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3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

4.3 PROBLEMA EM VIGILÂNCIA SANITÁRIA

A demanda pelos serviços de controle resulta de necessidades objetivas, sentidas em nível social. Decorre das contradições que a evolução histórica suscita e cresce à medida que os problemas que tais serviços devem resolver ou suprimir se multiplicam e/ou se agravam. Os serviços de controle têm a finalidade de evitar que as contradições,seja no plano econômico, social ou mesmo natural, venham a perturbar a produção ou consumo dos bens (materiais e imateriais) dentro da ordem constituída (SINGER; CAMPOS; OLIVEIRA, 1978).

Essas contradições podem vir do contato do homem com o meio natural e do relacionamento dos homens entre si (choques sociais, transgressões, enfermidades mentais). Deste modo, os serviços de controle atuam nestas contradições preventivamente (ajustando às normas) ou corretivamente (curando, punindo e reprimindo) com a finalidade de conciliar e compatibilizar as atividades e interesses dos indivíduos enquanto integrantes de unidades de produção e consumo (SINGER; CAMPOS; OLIVEIRA, 1978).

Produzidas pela dinâmica social, as contradições são tomadas como objetos dos serviços de controle, ao passo que são reconhecidas como problemas pelo consenso dos grupos dominantes da sociedade. Uma vez identificada como problema, estes são considerados como demanda de ação dos serviços de controle pela atuação dos especialistas que o integram. Assim, são os especialistas que definem quais problemas serão abarcados nos distintos serviços de controle (a exemplo dos serviços de fiscalização do Ministério da Agricultura, da vigilância sanitária, meio ambiente etc.). Compreende-se, portanto, que os problemas são resultado de necessidades objetivas, socialmente percebidas e repartidas pelas instituições que se propõem a resolvê-las (SINGER; CAMPOS; OLIVEIRA, 1978).

Neste processo de delimitação do campo de atuação de uma instituição de controle, os especialistas acabam por influenciar os demais atores envolvidos na situação. Em conseqüência disso, e influenciada também pela percepção que cada especialista tem dos problemas sociais, podem ser estruturadas áreas de atuação alheias às reais necessidades identificadas. É o que tem acontecido com os serviços de saúde, que têm transformado as contradições individuais, coletivas e sociais em problemas de saúde (medicalização) (SINGER; CAMPOS; OLIVEIRA, 1978) e mais, em necessidades de serviços de saúde. A medicalização da sociedade ampliou a

abrangência das ações de vigilância sanitária, para incorporar novos objetos (produtos, tecnologias e etc) para normatização e controle (COSTA, 2004).

É, portanto, a sociedade que define o que é problema. É na dinâmica social que são produzidos e reconhecidos os problemas, pela sociedade, que por sua vez, demandam a intervenção dos serviços de controle (SINGER; CAMPOS; OLIVEIRA, 1978). Assim, para satisfação das necessidades fundamentais ou artificialmente criadas são utilizados produtos e serviços que trazem benefícios, mas também portam riscos que podem provocar diversos problemas de saúde para a população (COSTA, 2004); esta é a razão pela qual estes objetos são fiscalizados e controlados pela vigilância sanitária, como serviço de controle do Estado, para proteção e promoção da saúde da população, como para preservação da ordem social, principalmente a organização econômica da sociedade. Isto ocorre em função da atuação de vigilância sanitária nas relações sociais produção-consumo, de onde se origina a maior parte dos problemas de saúde, nos quais é preciso interferência do âmbito da vigilância sanitária (COSTA; ROZENFELD, 2000).

A definição social de problema, considerando as diferentes visões da realidade e os diversos interesses, exemplifica-se na questão recente da Sibutramina, medicamento já retirado no mercado na União Européia, Estados Unidos e outros países. A argumentação técnica da ANVISA e de outros atores em prol da proteção e defesa da saúde pública não foi suficiente para cancelar o registro deste medicamento. A sociedade, ou mais precisamente segmentos dela, ali representados, definiu que a sibutramina não era um problema dessa monta, resultando na manutenção do uso deste medicamento, mesmo sabendo-se de seus malefícios.

