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Schiller e a hegemonia

No documento A Ideologia da Estética (páginas 78-91)

A rigorosa dualidade entre a cognição e o juízo estético em Kant contém as sementes de sua própria desconstrução, como alguns de seus sucessores logo reconheceram. Pois se a estética denota a referência de um objeto a um sujeito, ela deve, como Kant aponta, estar presente como um momento em todo o processo de conhecimento. Uma suposição necessária a toda a nossa investigação da Natureza é que a Natureza é estruturada de acordo com, ou “tem algum respeito por”, nossas faculdades cognitivas. A “revolução copernicana” de Kant em relação ao pensamento fez centrar o mundo sobre o sujeito, e ao fazê-lo deu um papel principal à estética, tornando todo o registro da experiência menos marginal, gratuito ou suplementar do que pareceria. A harmonia das faculdades que está por trás do prazer estético é, de fato, a harmonia necessária para qualquer conheci- mento empírico. Assim, se a estética é, num sentido, “suplementar” às outras atividades mentais, ela é um suplemento que, por uma espécie de lógica derridiana acaba por ser algo como sua fundação ou precondição. Como diz Gilles Deleuze, “uma faculdade nunca assumiria um papel legislativo ou determinante se todas as faculdades juntas não fossem capazes desta harmonia subjetiva livre [da estética]”.1

A raiz de todo o conhecimento, para Kant, como coloca John MacMurray, é a imaginação produtiva, e isto significa dizer que todo o conhecimento em Kant é, de algum modo, ficcional.2 Esta estetização incipiente da cognição, no entanto,

deve ser cuidadosamente freada, para evitar que a racionalidade desmorone num excesso romântico; e para Kant, dizer que a estética não envolve conceitos precisos é tanto proteger a racionalidade dessa sua perturbadora paródia quanto dar conta de seu modo peculiar de funcionar. O perigo é identificar o verdadeiro com o que é gratificante para a mente, como, no domínio da ética, é perigoso identificar o bem ao que leva à realização criativa. Este hedonismo é profundamente ofensivo para a austeridade puritana de Kant: a verdade e o bem não são tão facilmente atingidos, mas requerem esforço e disciplina. No entanto, a razão prática, com seu caráter absolutamente autodeterminado e fundado em si mesmo, já se assemelha a uma espécie de fenômeno “estético”, e será sempre possível, a outros, fazer confluir esses dois domínios. A estética é assim um objeto perigosamente ambi- valente para a sociedade burguesa. Por um lado, em seu caráter centrado no sujeito, sua universalidade, seu consenso espontâneo, intimidade, harmonia, e propósito, ela provê bastante bem as necessidades ideológicas desta sociedade; porém ela ameaça, por outro lado, fazer uma escalada sem controle para além desta função

e minar as fundações mesmas da racionalidade e do dever moral. O gosto, que em um nível está claramente separado da verdade e da moral, parece, em outro nível, ser o seu fundamento; deixando maduras as vias para uma desconstrução que permitirá a alguns românticos estetizar a realidade inteira. O pensamento burguês assim se confronta com a escolha pouco invejável entre preservar a sua racionali- dade apenas à custa de marginalizar um rico instrumento ideológico ou cultivá-lo a ponto de ele ameaçar usurpar a própria verdade e a virtude.

Pode-se dizer que Friedrich Schiller, em A educação estética do homem, avança um pouco na direção desta desconstrução, mantendo-se dentro da proble- mática kantiana que ele ao mesmo tempo questiona. Se Kant separou de modo muito severo a Natureza e a razão, Schiller vai definir a estética como exatamente o estágio transicional ou fronteiriço entre o sensual bruto e o sublimemente racional. Na forma do que ele chama de “impulso lúdico”, a condição estética irá reconciliar o impulso sensível — a matéria mutante, informe, apetitiva da sensação e do desejo — com o impulso formal, a força da razão kantiana, ativa, formante e imutável. “O [impulso sensível]”, escreve Schiller,

insiste sobre a realidade absoluta: [o homem] deve transformar tudo o que é simples forma em mundo, e tornar todas as suas potencialidades manifestas. O [impulso formal] insiste na formalidade absoluta; ele deve destruir em si mesmo tudo o que é simplesmente mundo, e trazer harmonia para todas as suas mudanças. Em outras palavras, ele deve externalizar tudo o que está dentro dele, e dar forma a tudo o que lhe é exterior.3

O que produz esta reconciliação da sensação e do espírito, da matéria e da forma, da mudança e da permanência, da finitude e infinitude, é a estética, uma categoria epistemológica que Schiller desta maneira antropologiza inteiramente.

