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Nordeste brasileiro: a peleja por incentivos governamentais

3. ESTADO E INCENTIVOS GOVERNAMENTAIS

3.1 Nordeste brasileiro: a peleja por incentivos governamentais

O Brasil abriga a quinta maior população do planeta. É a oitava economia mundial. Sua produção de petróleo só não é maior do que outros oito países. Se vistos isoladamente, esses fatores poderiam sugerir que o Brasil também deveria ter bons indicadores sociais. Mas os dados demonstram que o social não acompanha o econômico. O país ocupa a 72ª posição no

107No entanto, por mais que se concretize ações de estímulo à economia, não se pode identificar como idênticos o crescimento econômico e o desenvolvimento. Neste sentido, Faria (2010, p. 211): “o desenvolvimento não é sinônimo de crescimento, de uma elevação de renda per capta e do Produto Interno Bruto (PIB). Ele é mais exigente, envolvendo uma série infindável de modificações que conduzam a uma radical mudança de estrutura da economia e da própria sociedade do país; ele também não se confunde com a modernização, processo em que há assimilação do progresso técnico das sociedades desenvolvidas, mas limitada ao estilo de vida e aos padrões de consumo de uma minoria privilegiada, não sendo acompanhada de uma transformação social”.

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valor do PIB per capita – sugerindo desigualdade108 –, a esperança de vida ao nascer é de 75

anos (69º lugar), está apenas em 78º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em 104º lugar no ranking de acesso à rede sanitária, ainda ostenta 6,8% da população acima de 15 anos analfabeta, 11,8% da população com idade para trabalhar em situação de desemprego e 33% da população não tem acesso à internet109.

Como se não bastasse a desigualdade do Brasil frente aos demais países – especialmente quando comparando países que ostentam o mesmo nível de riqueza absoluta que o Brasil (oitava economia do mundo) –, ainda há intensas distinções socioeconômica entre as regiões brasileiras. O Sul e o Sudeste possuem os melhores indicadores. O Centro-Oeste congrega grande demanda econômica por causa da sua elevada produção agropecuária. E o Norte e o Nordeste do Brasil apresentam os piores dados, tanto sociais como econômicos. Como o interesse desta parte do trabalho é estudar a concessão de incentivos ao setor aéreo em uma localidade nordestina, atenta-se, em especial, para os indicadores da região nordestina.

O Nordeste concentra o maior número de municípios do Brasil, 1794, o que corresponde a uma representação de 32% do total de 5.570 municípios brasileiros110. Para fins de

complementação dos dados sobre a região em destaque, é oportuno trazer o detalhamento das suas características demográficas fornecido por Arruda e Cunha (2018, p. 143):

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao ano de 2010, indicam que a região Nordeste do Brasil, com área aproximada de 1,5 milhão de Km² , equivalente a 18% do território brasileiro, e uma população de 53.091.850 pessoas, que representa 28% do total do contingente demográfico brasileiro, possui uma taxa de crescimento populacional anual de 1,1% e de urbanização de 65,2%, inferior ao que se verifica no Brasil, que é de 78,4%. A esperança de vida ao nascer é de 65,5 anos, menor do que a média nacional, de 68,4 anos.

O Nordeste111 brasileiro, dessa forma, apresenta disparidades em relação às regiões mais

desenvolvidas do país, como o Sudeste e o Sul. Dados recentes demonstram que a maior taxa

108 “Desigualdade de renda cresce há 17 trimestres consecutivos no país, aponta FGV” Portal de Notícias G1, edição de 16 ago. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/08/16/desigualdade-de- renda-cresce-ha-17-trimestres-consecutivos-no-pais-aponta-fgv.ghtml. Acesso em: 15 nov. 2019.

109 Os dados foram retirados do portal eletrônico do IBGE e são relativos ao ano mais recente em que cada tipo de dado está disponibilizado, visto que há informações bem recentes, de 2018, como outras ainda de 2015. Fonte: IBGE. Disponível em: https://paises.ibge.gov.br/#/. Acesso em 15 nov. 2019.

110 Fonte: IBGE. Disponível em: https://brasilemsintese.ibge.gov.br/territorio/dados-geograficos.html. Acesso em: 17 set. 2019

111Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Estados do Nordeste: Ceará, 0,682; Pernambuco, 0,673; Bahia, 0,660. IDH de Estados do Sudeste e Sul: São Paulo, 0,783; Rio Grande do Sul, 0,746. Média do IDH no Brasil: 0,727. Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2010.

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de pessoas desocupadas, no 3º trimestre de 2019, está na região nordestina: 14,4% das pessoas acima de 14 anos com condições de trabalhar não estão ocupadas, sem participação no mercado de trabalho. Enquanto o Sul apresenta a menor quantidade, 8,1%:

Tabela 3 – Distribuição percentual de pessoas de 14 anos ou mais de idade com condições de trabalhar – 3º trimestre de 2019

REGIÕES Pessoas ocupadas Pessoas desocupadas

Brasil 88,2% 11,8% Norte 88,3% 11,7% Nordeste 85,6% 14,4% Sudeste 88,1% 11,9% Sul 91,9% 8,1% Centro-Oeste 89,9% 10,1%

Fonte: IGBE – PNAD112

Apesar de abrigar 32% dos municípios brasileiros e de ter 27% da população brasileira, o que corresponde a 57 milhões de pessoas de um total de 210 milhões, o Nordeste participa com apenas 14,48% na produção de riquezas nacionais. Dados de 2017, demonstram que o Sudeste e o Sul são as regiões que concentram maior capacidade de produção econômica. O Sudeste responde por 52,87%, enquanto o Sul contribui com 17,04% do PIB brasileiro.

