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O Nome-do-Pai: Sigmund Freud

No documento A Ideologia da Estética (páginas 192-200)

Se a estética informa algumas das principais categorias políticas e econômicas de Karl Marx, ela também está presente no pensamento psicanalítico de Sigmund Freud. O prazer, o lúdico, o sonho, o mito, cenas, símbolos, fantasias, repre- sentações deixam de ser concebidos como questões acessórias, adornos estéticos às coisas importantes da vida, e passam a ocupar a própria raiz da existência humana, como o que Charles Levin chamou de “uma espécie de substância primitiva do processo social”.1 A vida humana é estética para Freud na medida em

que se trata sempre de sensações corpóreas intensas e fantasias barrocas, intrinse- camente significativas e simbólicas, inseparáveis das figuras e da imaginação. O inconsciente trabalha com uma espécie de lógica “estética”, condensando e deslo- cando suas imagens com o oportunismo astucioso de um bricoleur artístico. A arte para Freud não é assim uma dimensão privilegiada, mas está num contínuo com os processos libidinais que compõem a vida cotidiana. Se ela é de algum modo especial, é porque a vida cotidiana é ela mesma algo de extremamente estranho. Se a estética foi promovida nos círculos idealistas como uma forma de sensuali- dade sem desejo, Freud desmascarará a ingenuidade devota desta visão lendo-a como um anseio igualmente libidinal. A estética é aquilo que faz a nossa vida, mas Freud, em oposição a Schiller, encontra aí tanto a catástrofe quanto o triunfo.

Nietzsche antecipou a Freud na sua desmistificação do desinteresse estético; mas em um aspecto Freud ultrapassa àquele que o precede, de forma tão marcante, em seu pensamento. A vontade de poder de Nietzsche é definitivamente positiva, e os artefatos que a expressam ressoam com sua afirmação. É esta vitalidade viril, esta plenitude fálica, que a psicanálise diminui com sua concepção do desejo. O desejo insinua uma falta exatamente no centro desta robustez nietzschiana; faz deslizar para o interior da vontade uma negatividade ou perversidade que a torna não idêntica consigo mesma. Nossos poderes têm algo de eternamente insatisfeito, uma motilidade e indeterminação que lhes faz errar a mira, distorcer-se, virar-se sobre si mesmos; há uma falha sutil, no centro, que faz uma sombra sobre o impulso nietzschiano pela saúde, a sanidade e a integridade. Nossos corpos não são gloriosamente autônomos, como Nietzsche tende a imaginá-los, mas presos por sua evolução aos corpos de outros, e por isso acontecem essa hesitação e desvio traiçoeiros de nossos impulsos. Se o poder de Nietzsche recheia o corpo até enchê-lo, o desejo de Freud o esvazia. E isso terá seus efeitos sobre nossa visão do artefato estético que, apesar de todas as noções meio tradicionalistas de Freud sobre a estética, não pode mais nos enganar como algo de integral, bem-acabado

e simétrico. Tal artefato é um tropo de disfarce do sujeito humanista, que depois de Freud não conseguirá mais se manter de pé. O que está sendo questionado implicitamente é toda a herança estética clássica, de Goethe e Schiller a Marx e Matthew Arnold, do sujeito serenamente balanceado, rico e potente. Segundo Freud, ao contrário, nossos impulsos estão em contradição uns com os outros, nossas faculdades num estado de guerra permanente, nossas satisfações são passageiras e maculadas. O estético pode ser, para Freud, tanto quanto foi para Schiller, pura imaginação consoladora, mas é também o detonador de descargas profundas que desmascaram o sujeito humano como fissurado e inacabado. O sonho humanista de plenitude é, ele mesmo, uma fantasia libidinal, tanto quanto toda a estética tradicional. A estética deseja um objeto ao mesmo tempo sensual e controlado por regras; um corpo que seja ao mesmo tempo uma mente, combinando toda a plenitude deliciosa dos sentidos com a autoridade de um decreto abstrato. Trata-se, portanto, de uma fantasia de unidade de pai e mãe, de casamento do amor e da lei; um espaço imaginário no qual o princípio do prazer e o princípio de realidade se fundem sob a égide do primeiro. Identificar-se com a representação estética é recuperar, por um momento especial, a condição narcisista primária em que a libido-de-objeto e a libido-de-ego não podem ser separadas. Freud reconhe- ce, em O mal-estar na civilização, que a psicanálise não tem praticamente nada a dizer a respeito da beleza estética, sobre sua natureza e sua origem; mas está seguro (e como não estaria?) de que ela deriva do “campo dos sentimentos sexuais”, como impulso libidinal inibido em sua meta, e conclui suas reflexões, um tanto confusas, com um comentário estropiado sobre a aparência pouco estética dos genitais masculinos.2

