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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A atividade notarial e de registro, no leito da sua função social, é de extrema importância para o cidadão comum, uma vez que emana um serviço público necessário e essencial à segurança dos atos jurídicos cotidianos praticados por estes. É com base na inevitável constatação do caráter público da atividade, que imprescindível se faz a análise da participação do Estado no desenvolvimento deste serviço.

Ao longo dos anos, algumas teorias inerentes à responsabilidade civil estatal foram construídas e disseminadas no solo fértil do ordenamento jurídico brasileiro. A análise destas teorias é de suma importância para a verificação do grau de responsabilização do Estado, nos atos jurídicos sujeitos à reparação.

4.1.1 Teorias da responsabilidade civil estatal

4.1.1.1 Teoria da irresponsabilidade

Nos tempos antigos, o Estado era considerado o ser supremo da sociedade, esta, até então, desorganizada e carente de políticas democráticas disciplinadoras das relações jurídicas sociais. Vigorava a teoria da irresponsabilidade estatal em face dos danos sofridos pelos cidadãos. The king can not do wrong, ou seja, o rei não pode errar, era o princípio que regia a ligação entre o Estado e o povo, até o final do século XVIII. A figura do monarca era intocável, de modo que não se falava em responsabilidade civil, quando o prejuízo era atribuído a ato diverso cometido pelo rei. (VIEIRA JUNIOR, p. 163, 2006).

Conforme Stoco (2007, p. 994), a única hipótese de demanda contra o Estado era a “admissão da responsabilidade do funcionário, quando o ato lesivo pudesse ser diretamente relacionado com um comportamento pessoal seu”. Gomes complementa, no sentido de que

ainda assim, se o funcionário se enquadrasse na categoria de servo da coroa, não seria responsabilizado civilmente por quaisquer prejuízos causados a outrem, em decorrência do seu status, restando o total desamparo ao sujeito passivo da demanda, no que tange ao ressarcimento dos prejuízos sofridos. (2000, p. 185).

Antes do fim da fase da irresponsabilidade estatal, os atos governamentais foram subdivididos entre “atos de império” e “atos de gestão”. Os atos de império, praticados pelo rei, ainda gozavam dos benefícios e privilégios anteriormente percebidos, enquanto que os de gestão, cometidos pelos agentes públicos da administração, foram colocados em patamares de igualdade em relação aos particulares, gerando, pela primeira vez, em caso de culpa, o dever indenizatório por parte do Estado. (BOLZANI, 2007, p. 35).

Contudo, a teoria da irresponsabilidade estatal não mais se aplica nos dias atuais, visto que os dois últimos países defensores de sua sustentação (Inglaterra e Estados Unidos), desde a década de quarenta, passaram a aceitar que os pleitos indenizatórios decorrentes de atos cometidos por agentes públicos fossem demandados diretamente contra a administração pública. (STOCO, 2007, p. 994)

O surgimento desta nova fase, chamada civilista, consagrou três novas teorias, articuladoras da responsabilidade civil do Estado.

4.1.1.2 Teoria da culpa administrativa

A teoria da culpa administrativa, ou acidente administrativo, foi o marco inicial da aplicação, de uma forma mais ampla e completa, da responsabilidade civil estatal. Nesta vertente, pela primeira vez, o agente público é encarado como instrumento da estrutura estatal e a necessidade de comprovação da sua culpa deu lugar à simples comprovação da falta do serviço, este de prestação característica do Estado. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 188).

Meirelles (1997) apud Bolzani (2007, p. 37) ilustra a questão acerca da culpa administrativa:

É o estabelecimento do binômio falta do serviço-culpa da Administração. Já aqui não se indaga da culpa subjetiva do agente administrativo, mas perquire-se a falta objetiva do serviço em si mesmo. Como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro. Exige-se, também, uma culpa, mas uma culpa administrativa.

Some-se a isto a necessidade de ocorrência do dano, este aliado a comprovação da inexistência, mau funcionamento ou retardamento do serviço que deveria ser prestado pela

administração, para o nascimento do dever de indenizar. A comprovação destes fatores corre por conta do terceiro prejudicado. (STOCO, 2007).

4.1.1.3 Teoria do risco administrativo

Ao longo do tempo, observou-se que a teoria da culpa administrativa, apesar de ter representado um avanço extraordinário no que tange a responsabilidade civil do Estado, não contemplava de forma integral a reparação do prejuízo sofrido pelas vítimas, uma vez que, mesmo afastando a necessidade de comprovação de culpa do agente público, ainda exigia a prova da falta do serviço estatal, originando, por muitas vezes, um obstáculo ao direito à indenização reparatória. (BOLZANI, 2007, p. 38).

A partir da percepção da insuficiência do sistema, quanto à responsabilização civil estatal, novas teorias foram desenvolvidas, com o intuito de afastar o caráter subjetivo das anteriores, visando novas tendências para a caracterização da responsabilidade civil do Estado, estas pautadas na objetividade.

A teoria do risco administrativo surge como o primeiro passo para o avanço da responsabilidade objetiva estatal, sendo que visa a publicização da reparação pelos atos lesivos sofridos pelos particulares em face da administração, abandonando de vez o caráter subjetivo da responsabilidade, de forma que basta a verificação da ocorrência do dano, para geração do dever de indenizar do Estado. Neste sentido, Venosa (2001) apud Gagliano; Pamplona Filho (2006, p. 196) sintetiza o entendimento:

Surge a obrigação de reparar o dano, como decorrência tão-só do ato lesivo e injusto Causado à vítima pela Administração. Não se exige falta do serviço, nem culpa dos agentes. Na culpa administrativa exige-se a falta do serviço, enquanto no risco administrativo é suficiente o mero fato do serviço. A demonstração da culpa da vítima exclui a responsabilidade civil da Administração. A culpa concorrente, do agente e do particular, autoriza uma indenização mitigada ou proporcional ao grau de culpa.

Note-se que, neste caso, o dever de reparação do dano não é absoluto, permitindo a excludente da responsabilidade estatal, ou mesmo sua atenuação, mediante comprovação de culpa da vítima, seja ela exclusiva ou concorrente. Uma forma justa de garantia, tanto do direito da vítima, inerente a reparação dos danos por ela sofridos, quanto da possibilidade de defesa por parte do Estado.

4.1.1.4 Teoria do risco integral

Esta teoria representa o radicalismo extremo da responsabilidade civil administrativa, pois expõe a máquina estatal à responsabilização objetiva absoluta, não permitindo qualquer forma de excludente da causalidade do dano. Senão, vejamos o entendimento abaixo explicitado:

[...] teoria do risco integral, modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, que conduz ao abuso e a iniqüidade social, posto que, segundo esta teoria, a Administração obrigar-se-ia a reparar todo e qualquer dano, não admitindo a anteposição de qualquer causa excludente da responsabilidade, como o caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. (STOCO, 2007, p. 995).

Desta forma, a aplicação da teoria do risco integral reconheceria a responsabilidade estatal em toda e qualquer situação, desde que identificados os elementos geradores da reparação. “Trata-se de situação extrema, que não deve ser aceita, em regra, pela imensa possibilidade de ocorrência de desvios e abusos”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 193).

Outrossim, em hipóteses extraordinárias, esta teoria pode ser aplicada, como no caso da responsabilidade por danos nucleares decorrentes da atividade estatal, caso em que é dispensada até mesmo a ocorrência do nexo causal. Todavia, na imensa maioria dos casos, a responsabilidade civil do Estado é regulada pelos aspectos objetivos da teoria do risco administrativo. (STOCO, 2007).