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3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

4.1 TERRITÓRIO

4.2.1 Necessidades de regulação e regulamentação

A regulação é uma atividade do Estado necessária para o cumprimento dos deveres diversos a ele atribuídos. Em sentido mais amplo, refere-se às leis, à moral, à religião, etc., a qualquer instrumento formal ou informal que imponha limites, estabeleça deveres e que regule atividades e condutas. Está associado ao dever fundamental do Estado de ordenar o corpo social para que este se organize harmonicamente. A função estatal de regulação abrange a competência normativa, que envolve, toda ação voltada para a produção de normas jurídicas que determinem limites, imponham deveres e obrigações, bem como sanções; a competência para autorizar e permitir o exercício de uma determinada função; a competência de fiscalizar, sancionar e arbitrar, além da competência de recomendar no sentido de orientar os atores sociais para o desenvolvimento das atividades de interesse do Estado (AITH, 2007).

No contexto atual, a globalização da economia representa um desafio à regulação, no campo da saúde, pois exige intervenção estatal mais efetiva e eficiente, diante dos riscos e ameaças que se globalizam de forma acelerada. Nesse

contexto, a vigilância sanitária necessita de uma alta capacidade de regulação, ou seja, maior qualificação e maior eficiência (infra-estrutura, recursos técnico- científicos e força política), frente à internacionalização dos mercados, que demandam ações para além do âmbito do estado-nação (LUCCHESE, 2003). A questão regulatória é influenciada pela disponibilidade de conhecimento técnico- científico para subsidiar o Estado no processo de decisão. Legislações e normas mal elaboradas podem representar riscos, prejuízos à saúde, à moral e à economia dos cidadãos (BARRETO, 2008).

A ANVISA, como órgão especializado do Estado (SINGER; CAMPOS; OLIVEIRA, 1978) atua na esfera da regulação sanitária, possui o grande desafio de regular um amplo leque de bens, produtos e serviços de interesse da saúde. Algumas áreas têm sido exitosas, a exemplo da propaganda de alimentos infantis, bicos, mamadeira e chupetas e dos produtos derivados do tabaco. No entanto, como destacam Victora et al. (2012) é necessário expandir estas regulações para outros produtos prejudiciais à saúde, a exemplo de refrigerantes, açúcar e bebidas alcoólicas.

Embora seja demasiado ampla para a realidade municipal, salienta-se a necessidade da adoção do princípio da precaução. No contexto das incertezas científicas e do risco de danos graves e irreversíveis, o princípio da precaução tem sido acionado numa tentativa de evitar, reduzir ou eliminar os riscos incertos, ainda desconhecidos no estágio do desenvolvimento científico atual10.

O princípio da precaução busca a redução dos riscos e incertezas. Conforme destaca Setzer (2007), “o desenvolvimento de novos produtos ou tecnologias não requer a prova de sua nocividade e sim, a demonstração de que seus benefícios são superiores a eventuais impactos negativos e inconvenientes sobre o meio ambiente e a saúde (p.141).” O princípio conflui para o princípio bioético do benefício, sinalizado por Costa (2003), no que se refere aos objetos de atuação de vigilância sanitária, os quais possuem benefícios, mas portam riscos, exigindo intensa atividade regulatória.

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Há controvérsias nas concepções do princípio da precaução: uma delas defende que o princípio da precaução levaria à estagnação do desenvolvimento científico e econômico; enquanto a outra concepção, a mais aceita, afirma que deve haver investimento em ciência e tecnologia, para a descoberta e eliminação dos riscos potenciais de uma determinada ação, ou seja, diante da limitação de um conhecimento deve-se buscar a maior quantidade e melhor qualidade de informações sobre o tema, para a tomada de decisão (AITH, 2007; DALLARI; VENTURA, 2002; SETZER, 2007).

A regulamentação consiste na atividade normativa do Estado, de titularidade do Poder Executivo, por meio do qual ele edita regulamentos (decretos, resoluções portarias etc.) administrativos. Através dos regulamentos, o Poder Executivo especifica e torna mais claras normas jurídicas previstas em Lei ou instrumento superior. Os regulamentos se subordinam a texto normativo hierarquicamente superior, em geral às leis, com o intuito de que o campo da regulamentação obedeça aos limites estabelecidos em Lei, em consonância com o princípio da legalidade (AITH, 2007).

