subjetiva” dos titulares notariais e registrais, diz respeito à necessidade de aplicação do

princípio da isonomia, que restaria desrespeitado, no caso de imputação da teoria objetiva da

responsabilidade a estes profissionais. Segundo Stoco (2007, p. 609):

Desse modo, se todos os servidores públicos, ou agentes públicos típicos, por equiparação, ou particulares exercendo atividade pública delegada pelo Estado só respondem em face de culpa aquiliana, como seria possível impor a responsabilidade objetiva a apenas um segmento da atividade administrativa do Estado, ou seja, os notários e registradores?

Deste modo, atestada ficaria a ofensa ao princípio supracitado, de forma que trataria de maneira desigual, um representante da mesma classe administrativa.

Quanto à aplicação do princípio da isonomia, um último aspecto merece ser abordado, qual seja o “extermínio” da pretensão doutrinária objetiva em atribuir a incidência do § 6° do artigo 37 da Carta Magna, aos profissionais do direito em tela. Um paradoxo nasce, quando se analisa a responsabilidade civil dos tabeliães de protestos de títulos e outros documentos de dívidas.

Observe-se o artigo disposto na Lei 9492/97 – lei de protestos, o qual assevera a responsabilidade civil dos seus tabeliães, em decorrência de atos lesivos praticados contra terceiros: “Art. 38. Os Tabeliães de Protesto de Títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou Escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”. (BRASIL, Lei 9.492/97).

A responsabilidade civil subjetiva está expressamente descrita no referido artigo, através dos elementos “culpa” e “dolo”. Decorrente desta constatação, um questionamento resplandece: como poderia ser atribuída a responsabilidade objetiva aos notários e registradores, se uma lei posterior à que os estabeleceu prevê expressamente a responsabilidade subjetiva de seus titulares? (DIP, 2002).

Deste modo, sobre a luz do princípio da igualdade, e levando-se em conta terem os serviços notariais e de registro a mesma essência, não se deve consentir tal discriminação, sob qualquer argumento.