A estética será, no entanto, simplesmente uma passagem, um estágio no caminho em direção aos imperativos não sensíveis da razão prática, que Schiller, como um bom kantiano, endossa completamente. Mas ele não pretende, de forma alguma, estetizar a verdade e a moralidade até anulá-las: elas continuam sendo os objetivos mais elevados da humanidade, mas objetivos que parecem absolutistas e insensíveis em suas demandas à natureza sensual do homem. Pode-se ler o texto de Schiller como uma tentativa de suavizar o superego imperioso da razão kantiana, uma moderação que carrega sua própria necessidade ideológica. Pois se a razão está simplesmente em guerra com a carne, como poderá ela enraizar-se no corpo da experiência vivida? Como poderá a “teoria” se encarnar como “ideolo- gia”? Schiller escreve com o som do Terror da Revolução Francesa em seus ouvidos, o que pode explicar por que acredita que a razão abstrata tem necessidade de alguma compassiva moderação; mas o dilema ideológico que enfrenta é, de fato, mais geral que isso. A Razão só poderá assegurar seu domínio se, em termos gramscianos, ela for consensual em vez de brutamente coercitiva; ela deve obter a hegemonia em conluio com os sentidos que subordina, e não humilhando-os rudemente. A dualidade kantiana entre Natureza e razão produz um curto-circuito no que poderíamos chamar da questão da reconstrução ideológica, deixando-nos com pouca clareza sobre como saltar de uma dimensão à outra. Schiller considera que esta tensão entre as injunções éticas absolutas e os estados sublunares sórdidos da natureza burguesa, deve ser ao mesmo tempo sustentada e relaxada; e a estética

é a categoria que realizará esta difícil operação dupla. Veremos, no entanto, como ele acaba por obscurecer esta transição da Natureza à razão tanto quanto a ilumina. Como um refinamento progressivo da sensação e do desejo, a estética realiza uma espécie de desconstrução: ela rompe o domínio tirânico do impulso sensível não pela imposição de algum policiamento vindo de fora, mas a partir de dentro. “Através da modulação estética da psique, a autonomia da razão encontra-se aberta já dentro do domínio dos sentidos; o domínio das sensações já está rompido dentro de suas próprias fronteiras, e o homem físico é refinado a ponto de que basta ao homem espiritual começar a desenvolver-se a partir do físico, em acordo com as leis da liberdade.” [163] No terreno da estética, a humanidade deve “fazer a guerra contra a Matéria no próprio território da Matéria, para que possa ser poupada de enfrentar este inimigo terrível no solo sagrado da Liberdade”.[169] Em outras palavras, é mais fácil para a razão regular a Natureza sensível se ela já está ocupada em erodi-la e sublimá-la a partir de dentro; e é exatamente isso o que vai obter o interjogo estético do espírito e dos sentidos. A estética realiza, nesse sentido, uma função essencialmente propedêutica, processando e diluindo a matéria crua da vida das sensações para seu eventual controle nas mãos da razão. É como se, na estética, a razão atuasse lado a lado com os sentidos, inscrevendo-os formalmente, a partir de dentro, como uma espécie de quinta-coluna em campo inimigo, e ao mesmo tempo ensaiando para nós os estados mais elevados da verdade e do bem para os quais estamos a caminho. De outra forma, como criaturas imersas dege- neradamente em nossos desejos, tenderíamos a experimentar os decretos da razão como desagradavelmente absolutos e arbitrários e não nos dobraríamos a eles. Schiller reconhece sutilmente que as determinações rigidamente deontológicas de Kant não são o mecanismo ideológico mais eficaz para subjugar o mundo material recalcitrante; o Dever kantiano, como um monarca absolutista paranoide, mostra muito pouca confiança na generosidade instintiva das massas em se conformar a ele. Esse déspota rudemente desconfiado necessita assim de um toque de simpatia populista se pretende assegurar sua hegemonia: “O Dever, a voz severa da Necessidade, deve moderar o tom censurante de seus preceitos — apenas justifi- cado pela resistência que eles encontram — e mostrar maior respeito pela Natureza através de uma confiança mais nobre em sua disposição para obedecê-lo.” [217] O Dever precisa se associar mais intimamente com a inclinação. O caráter moral ainda é deficiente se só consegue se afirmar pelo sacrifício do natural, tanto quanto “uma constituição política ainda será imperfeita se só é capaz de obter unidade ao suprimir a variedade”.[19] A alusão política é adequada, pois não há dúvida de que o “impulso sensível” para Schiller evoca diretamente o individualismo apetitivo. O seu “selvagem” deseducado, “egoísta, embora desprovido de ego; sem lei, e simultaneamente sem liberdade” [171] não é um espécime tribal exótico mas o filisteu alemão comum de classe média, que não vê na esplêndida exuberância da Natureza a não ser sua própria presa, e ou a devora num acesso de desejo ou a afasta horrorizado quando ela ameaça destruí-lo. O impulso sensível é também o proletariado, com seus “instintos toscos e sem lei, destravados com o enfraqueci- mento dos laços da ordem civil, e apressando-se com fúria desgovernada em satisfazer seus desejos animais”.[25]