Relacionar uma sonata de Beethoven aos testículos não é bem o estilo da estética tradicional. Freud desmistifica a cultura de modo selvagem, seguindo suas raízes obscuras até os recessos do inconsciente, tão implacavelmente quanto o marxismo desvela sua fonte escondida no barbarismo histórico. A arte é infantil e regressiva, uma forma não neurótica de satisfação substitutiva; incapazes de abandonar seu objeto de prazer, os homens e mulheres deixam de brincar com suas fezes para dedilhar trombones. Obras de arte lembram sonhos menos do que piadas, e a coisa mais próxima do sublime para Freud é o ridículo. Num pequeno artigo intitulado “Humor”, ele vê o humor como uma espécie de triunfo do narcisismo, pelo qual o ego recusa-se a ser abalado pelas provocações da realidade, numa afirmação vitoriosa de sua invulnerabilidade. O humor transmuta um mundo ameaçador em uma ocasião de prazer, e, nessa medida, assemelha-se ao sublime clássico, que, de modo aproximado, permite-nos obter gratificação de nosso sentimento de impenetrabilidade frente aos terrores à nossa volta. O mais alto tem sua base no mais baixo, numa inversão bakhtiniana que destrói as pretensões mentirosas do idealismo cultural. A mais elevada das categorias românticas — a visão — fica embaraçosamente próxima daqueles subtextos baixamente libidinais que nós chamamos de sonhos. A cultura idealista fala o corpo, mas raramente fala dele, incapaz de contornar as condições de seu próprio discurso. Freud atacará esta nobre mentira no seu estilo gravemente científico e respei- tável, deixando ao burguês injuriado a única saída de considerá-lo um exage- rado reducionista. Se as coisas são assim, por que Freud ele mesmo aprofun- dou-se tanto na cultura tradicional, se encantou e se enriqueceu tanto com ela?

Isso é uma questão para aqueles que não compreenderam o sábio credo pastoral de William Empson de que “os mais refinados desejos são inerentes aos mais simples, e seriam falsos se assim não fossem”.3 Sempre que alguém fala “mal mas

não doentemente” dos seres humanos, observa Nietzsche, definindo-os como uma barriga com duas necessidades e uma cabeça com uma, o “amante do conhecimen- to deve ouvir com cuidado e diligência”.4

O outro ataque implícito de Freud à estética tradicional é o que desconstrói sua oposição crucial entre “cultura” e “sociedade civil”. De modo escandaloso, ele se recusa a diferenciar entre cultura e civilização, entre a esfera do valor e o reino do desejo. Não há nenhuma esfera utilitária inocente em relação ao libidinal, e não há valor cultural absolvido dos impulsos agressivos pelos quais a civilização foi construída. O burguês fica satisfeito com sua crença de que o prazer é uma coisa e a realidade outra, mas Freud desconstruirá esta oposição mostrando que o prin- cípio de realidade não passa de um desvio ou esperto zigue-zague pelo qual o princípio do prazer chega a realizar os seus objetivos. Um grande leque de distinções vitais à ideologia burguesa — entre empreendimento e divertimento, o prático e o prazeroso, relações comerciais e sexuais — são consequentemente desmontadas.

