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3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

4.4 OBJETOS DA AÇÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA

A sociedade capitalista é caracterizada como sociedade de consumo, em que objetos são incessantemente produzidos e consumidos, visando à sustentação de um sistema de necessidades para manutenção do sistema de produção capitalista (BAUDRILLARD, 1975, apud COSTA, 2004). Nesse amplo universo de consumo estão os objetos de atuação de vigilância sanitária que se destinam à satisfação de necessidades fundamentais e/ou inventados pelo mercado para satisfação de necessidades artificialmente criadas (COSTA, 2012).

Os objetos da ação de vigilância sanitária, como problemas potenciais, são socialmente definidos. Desde a antiguidade, como fruto da acumulação histórica das relações sociais, econômicas, políticas e culturais, a sociedade vem identificando os objetos de controle da ação do Estado, por estes estarem relacionados à doença/saúde. Observa-se que alguns objetos como o exercício profissional das práticas de cura, medicamentos, alimentos são submetidos ao controle da vigilância desde épocas remotas (COSTA, 2004). À medida que a sociedade vai se desenvolvendo, ampliando as relações produtivas, novos objetos são incorporados ao controle sanitário.

Os objetos de ação vêm sendo definidos na legislação sanitária16, em dados contextos sociais e econômicos, ou seja, os produtos e serviços que envolvem riscos à saúde pública, e que, portanto são submetidos a controle e fiscalização sanitária, que incluem todos os componentes dos objetos (matérias primas, embalagens, bulas, informes, propagandas, transportes, estabelecimentos etc.) e todas as etapas da produção ao consumo:

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A Constituição Federal de 1988, a Lei 8080/90, Lei 9782/99, Lei 6360/76, Lei 5.991/73, Decreto-Lei 986/69, entre outras, definem os objetos de atuação da vigilância sanitária.

• Medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos e coadjuvantes de tecnologias e processos; embalagens e bulas;

• Alimentos, incluindo bebidas, águas minerais, seus insumos e suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de medicamentos e agrotóxicos;

• Imunobiológicos e suas substâncias ativas, sangue e hemoderivados;

• Órgãos e tecidos humanos e veterinários para uso em transplantes e reconstituições;

• Pesquisas clínicas com medicamentos, drogas, bens e tecnologias submetidos à vigilância sanitária;

• Equipamentos e materiais médico-hospitalares, hemoterápicos, odontológicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem, órteses e próteses;

• Radioisótopos para diagnóstico in vivo, radiofármacos e produtos radioativos para diagnóstico e terapia;

• Saneantes destinados à higienização, desinfecção e desinfecção em ambientes hospitalares, domiciliares e coletivos;

• Produtos de higiene pessoal, perfumes, cosméticos e afins;

• Produtos obtidos por engenharia genética e outros submetidos a fontes de radiação, que envolvam riscos à saúde;

• Produtos fumígenos, derivados ou não do tabaco, cigarros, cigarrilhas, charutos e a respectiva propaganda;

• Serviços de saúde, de atenção ambulatorial e hospitalar, de apoio diagnóstico ou terapêutico, incluindo a destinação de resíduos; bancos de leite humano e de órgãos; serviços hemoterápicos, de fisioterapia, odontológicos etc.;

• Serviços relacionados coma saúde, tais como clínicas de estética, casas de repouso, laboratórios óticos e de próteses, salões de beleza, academias de ginástica, creches e desinsetizadoras etc.;

• Farmácias e outros estabelecimentos que desenvolvam atividades com produtos e bens submetidos à vigilância sanitária sejam farmacêuticos, alimentícios, saneantes, cosméticos etc.;

• Portos, aeroportos e fronteiras, instalações, meios de transporte, cargas e viajantes;

• Compartilhamento no controle sanitário de aspectos do meio ambiente, do ambiente de trabalho e a vigilância em saúde do trabalhador17. (COSTA, 2012)

Este universo não é definitivo, uma vez que novos objetos podem ser submetidos a controle de vigilância sanitária, como resultante da dinâmica social, principalmente diante do desenvolvimento tecnológico crescente e a incorporação de novas tecnologias, produtos e serviços no cotidiano das pessoas.

Cada um desses objetos tem naturezas diversas e portam riscos, além de possuírem atributos historicamente construídos (identidade, finalidade, eficácia, segurança e qualidade esperadas) e que são requeridos para que estes funcionem como bens sociais. Para dados objetos estes atributos possuem um significado próprio e nem sempre se aplicam indistintamente a todos os objetos. Qualidade e segurança são requisitos imprescindíveis de todos os objetos sob atuação de vigilância sanitária, enquanto que eficácia, por exemplo, está vinculada à finalidade e natureza do produto ou serviço. Tem-se o exemplo de medicamento e gelato comestível, para os quais qualidade e segurança são atributos de ambos, mas a eficácia não é requerida para o gelato (COSTA, 2012). O não atendimento destes atributos ou características representa a possibilidade de ocorrência de danos à saúde pela adição de nocividade (nocividade positiva) ou pela subtração do benefício esperado (nocividade negativa) (COSTA, 2003b). Assim, por si só, os objetos de ação da vigilância representam um problema potencial por possuir riscos e um benefício esperado.