O que Schiller denomina a “modulação estética da psique” denota, de fato, um projeto de reconstrução ideológica fundamental. A estética é a mediação

necessária entre uma sociedade civil bárbara, entregue ao puro apetite, e o ideal de um estado político bem-ordenado: “se o homem pretende algum dia resolver o problema da política, na prática, ele terá que abordá-lo através do problema da estética, pois só através da Beleza o homem atingirá a Liberdade”. [9] Toda política progressista naufragará tão certamente quanto o jacobinismo, se não fizer um atalho através do psíquico e não enfrentar o problema da transformação do espírito humano. A “estética” de Schiller é, nesse sentido, a “hegemonia” de Gramsci num outro tom, e ambos os conceitos nascem politicamente do colapso de esperanças revolucionárias. A única política que se sustentará será a que se fundar firmemente numa “cultura” reformada e na subjetividade revolucionada.

A estética não tornará a humanidade livre, moral e verdadeira, mas a preparará internamente para receber e responder a esses imperativos racionais: “embora esse estado [estético] não seja por si mesmo decisivo no que respeita às nossas percepções internas ou convicções, deixando tanto nosso valor moral como intelectual ainda inteiramente problemáticos, ele é, no entanto, a precondição necessária para que tenhamos qualquer percepção interna ou convicção. Numa palavra, não há outro meio para tornar racional o homem sensível, senão o de inicialmente torná-lo estético”. [161] Consciente e temeroso de que este passo leve a razão a tornar-se servilmente dependente das representações sensíveis, Schiller desvia-se rapidamente de volta à ortodoxia kantiana: “Não seriam a verdade e o dever capazes de, por si mesmos, e só por si mesmos, ter acesso ao homem sensível? Ao que eu devo responder: eles não só podem como devem positivamente depender apenas de si mesmos no que se refere ao seu poder determinante...” [161] A beleza concede o poder de pensar e decidir, e, nesse sentido, fundamenta a verdade e a moralidade; mas ela não tem nenhum papel nos usos reais desses poderes, que são, consequentemente, autodeterminados. A estética é a matriz do pensamento e da ação, porém não exerce nenhum domínio sobre seus filhos. Longe de usurpar, por excesso de orgulho, o papel da razão, ela simplesmente suaviza o caminho para a sua augusta aparição. Não é, no entanto, uma escada que nós subimos e chutamos para longe, em seguida; pois, embora a estética seja mera precondição da verdade e da virtude, ela, de certa forma prefigura o que será produzido. A verdade não é de modo nenhum o mesmo que a beleza, defende Schiller intrepidamente contra os estetizadores; no entanto, a beleza, em princípio, contém a verdade. Uma trilha estreita pode assim se abrir entre, de um lado, a incapacitadora dualidade das faculdades prescrita por Kant e, de outro lado, alguma espécie de fusão estética entre as duas.