O ideal estético tradicional é o da unidade do espírito e dos sentidos, da razão e da espontaneidade. O corpo, como vimos, deve ser judiciosamente reinserido num discurso racional que pode descambar para o despotismo; mas essa operação deve ser realizada com o mínimo de ruptura com aquele discurso. Para esta teoria estética convencional, Freud é uma péssima notícia. Pois a sua lição é a de que o corpo nunca está à vontade dentro da linguagem, nunca se recuperará inteiramente de sua inserção traumática nela, escapando, sempre na sua inteireza, da marca do significante. A cultura e o corpo só se unem numa situação de conflito; as cicatrizes que carregamos são as marcas de nossa irrupção dolorosa na ordem simbólica. A psicanálise examina o que se passa quando o desejo ganha voz, chega à fala; mas a linguagem, concebida de modo amplo, é o que faz aparecer o desejo primeira- mente, e o desejo é o que a faz gaguejar e falhar. Se isso é verdade dos sujeitos humanos, é igualmente verdadeiro do próprio discurso psicanalítico, lidando com forças que constantemente ameaçam de grandes estragos a sua própria coerência teórica. O desejo é em si mesmo sublime, vencendo, ao final, qualquer repre- sentação: há um substrato no inconsciente que não pode ser simbolizado, mesmo sendo, desde o início, de algum modo, virado para a linguagem, em busca de expressão.

É precisamente nesta junção, entre a força muda e o sentido articulado, que o freudismo instala a sua investigação. Ele nasce como um discurso na encruzi- lhada confusa entre o semântico e o somático, e explora as suas estranhas inver- sões: órgão como significante, significante como prática material. Os significados para Freud são certamente significados, não a simples marca ou reflexo das pulsões; mas uma vez que todo esse processo textual é, digamos assim, revirado, visto por uma ótica diferente, ele pode ser lido como nada mais do que uma guerra das forças somáticas, um campo semântico em que o corpo triunfa ou falha na sua conquista da fala. As pulsões freudianas estão em alguma parte na fronteira entre o mental e o corporal, representando o corpo para a mente; onde temos pulsões, temos uma demanda feita à mente em função de sua ligação com o corpo. Dizer

que “temos um inconsciente” não significa falar de uma área escondida do ser, como um rim invisível ou um pâncreas fantasma, mas falar da maneira como nossa consciência é distorcida a partir de dentro pelas exações que o corpo lhe faz.

Este corpo, no entanto, é sempre para Freud uma representação ficcional mais que fato material bruto. Só através das representações podem as pulsões apresentar-se à consciência, e mesmo no inconsciente, um instinto deve ser representado por uma ideia. Sustentar, com Freud, que o corpo é essencialmente um ego corpóreo é dizer que ele é uma espécie de artefato, uma projeção figurativa do corpo, uma imitação psíquica de sua superfície. O ego é uma espécie de tela interior sombria onde se projeta o documentário da história complexa do corpo, os arquivos de seus contatos sensoriais e múltiplas transações com o mundo. Freud ancora a mente no corpo, vendo a razão como fundada no desejo e o pensamento misturado com a vontade; o que não quer dizer que coloca essas coisas como efluxos de algo impecavelmente sólido. A “solidez” mesma é um constructo psíquico, na medida em que o ego constrói uma imagem do corpo “depois do acontecimento”, por assim dizer, percebendo-o dentro de um esquema simbólico como um complexo de necessidades e imperativos, e não simplesmente “refletin- do-o”. A relação entre o ego e o corpo, nessa medida, assemelha-se à relação althusseriana entre a teoria e a história, como é colocada por Fredric Jameson:

como para Althusser, o tempo histórico real só nos é acessível indiretamente, a ação, para ele, é uma espécie de operação cega, uma manipulação à distância, na qual podemos, no máximo, observar nossa performance indiretamente, como num espe- lho, lendo-a a partir dos vários reajustes de consciência que resultam das alterações na situação externa.5

Se o menino “lê” o corpo feminino como em falta, esta é uma leitura feita dentro da lei da castração, sob a égide do significante, não uma simples percepção empírica. Ancorar a mente no corpo é assim não lhe dar nenhum fundamento seguro: na verdade, há algo de fugidio e não localizável no corpo que faz dele, como disse Paul Ricoeur, a imagem mais apropriada do inconsciente:

Quando perguntado como é possível um significado existir sem ser consciente, o fenomenólogo responde: o seu modo de ser é o do corpo, que não é nem ego nem coisa do mundo. O fenomenólogo não está dizendo que o inconsciente freudiano é o corpo; ele está dizendo simplesmente que o modo de ser do corpo — nem representação em mim, nem coisa fora de mim — é o modelo ôntico para qualquer inconsciente concebível.6

Seria um erro identificar o ego com o sujeito, pois as pulsões — como no narcisismo e no masoquismo — podem perfeitamente dar uma volta e dirigir-se para ele, fazendo-o seu objeto. As pulsões não são, em termos fenomenológicos, “intencionais”, definidas por seu objeto: os objetos são para Freud contingentes e permutáveis, simples alvos efêmeros para os instintos, cuja meta predomina sobre a existência deles. O sujeito e o objeto, como em Nietzsche, são produtos passa- geiros do jogo das pulsões; e o que abre a dualidade sujeito/objeto em primeiro lugar é a dialética mais profunda do prazer e do desprazer, da introjeção e da expulsão, à medida que o ego afasta de si certos pedaços do mundo e mastiga outros, assim construindo as identificações primordiais da qual ele é uma espécie

de depósito ou de cemitério. Se é assim, Freud, como Nietzsche, desconstrói, de uma vez só, toda a problemática dentro da qual se move a estética clássica — a do encontro entre o sujeito idêntico a si mesmo e o objeto estável, cujo estranhamento mútuo pode ser transcendido no ato do gosto. Não se trata de, por um precioso momento, resgatar o sujeito de sua alienação; ser sujeito é estar alienado, de qualquer maneira, estar excêntrico a si mesmo pelo movimento do desejo. E se os objetos têm alguma importância, é exatamente no lugar em que estão ausentes. O objeto desejado, como Juliet Mitchell coloca, em estilo lacaniano, só passa a existir como objeto quando ele é perdido pelo bebê ou pela criança.7 É quando o

objeto é removido ou proibido que ele deixa a marca do desejo, de forma que a sua posse segura sempre estará sob o signo da perda, a sua presença será distorcida ou sombreada pela possibilidade perpétua da sua ausência. É exatamente este vácuo no coração do objeto, este estranhamento permanente permeando todos os seus aspectos, que a representação estética clássica busca reprimir com seu organicismo fetichizado.

O pensamento de Freud então é, por um lado, inteiramente “estético”, tendo tudo a ver com o teatro da vida das sensações. São os movimentos do prazer e do desprazer que fazem aparecer um mundo objetivo, em primeiro lugar, e assim todas as nossas relações não estéticas com esse mundo continuarão sempre saturadas por este hedonismo originário. No entanto, esse hedonismo, ligado como está ao egoísmo e à agressividade assassina, perdeu toda a inocência do prazer estético clássico, que era um descanso frente a esses impulsos baixos mais que um produto deles. Freud devolve a este prazer, inofensivamente desarmado, o seu lado desa- gradável, seu rancor, seu sadismo e malícia, sua negatividade e perversidade. A atitude estética, segundo ele, pode nos compensar pelos sofrimentos da existência, mas não pode proteger-nos deles; se o estético é concebido como plenitude e equilíbrio, como uma profusão de poderes satisfeitos, então poucos pensadores desde Jonathan Swift foram mais céticos em relação a ele. O princípio do prazer domina o aparelho mental do início ao fim, e ao mesmo tempo está em conflito com o mundo inteiro; não há a menor possibilidade de seu programa ser satisfeito, pois a intenção de que a humanidade seja feliz foi omitida do plano da criação. A visão hobbesiana e sombria que Freud tem da sociedade humana proíbe-o de encará-la como um espaço potencialmente fortalecedor ou de imaginar a moral como emancipadora e não opressora. E ele está tão longe quanto Hobbes da visão de Shaftesbury, de Schiller ou de Marx, de uma ordem social na qual a realização das capacidades humanas se tornaria um fim em si mesma. Neste sentido, ele é um antiesteta radical, com pouca simpatia, como diz Paul Ricoeur, “pelo que possa ser descrito como uma visão de mundo estética”.8 Ou talvez seja mais correto