Como foi abordado anteriormente, tudo que está sob vigilância sanitária no território representa um problema potencial, assim como a não satisfação das necessidades de regulamentação, de participação e de comunicação se constituem problemas potencias, pois podem provocar algum dano à população.

No planejamento, segundo Matus (1993) problema é definido como algo considerado fora dos padrões de normalidade para um ator social. Esses padrões são definidos a partir do conhecimento, do interesse e da capacidade de agir do ator sobre dada situação. Dessa forma, problema de saúde consiste na representação social de necessidades de saúde, derivadas das condições de vida e formuladas por um ator social a partir da percepção da discrepância entre a realidade vivida e a

desejada ou idealizada (TEIXEIRA, 2010). No entanto, o que é problema para uns, pode não ser para outros. Com base nisto, Matus propõe a explicação da realidade, numa visão policêntrica dos diversos sujeitos nela inseridos.

Os problemas podem ser classificados como problemas bem estruturados e quase-estruturados. Um problema bem-estruturado é um problema em que se pode reconhecer, com precisão, os fatores e suas variáveis; suas soluções são finitas e conhecidas por todos. O ser humano lida, em geral, com problemas quase- estruturados, em que não se pode identificar nem explicar com precisão. São problemas complexos, a exemplo dos problemas de saúde, por abranger sempre o âmbito sócio-político, mesmo tendo uma dimensão técnica. Não há soluções ótimas e aceitas por todos os envolvidos (SÁ; PEPE, 2000; MATUS, 1993).

Os problemas podem ainda ser atuais, ou seja, vigentes no presente ou problemas potenciais como ameaças futuras, possibilidades, cujos resultados se manifestarão no futuro. Os problemas classificados como terminais se referem às necessidades básicas do homem em sociedade. É um problema entre a população e a realidade em que vive conseqüente a uma necessidade insatisfeita ou demanda da população. Existem ainda, os problemas intermediários que estão associados à relação direta do homem com as coisas, no espaço das práticas sociais (MATUS, 1993).

Deste modo, pode-se considerar que a área de vigilância sanitária abarca problemas atuais, potenciais e intermediários, pois lida com riscos, danos e agravos à saúde, em conseqüência da natureza de objetos que possuem riscos intrínsecos e/ou adicionados (COSTA, 2010), de não conformidades dos seus objetos de atuação, com a possibilidade futura de ocorrência de dano ou agravo à saúde; e ainda, de problemas decorrentes da organização e dos processos de trabalho dos serviços de vigilância sanitária.

A ação de vigilância sanitária interfere diretamente sobre o modo como as pessoas vivem, tendo em vista a natureza de seus objetos, que são meios de vida produzidos socialmente. As ações são de competência do Estado, mas as questões e problemas da área são de responsabilidade pública, envolvem distintos atores sociais (COSTA, 2009). Pode-se compreender que a definição do que é problema em vigilância sanitária deve levar em conta a percepção dos diferentes atores (a exemplo dos profissionais de vigilância, da população, da sociedade civil, do setor produtivo, comerciantes, consumidores, pesquisadores etc.) que atuam e podem

intervir numa determinada realidade onde se inserem os problemas relacionados aos objetos de atuação.

O elenco norteador das ações de vigilância sanitária propostas no guia para elaboração dos Planos de Ação (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2007) inclui ações de inspeção sanitária em hospitais, farmácias, escolas, creches, salões de beleza etc., bem como a coleta de amostras de produtos, as ações educativas para os setores regulados e para a população, entre outras. Isto porque estes estabelecimentos, produto etc. são reconhecidos como problemas potenciais, existentes num território, e que deve ser identificado e receber atenção, pois tudo que está no território e que está sob vigilância sanitária constitui um problema potencial.