O que significa dizer que a estética é a precondição essencial da moral? Significa, mais ou menos, que nesta condição peculiar, a rigorosa determinação do impulso sensível, e o poder igualmente despótico do impulso formal, jogam incessantemente um com o outro e acabam por anular as pressões mutuamente exercidas, deixando-nos num estado de liberdade negativa ou “livre determina- ção”. “Na medida em que [o impulso lúdico] priva os sentimentos e as paixões de seu poder dinâmico, ele os harmoniza com as ideias da razão; e na medida em que priva as leis da razão de sua compulsão moral, as reconciliará com os interesses dos sentidos.” [99] A estética é uma espécie de dimensão imaginária ou heurística na qual podemos suspender a força de nossos poderes comuns, transferindo imaginativamente qualidades de um impulso para outro numa espécie de livre

experimento da mente. Tendo desconectado momentaneamente esses impulsos dos seus contextos na vida real, podemos aproveitar a fantasia e reconstituí-los, um à custa do outro, reconstruindo o conflito físico com base na sua resolução potencial. Esta condição ainda não é a da liberdade, que consiste, para Kant, na nossa livre conformidade à lei moral; mas é uma espécie de potencial consumado para tal liberdade, a fonte sombriamente indeterminada de toda a nossa autodeter- minação ativa. Na estética, estamos temporariamente emancipados de qualquer determinação, tanto física quanto moral, e passamos ao invés a um estado de total determinabilidade. É um mundo de pura hipótese, um perpétuo “como se...”, onde experimentamos nossos poderes e capacidades como possibilidades puramente formais, esgotadas de toda particularidade; e é, assim, uma condição de certa forma equivalente à capacidade estética de cognição em Kant, que se mantém desimpedida da determinação por um conceito específico.

Tudo isto, no entanto, faz da estética, a força que está na base de nossa humanidade moral, soar como nada mais que uma simples aporia. Duas forças antagônicas tenazmente cancelam uma à outra até à nulidade, e este nada consu- mado seria nossa pré-capacidade para todo valor. Há, no entanto, várias espécies de nulidade: a simples e vazia negação, ou a vacuidade ricamente potencial que, como suspensão de qualquer limitação específica, estabelece o solo fértil para a ação livre. Na condição estética,

[O homem] deve, num certo sentido, voltar àquele estado negativo de ausência completa de determinação, no qual se encontra antes que qualquer coisa deixe impressões em seus sentidos. Mas esta condição era inteiramente isenta de conteúdo; e agora, trata-se de combinar a simples ausência de determinação, e uma determina- bilidade igualmente ilimitada, com o maior conteúdo possível, se algo deve resultar diretamente desta condição. A determinação que ela recebeu através da sensação deve assim ser preservada, pois não deve haver perda de realidade; mas ao mesmo tempo, na medida em que se trata de uma limitação, ela deve ser anulada, pois uma determinabilidade ilimitada precisa surgir. O problema é, portanto, como ao mesmo tempo destruir e manter a determinação da condição — e isto só é possível de uma maneira: através do confronto com outra determinação. Os pratos de uma balança mantêm-se no mesmo nível quando estão vazios, mas também quando contêm pesos iguais.[141]

A estética é uma espécie de impasse criativo, uma suspensão nirvânica de toda determinação e desejo, transbordando com conteúdos inteiramente inespecífi- cos. Como ela nulifica os limites da sensação ao mesmo tempo que sua compulsividade, ela se torna uma espécie de sublime infinito de possibilidades. No estado estético, “o homem é Nada, se pensamos em qualquer resultado particular e não na totalidade dos seus poderes, e considerando a ausência nele de qualquer determinação específica”;[146] mas essa negatividade é um tudo, um ser completamente sem limites que escapa a toda sórdida especificidade. Tomada no seu todo, a condição estética é extremamente positiva; embora seja também simples vazio, uma obscuridade profunda e ofuscante em que todas as determinações são confusas, uma infinitude de nada. As condições sociais miseráveis que Schiller deplora — a fragmentação das faculdades humanas na divisão do trabalho, a especialização e reificação das capacidades, a mecani-