dizer que embora Freud herde um pouco da grande onda do pensamento estetizante que nós acompanhamos no decorrer do século XIX, recebe este legado num espírito profundamente pessimista, como uma herança que azedou. Não há volta possível para conceitos puramente racionalistas; a estética já fez o seu trabalho de subversão. Mas para Freud, diferente de Nietzsche ou Hei- degger, também há pouca esperança ou alegria nesta alternativa estetizante. Se Freud continua um racionalista, embora, como Swift, com profunda descon- fiança pela razão, é, entre outras razões, porque ele é frio e teimoso o suficiente para reconhecer os corolários odiosos daquela celebração intelectual do instin-

to, da intuição e da espontaneidade que a linhagem estetizante, de forma mais imatura, tem em sua base. Foi na realidade um determinado fim histórico deste pensamento que o colocou à distância.

Há uma história que Freud teria apreciado: a de Moisés descendo o monte Sinai com as tábuas da lei debaixo do braço, “Consegui reduzir a dez”, ele grita para os israelitas reunidos, “mas o adultério teve que ficar”.

Freud encarava a lei como um de seus mais velhos inimigos, e boa parte do seu projeto terapêutico é dedicado a temperar sua brutalidade sádica, que mergulha os homens e mulheres na loucura e no desespero. A lei para Freud não é decerto só um inimigo pois, em sua visão, cair fora de seu domínio é adoecer; mas ela tem uma violência exagerada que precisa ser enfrentada. Esta lei ou superego, em pelo menos um dos relatos de Freud, é simplesmente uma diferenciação do id, pela qual parte de sua energia voraz é canalizada e transformada em violência sem remorso contra o ego. O superego tem sua origem, como descreve Freud em O ego e o id, na primeira e mais importante identificação do indivíduo, aquela feita com o pai na sua história pessoal.9 Resultando desta identificação, que é anterior a qualquer

catexia de objeto, uma parte do ego é colocada contra a outra, tornando-se o ideal moral, a voz da consciência e juiz censor. O superego nasce de uma ruptura do ego induzida pela ação do id sobre ele. Como uma internalização da proibição parental, o superego é o herdeiro do complexo de Édipo, uma espécie de ressaca de seu drama lúgubre; na verdade, ele tem um papel decisivo na repressão do complexo, modulando a hostilidade do menino pelo pai em identificação com seu papel simbólico. O superego é assim um resíduo das primeiras escolhas de objeto do id; mas ele também representa o que Freud chama de uma “formação reativa energética” contra essas escolhas, nascendo assim sob o signo da contradição. Exortando, por um lado, a criança a ser como seu pai; por outro lado, ela o proíbe de algumas das atividades mais invejáveis do pai. O superego é assim uma espécie de paradoxo ou de impossibilidade, um enigma ou dilema cujas ordens são im- possíveis de ser obedecidas.10 Sendo o herdeiro do complexo de Édipo, ele é

também, segundo Freud, “a expressão dos mais poderosos impulsos e das vicissi- tudes libidinais mais importantes do id”,11 mais próximo do inconsciente que o

ego. No ato de dominar o complexo de Édipo, assim, o ego se entrega submissa- mente ao id, ou, mais exatamente, ao superego como representante do id.

Tudo isto confere à lei um poder assustador. O superego é tão poderoso porque ele é a consequência da primeira identificação, que aconteceu quando o ego ainda era frágil; e porque, nascendo do complexo de Édipo, “ele introduziu no ego os objetos mais graves”.12 Ele é a fonte de todo idealismo, mas também de

toda nossa culpa; é, ao mesmo tempo, sumo sacerdote e agente policial, positivo e negativo, a imagem do desejável e o promulgador dos tabus e proibições. Como voz da consciência, ele tem sua raiz na ameaça de castração, e é responsável por todo nosso ódio de nós mesmos e pelo autoflagelo, em relação aos quais Freud observa que “o homem normal” é não só muito mais imoral, como muito mais moral do que se sabe. Essa lei inexorável dirige o que Freud chama de “aspereza e severidade extraordinárias” contra o ego temeroso, enfurecendo-se contra este

No documento A Ideologia da Estética (páginas 192-200)