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IV. Estágio em Contexto de Educação Pré-Escolar

6. Intervenção Educativa com as Crianças

6.1. Atividades-Chave para a Construção da Identidade

6.1.3. Necessidades Básicas do Corpo

Para a formação da identidade da criança importa construir conhecimentos acerca do próprio corpo e das sensações que o meio lhe proporciona, assim como, é fundamental estar em interação social em situações quotidianas. Para o ganho progressivo de autonomia e controlo do corpo é necessário, igualmente, explorar hábitos de bem-estar, de segurança pessoal, de higiene e de saúde (Cerezo, 1997a). O processo de conhecimento das necessidades básicas do corpo permite a aquisição de maior autonomia para compreender e aceitar, por um lado, as suas possibilidades e, pelo outro, as suas limitações. Quando a criança conhece o seu corpo adota comportamentos de autocuidado e autoproteção específicos.

Desde cedo é fundamental valorizar a educação para a saúde e a higiene pessoal da criança, para que sejam desenvolvidos hábitos elementares para o seu cuidado (ME, 1997). A lavagem das mãos e da cara é um simples ato que faz parte da rotina diária da criança no infantário, da mesma forma, os processos de micção e

defecação também são ações rotineiras. No entanto, estes últimos são processos mais complexos na vida da criança. A higiene das mãos deve ser acompanhada pelo adulto, no entanto, relativamente à sala de transição, considerei que as crianças não tinham tempo para progredir sozinhas nesse processo (Figura 83). Assim, foram dadas melhores condições para que essa higiene

pessoal pudesse ser realizada de forma mais calma e com mais tempo pela própria criança. Este procedimento é, habitualmente, desvalorizado no quotidiano da criança, no entanto, é uma ação que contribui para a aquisição de autonomia e revela-se numa atitude positiva para com o próprio corpo, é fulcral incentivar atos de higiene desde cedo. Relativamente à micção e à defecação, são processos mais complexos na vida da criança, que devem ser tratados com maior cuidado, pois há todo um desenrolar de situações pela qual a criança passa até conseguir ser autónoma. De modo geral, o processo de controlo dos esfíncteres dá-se, Figura 83. Fotografia da criança a

aproximadamente, a partir dos 18 meses, atendendo portanto, à idade das crianças da sala de transição.

O controlo dos esfíncteres é um reflexo fisiológico que vai permitir, progressivamente, à criança controlar voluntariamente a defecação, pelo que é uma etapa que surge em paralelo com o amadurecimento da criança, revelando a aquisição de maior autonomia. É, de salientar, que este processo acontece quando a criança revela autocontrolo relativamente à micção e apresenta-se recetiva a controlar os esfíncteres, apresentando, por exemplo, características positivas na sua postura e nas suas atitudes, perante esta etapa.

A partir de uma história infantil associou-se o jogo faz-de-conta e explorou-se a dramatização de uma sequência de situações que representavam um processo de higiene pessoal (Figura 84), que deve ser aprendido pelas crianças.

Figura 84. Imagem do cartaz representativo do processo de higiene

Através do jogo faz-de-conta, da dramatização ou jogo dramático, as crianças podem representar as experiências que vivenciaram de forma lúdica, apropriando-se da imitação para reproduzir situações (Brito et al, 1998). Assim, as crianças desempenharam diferentes papéis e recorreram aos materiais existentes na sala, para a atividade, para mimarem as situações sequenciais que apareciam no livro infantil (Figura 85).

O teatro permite às crianças assumirem papéis (tornarem-se gente grande que domina, ou bebés que precisam de mais atenção), elucidarem-se sobre situações da vida representando-as, exprimirem sentimentos num ambiente seguro e agradável e conciliarem os dois mundos: o da fantasia e o da realidade. (Schiller & Rossano, 1996, p.67)