zação e dissociação dos poderes humanos — devem ser redimidas por uma condição que não é nada em particular. Como o inteiramente indeterminado, a estética censura a drástica unilateralidade da sociedade a partir de seu próprio modo de ser de serena ludicidade; mas esta renúncia de toda determinação é também o sonho de absoluta liberdade que se confunde com a ordem burguesa. A determinabilidade ilimitada é a postura alerta de alguém que está pronto para tudo, e é também uma crítica utópica de todo ser real e determinado a partir de uma perspectiva eternamente subjuntiva.

Schiller fala do poder que é restituído à humanidade no modo estético como “o mais alto de todos os prêmios”, [147] e numa frase célebre, observa que o homem só é completamente humano quando brinca. Mas se as coisas são assim, então a estética deve ser o telos da existência humana e não uma transição em direção a um fim. Seria certamente mais livre que a dimensão da moral, exatamente porque dissolve toda constrição ética ao mesmo tempo que as constrições físicas. Por um lado, a estética “só oferece a possibilidade de nos tornarmos seres humanos, e deixa ao nosso livre-arbítrio a tarefa de decidir o quanto desejamos transformar isso em realidade”; [149] e, por outro lado, como um estado de possibilidade sem limites, e uma fusão do sensível ao racional, ela parece superior ao que permite, como um chão elevado acima daquilo que ele sustenta. Essa ambiguidade reflete um verdadeiro dilema ideológico. O problema com a liberdade kantiana é que a lei moral que a idolatra é também o que a ameaça. Esta liberdade é de um tipo especialmente peremptório, emitindo seus decretos imperiosos na indiferença aparente das necessidades e da natureza de seus sujeitos. A verdadeira liberdade deve assim ser a da estética, mas como esta é inocente frente a qualquer direção moral e determinação concreta, é difícil perceber como ela funcionará como imagem adequada da prática social. A estética é o outro em relação a qualquer interesse social específico; ela é sem preconceito em relação a qualquer atividade definida, e, precisamente por isso, é uma capacidade geral de ativação. A cultura é a negação de toda questão ou compromisso concreto em nome da totalidade — uma totalidade que se mostra então como puro vazio, porque não passa da totalização de momentos negados. A estética é, em síntese, mero indiferentismo olímpico: “porque não toma sob sua proteção nenhuma faculdade humana à exclusão das outras, mas favorece a todas e a cada uma sem distinção; não favorecendo a nenhuma em particular pela simples razão de ela ser a fonte de possibilidade de todas”. [151] Incapaz de dizer uma coisa sem dizer tudo, a estética termina por não dizer nada, tão ilimitadamente eloquente ela acaba sem voz. Ao cultivar toda possibilidade até o seu limite, ela ameaça nos deixar presos e imobilizados. Se, depois da fruição estética, “ficamos dispostos a preferir algum modo particular de sentimento ou ação, mas despreparados ou indispostos em relação a outro, isto deve servir de prova infalível de que não tivemos uma experiência puramente estética...”. [153] Como a fonte mesma de nossa virtude moral, a estética é aparentemente inválida a não ser que nos predisponha indife- rentemente ao martírio ou ao assassinato. Ela é o meio pelo qual chegamos a pensar e agir criativamente, o campo transcendental de nossa prática, no entanto, todo pensamento ou ação particulares serão uma fuga de seu espaço. Assim que sofremos uma determinação concreta saímos do domínio deste nada pregnante, soçobrando de uma ausência a outra. A existência humana pareceria uma oscilação

perpétua entre dois tipos de negação; a capacidade estética pura decai através da ação na limitação do ser, somente para reverter a si mesma em seguida. O estético é, em síntese, socialmente inútil, exatamente como pretendem os críticos filisteus: “pois a beleza não produz nenhum resultado particular, nem para o entendimento nem para a vontade. Não realiza nenhum propósito específico, nem intelectual nem moral; não descobre nenhuma verdade, não nos ajuda a realizar nenhum dever,

No documento A Ideologia da Estética (páginas 78-91)