Pode-se considerar que a noção jurídica de problema em vigilância sanitária está definida na norma: tudo o que está definido na legislação sanitária, como sujeito à vigilância sanitária constitui um problema potencial e requer intervenção. Num dado momento a sociedade definiu, que alimento, medicamento, saneantes, cosméticos, drogarias, os produtos pra saúde, dentre outros, constituem problemas. Ou seja, determinados bens, produtos e serviços possuem benefícios, mas contêm riscos, e consequentemente, representam problemas potenciais. Problema também pode representar uma necessidade não satisfeita, a exemplo da falta de normatização de um dado objeto, processo, procedimento que não está regulamentado, como ocorreu com as câmaras de bronzeamento num dado momento.

Os problemas em vigilância sanitária não se encerram nos objetos de ação como problemas potenciais, incluem também os problemas reais, ou seja, os problemas do estado de saúde da população, danos e agravos relacionados aos referidos objetos. Como exemplo, tem-se os eventos adversos, entendidos como qualquer efeito não desejado, em humanos, decorrente do uso de produtos sob vigilância sanitária (ex: queimadura capilar causada pelo uso de shampoo anticaspa) ou da queixa técnica, entendida como qualquer notificação de suspeita de alteração/irregularidade de um produto/empresa relacionada a aspectos técnicos ou legais, e que poderá ou não causar dano à saúde individual e coletiva (ex: frascos de soro fisiológico com alteração de cor) (www.anvisa.gov.br).

Somam-se a estes, problemas dos serviços de saúde e de outros serviços de interesse da saúde (creches, escolas, desinsetizadoras, hotéis, serviços de

alimentação etc.). Os serviços de saúde abarcam a maioria dos objetos de atuação da vigilância sanitária, revelando a complexidade no controle dos riscos oriundos de tais serviços. Falhas na realização de um procedimento, como a troca de medicamentos, pode causar um dano ou mesmo a morte de um indivíduo, a exemplo da morte recente de uma adolescente devido à infusão de vaselina líquida ao invés de soro fisiológico13; a ocorrência de infecções por micobactérias pós- lipoaspirações14, devido a falhas na esterilização do material ou a realização de um procedimento por profissional não habilitado, como a do falso pediatra boliviano que resultou na morte de uma criança15.

Além disso, existem os problemas dos serviços de vigilância sanitária: assim como o sistema de saúde possui problemas - que podem ser definidos como a expressão de limitações, dificuldades, fragilidades existentes na organização e funcionamento do serviço de saúde - relacionado à infraestrutura, organização, financiamento, gestão e prestação de serviços (TEIXEIRA, 2010), os serviços de vigilância sanitária também apresentam problemas. Um exemplo é a ausência de recursos materiais para o desenvolvimento das ações; falta de técnicos investidos na função e com qualificação técnica para a realização das atividades; e falta de compromisso dos gestores com as ações de vigilância sanitária como uma das causas básicas das demais.

Entre outros, há, ainda, problemas relacionados ao SNVS, no que diz respeito a problemas atinentes à rede laboratorial deficiente. O laboratório é um componente fundamental para o controle de riscos, na medida em que realiza as análises que subsidiarão a vigilância sanitária na avaliação da qualidade dos produtos, na tomada de decisão, além de elucidar suspeitas, dirimir dúvidas, estabelecer relação de causalidade e identificar agentes de danos à saúde (COSTA, 2003b). O Laboratório de Saúde Pública (LACEN) faz parte do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e dada sua função de subsidiar o exercício da fiscalização

13 http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2010/12/hospital-entrega-frascos-de-soro-e-vaselina- policia.html 14 http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL719002- 5598,00RISCO+DE+INFECCAO+POR+MICOBACTERIA+CANCELA+CIRURGIAS+DE+LIPOASPIR ACAO.html 15 http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/policia-divulga-imagem-do-principal-suspeito-de-ser-o-falso- pediatra-de-sao-paulo-20120508.html

sanitária, problemas relacionados à operacionalização das análises laboratoriais, podem trazer graves consequências à saúde da população e ao setor produtivo.