Uma característica comum dos objetos da ação é que todos que estão sob vigilância sanitária possuem benefícios, porém portam riscos intrínsecos ou adicionados ao longo da cadeia produtiva, e os riscos potenciais, que se refere à

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Embora seja de competência legal da vigilância sanitária, atuar sobre os problemas decorrentes do meio ambiente, nele compreendido o ambiente do trabalho, a ANVISA não os incorporou como de sua competência. Isto se deveu ao contexto da criação da agência, caracterizado pela reforma do Estado e de grave crise na vigilância sanitária (LUCCHESE, 2008). Com isto, têm-se no âmbito do SNVS diferentes modelos organizacionais nos estados e principalmente nos municípios, cujos serviços de vigilância sanitária desempenham ações no ambiente e em saúde do trabalhador, como objetos de ação, conforme a competência legal.

possibilidade de que ação humana, eventos, produtos, serviços, ambientes, processos, situações propiciem a ocorrência de dano à saúde direta ou indiretamente (COSTA, 2012). Excetuam-se do âmbito deste conceito, os produtos fumígenos que foram submetidos à ação da vigilância sanitária, através da Lei Federal 9294/96, rompendo com o conceito de que o que está sob vigilância envolve riscos à saúde, mas porta benefícios. Porém, este exemplo corrobora com a premissa da produção social, pois a sociedade e seus especialistas definiram o tabaco como um problema a ser controlado pela vigilância sanitária.

Como problemas potenciais, o Estado tem o dever, conforme está definido na Constituição, de atuar sobre estes objetos, para proteger a saúde da população dos riscos, danos e agravos deles oriundos. Em consequência disto, estes objetos de cuidado são definidos em normas, diante da possibilidade de se constituírem problemas reais.

Alguns desses objetos como problemas potenciais guardam relação com o princípio da precaução. Embora estejam disponíveis para serem utilizados pela população portam riscos incertos ou desconhecidos, pela insuficiência de conhecimento técnico-científico, e/ou desinteresse investigativo; o que exige medidas concretas e eficazes a serem tomadas no sentido de tentar prever e evitar os riscos à saúde. O alimento transgênico é um exemplo do desconhecimento dos possíveis riscos, embora já esteja disponível no mercado pra consumo (AITH, 2007; COSTA, 2009).

Um município, ou melhor, a sociedade nele constituída, pode definir outros objetos sob vigilância sanitária além daqueles constantes da lei, a partir de contradições identificadas e reconhecidas como problemas em seu território. A lei estabelece os objetos, mas a situação de saúde pode trazer elementos novos, para além da lei. As normas são resultado de um processo social num determinado momento e, por sua vez não dão conta da dinâmica da realidade.

Um município pode apresentar necessidades de saúde que dizem respeito a algo que não está na norma geral, considerando, por exemplo, um dado objeto que ainda não adquiriu força ou relevância pública para entrar na agenda política no âmbito nacional ou estadual; ou seja, para ser identificado como problema social e então, ser inserido na legislação. No entanto, no município podem aparecer problemas de saúde decorrentes deste mesmo objeto que deve ser, portanto regulamentado como um novo elemento de cuidado em vigilância sanitária.

O município de Salvador18, por exemplo, em 2006 sentiu a necessidade de normatizar os procedimentos na área de tatuagens e piercings, em função da popularização dos gabinetes e estúdios de tatuagens e, consequentemente dos riscos de agravos relacionados a estes serviços, como doenças infecto-contagiosas. Embora tais estabelecimentos já constassem na legislação sanitária municipal (lei 5504/99, art.58), não havia ainda regulamentação dos procedimentos, materiais e instrumentos utilizados. Neste caso, o processo se deu de forma participativa, com os atores sociais envolvidos com a problemática, reforçando a importância da participação dos cidadãos, do segmento regulado, associações e profissionais de saúde nas definições das regras às quais todos devem se submeter.

Assim, percebe-se que no território podem surgir questões que se apresentam como necessidade em saúde no âmbito da área de vigilância sanitária, como necessidade de regulamentação. Essa necessidade pode ser algo que representa um problema potencial ou até mesmo um problema de saúde. Consequentemente, uma norma deve ser elaborada para inclusão de um novo objeto de cuidado em vigilância sanitária.

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Em função da popularização das tatuagens e peircings e do risco associados a estes serviços, o município de Salvador organizou as oficinas Tatoo do Bem, com a participação de representantes da Coordenadoria de Saúde Ambiental, Diretoria de Vigilância Sanitária e Ambiental, Programa Municipal de Hepatites, Coordenação Municipal de DST/Aids, Associação de Tatuadores da Bahia, Grupo Vontade de Viver e Sucom, e discutiu as novas normas e procedimentos para Gabinetes de Tatuagens e Body Piercings no município de Salvador. (http://www.saude.salvador.ba.gov.br). O Decreto 19754, 13 de julho de 2009 regulamenta o art. 58 da lei municipal 5509/99 (Código Municipal de Saúde).