Este procedimento foi explorado com as crianças na sala de transição, uma vez que, quatro crianças encontravam-se no período de controlo dos esfíncteres durante o meu estágio, quatro já tinham autonomia diurna sobre a defecação e as restantes seis crianças ainda utilizavam a fralda durante o dia. É, de salientar, que a retirada da fralda noturna é um processo mais tardio. No livro infantil era apresentada uma sequência de ações que insinuavam o momento da higiene de um urso de peluche que já não usava fralda, tinha iniciado o controlo dos esfíncteres. As crianças foram incentivadas a observar que o boneco já não molhava as fraldas e tinha vontade de iniciar a sua ida ao bacio. O papel que se exerceu, como orientadora da actividade, sugeria que dialogasse com as crianças e as motivasse a responderem com ações dramatizadas. Estas ações eram sequenciadas e estavam representadas nas imagens do livro infantil. Denotou-se que quando as crianças são expostas a situações que lhes são familiares, estas representam os seus centros de interesse, pelo que estão muito atentas. Como refere Cerezo (1997d) “todo o centro de interesse apoia-se na observação e conhecimento directo da realidade” (p.1576). As situações dramatizadas eram idênticas às situações reais ou vividas pelas próprias crianças ou representavam realidades dos seus colegas às quais assistiam diariamente.

O jogo faz-de-conta revelou-se um recurso rico, não só nesta atividade mas também quando as crianças estavam na área da casinha a mimar ações domésticas. O facto de cada criança assumir um determinado papel, diz-nos que os conhecimentos adquiridos foram interiorizados e, principalmente, transformados em habilidades. No fundo, favorece-se a autonomia da criança através da aquisição do saber-fazer. Além disso, estes jogos têm um papel essencial na aquisição de competências sociais, emotivas e afetivas da criança, tal como permite o desenvolvimento linguístico e cognitivo (Schiller & Rossano, 1996).

Outro aspeto que, por um lado, se relaciona com as necessidades emotivas e afetivas das crianças e, pelo outro, restringe o desenvolvimento da linguagem é a utilização excessiva da chucha. Desde o nascimento, o bebé utiliza a boca como um meio privilegiado para conhecer e relacionar-se com o mundo, no entanto, após uma determinada idade, a utilização

da chucha gera alguma inquietação nas famílias e no infantário (Craidy, 2001). Na sala de transição, a utilização da chucha é, geralmente, solicitada pelas próprias crianças como uma forma de apaziguar um choro ou algum desconforto. As famílias dividem a opinião entre retirar a chucha desde cedo ou prolongar a sua utilização até anos mais tarde. Sendo, este tema algo controverso, mas imprescindível para a construção da identidade da criança, propus uma sensibilização para as crianças sobre a utilização da chucha.

Inicialmente utilizou-se uma história infantil contada a partir do computador para abordar a temática. A utilização do computador despertava curiosidade e bem-estar no grupo que estava muito atento aos registos audiovisuais. A utilização dos meios informáticos foi mediada pela necessidade de utilizar uma nova forma de expressão vista como lúdica e aceite com prazer pelas crianças (ME, 1997). A história infantil tinha um enredo que se passava em volta de uns personagens que explicavam não necessitar de usar sempre a chucha, em vez disso, davam outras funções àquele material. O propósito era incentivar as crianças a, progressivamente, deixar de utilizar a chucha. Este objeto, no infantário, representa uma grande fonte de micróbios que acabam por ser transferidos automaticamente para as crianças, podendo provocar doenças (Craidy, 2001). Por vezes, as crianças andavam com a chucha pelo chão, pela mesa, pelos lençóis, pelos pés, não sendo higiénico. Além disso, os pais interessados na retirada da chucha focavam que esta não era aconselhada por dentistas e os terapeutas da fala evidenciavam os problemas pedagógicos que podiam advir da sua utilização, como por exemplo, o retardamento do desenvolvimento da linguagem, uma vez que o instrumento da fala não estava descoberto e acessível, mas sim bloqueado.

As personagens visualizadas no ecrã do computador foram construídas em fantoches e manipulados pelas crianças, que diariamente tinham-nos à sua disposição para as brincadeiras livres (Figura 86). “O processo criativo que envolve a manipulação de fantoches estimula o desenvolvimento da linguagem e do pensamento e faz com que a criança aprenda a tomar decisões, a expressar-se…” (Brito et al, 1998, p.56).

Figura 86. Fotografias das crianças a brincar livremente com os fantoches

A partir da observação destas interações, por vezes, com as intervenções dos adultos, denotou-se que as crianças reviam-se nas situações apresentadas. Havia ocasiões em que as crianças brincavam ou respondiam ao adulto demonstrando empatia para com estas situações pois afirmavam que utilizavam a chucha, ou indiciavam que determinado colega usava a chucha, à semelhança dos fantoches. A manipulação de fantoches facilita a expressão e a comunicação da criança, pois esta utiliza um outro “eu” para criar pequenas conversas, brincadeiras, diálogos e interações com os colegas e os adultos (ME, 1997).