Quanto mais complexas as relações sociais, maior a demanda da função regulatória do Estado, ou melhor, de regulamentação, principalmente aquelas destinadas à efetivação do direito à saúde, em especial no âmbito de vigilância sanitária, que atua diretamente nas relações produção-consumo, numa arena marcada por conflitos de interesses econômicos e da saúde. Como função intransferível do Estado, a vigilância sanitária media técnica e politicamente, os diversos interesses dos segmentos sociais na definição das normas e regulamentos, utilizando-se do poder de polícia para que estes sejam cumpridos (LUCCHESE, 2008; COSTA, 2004).

A Administração Pública no Brasil, um Estado Democrático de Direito, está vinculada ao princípio da legalidade, cabendo ao Estado fazer estritamente o que está previsto na legislação (SANTOS, 1997). Neste sentido, vigilância sanitária como função administrativa do Poder Executivo possui o poder de polícia para o desenvolvimento das ações de controle e fiscalização. E como tal, deve estar pautada no princípio da legalidade11, ou seja, agir conforme o que está previsto em Lei, suas normas e regulamentos. No entanto, nem todas as questões que envolvem riscos sanitários estão regulamentadas.

A federação brasileira é caracterizada pela competência comum, concorrente e cooperação12. Cabe à União, a competência de legislar sobre normas

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O princípio da legalidade é a garantia do indivíduo de que a administração pública respeite o seu direito à liberdade e à propriedade.- “[...] ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” art.5º da CF. A obediência da legalidade é a bússola do administrador e a garantia do indivíduo contra o arbítrio do Poder Público (SANTOS, 1997).

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A competência comum definida pela Constituição Federal significa que todos os entes federativos têm a tarefa, atribuição de cuidar da saúde da população. A competência para legislar para proteger e defender a saúde envolve todos os entes federativos, cabendo a cada um o seu específico, É competência concorrente entre União e Estados e suplementar em relação aos municípios. Embora União e Estados possuam competência concorrente, existe a supremacia das normas jurídicas da União quando se trata do estabelecimento de normas gerais. O que pode ser suplementado é aquilo

gerais; aos Estados a competência de legislar de forma suplementar, para atender suas particularidades, em seus territórios, e aos municípios a competência para legislar sobre suas peculiaridades locais (AITH, 2010). Daí surge, a necessidade de que cada município estabeleça suas normas para efetivar o controle dos riscos existentes nos seus respectivos territórios, conforme a dinâmica social e em consonância com o princípio da legalidade que norteia a ação estatal.

Grande parte dos municípios tem dificuldades para normatizar, seja pela falta de capacidade técnica, pela falta de apoio jurídico aos serviços de visa, pela inexperiência ou pelo desconhecimento desta atribuição ou pela própria ineficiência do serviço de vigilância sanitária em identificar temas carentes de regulamentação em seus territórios. Em geral, os municípios utilizam os regulamentos federais e estaduais e acabam encontrando muitas lacunas, pois estes contêm normas gerais. Como previsto na Constituição, as normas gerais devem ser suplementados em razão das peculiaridades locais. Questões cotidianas como o controle sanitário de salões de beleza, serviços de tatuagens e percings, entre outros, devem ser regulamentados pelo município, em função da sua dinâmica social. O mesmo ocorre em municípios com festas populares, aos quais compete normatizar como devem funcionar os estabelecimentos ou o comércio de alimentos etc., determinando os deveres para o controle dos riscos à saúde de sua população. Algumas dessas questões já estão abordadas no código sanitário de alguns municípios, contudo muitos ainda não possuem este regulamento. Outras precisam ser incluídas, principalmente considerando às rápidas mudanças sociais na produção de riscos.

Deste modo, pode-se compreender que necessidades em saúde no âmbito de vigilância sanitária podem representar a necessidade de regulação e de regulamentação de um determinado objeto, questão etc., cuja falta pode se caracterizar como um problema em vigilância sanitária.

que especifica, particulariza o tratamento ás peculiaridades dos estados e municípios, desde que não contrarie a lei federal, sob pena de perda de eficácia. Conforme disposto na Constituição Federal que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário” (AITH, 2007). O texto constitucional atribui aos municípios competência para prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e Estados, serviços de atendimento à saúde da população (BRASIL, 1988).