Como uma região que tem 27% da população de um território concentra apenas 14,48% da sua produção econômica? É como se algum quinhão de riqueza de cada pessoa do Nordeste escoasse para outras regiões. Ou seja, a região não tem sido capaz de compatibilizar capital humano e capital econômico, não conseguindo, pelo menos, produzir riquezas proporcionais ao tamanho da sua população. Isso pode indicar que ainda falta muito para a superação das desigualdades regionais no Brasil, haja vista que, por simples operação aritmética, já se chega ao resultado de que o PIB per capita nordestino é inferior ao nacional.

Se uma região produz menos recursos de forma proporcional ao tamanho da sua população, também tem menos fontes arrecadatórias. Se arrecada menos, não tem como disponibilizar serviços públicos de qualidade, pois se presume um déficit na capacidade de financiamento. O dinheiro acaba fugindo do Nordeste e abastecendo outras regiões,

112 Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2421/pnact_2019_3tri.pdf. Acesso em: 21 nov. 2019.

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principalmente Sudeste e Sul, que podem, com mais tranquilidade, dar continuidade a suas políticas públicas que, historicamente, já apresentam indicadores sociais acima da média nacional. Dessa forma, o círculo vicioso da desigualdade pode não ter como ser rompido sem políticas públicas ativas e a participação do estatal propositalmente destacada para superar essa situação de baixo desenvolvimento econômico e social nos Estados do Nordeste.

Se não houver essa preocupação, a tendência é que todas as desigualdades persistam, inclusive o pior tipo de desigualdade: a social. A tabela abaixo demonstra que o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) dos três mais importantes Estados nordestinos em relação ao PIB brasileiro ainda é inferior ao IDHM de outros Estados do Sudeste e Sul.

Tabela 4 – Indicadores de desenvolvimento econômico (PIB - 2017) e social (IDHM) em Estados brasileiros

PIB (R$ milhões) PIB (% Brasil)

PIB per capita (2017) – R$ IDHM (2010) População estimada (2019) CE 147.890 2,25 16.395 0,682 9.132.078 PE 181.551 2,76 19.165 0,673 9.557.071 BA 268.661 4,08 17.509 0,660 14.873.064 MG 576.199 8,75 27.283 0,731 21.168.791 SP 2.119.854 32,20 47.009 0,783 45.919.049 RS 423.151 6,43 37.371 0,746 11.377.239 BR 5.778.953 - 31.702 - 210.147.125

Fonte: IBGE113/IPECE114/Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil115

Se o Brasil pretende melhorar os indicadores sociais em geral – como o IDHM –, deve necessariamente apresentar soluções para otimizar principalmente os indicadores das regiões com piores índices. O Nordeste, pelo tamanho da sua população, merece ter mais destaque proporcional na produção de riquezas do Brasil, que pelo menos passe a ser compatível com suas características demográficas, e, assim, o déficit social possa ter condições financeiras para ser dirimido.

113 IBGE: Panoramas. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/panorama. Acesso em: 21 nov. 2019. 114 IPECE: O Produto Interno Bruto do Ceará na Ótica da Produção e da Renda – 2017. Disponível em: https://www.ipece.ce.gov.br/wp-

content/uploads/sites/45/2019/11/PIB_Ceara_nas_Oticas_Producao_e_Renda_2017.pdf. Acesso em: 21 nov. 2019.

115 Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/ranking/. Acesso em: 21 nov. 2019.

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Aponta-se, é valido mencionar, que o Nordeste parece ter dado motivos para o início da preocupação governamental com a diminuição das desigualdades regionais. Devastada pela seca de 1877 – evento natural e constante no semiárido nordestino, que nunca deixou de ser presenciado por governantes e sentido pelo povo116 – a região mereceu alguns cuidados diretos

do Governo Imperial. O fato é ilustrado por Paulo Bonavides (2006, p. 453):

Em termos econômicos e sociais, o Brasil principiou a tomar conhecimento de que havia no País uma problemática regional durante a devastadora seca de 1877 verificada no Nordeste, quando milhares de sertanejos sucumbira à fome ou foram compelidos a abandonar suas terras. O Imperador, diante do flagelo, tomou providencias de socorro às vítimas, fez na Região as primeiras obras públicas de combate às secas, projetou a construção dos primeiros açudes, mas não evitou que a calamidade fizesse mais baixas na população do Nordeste que toda a Guerra do Paraguai.

Há quem entenda que, pela precariedade das condições da região nordestina, não era apenas a seca que poderia causar impactos negativos. Seu fenômeno oposto, os períodos com grande quantidade de chuva, embora arrefecessem o clima e suspendessem as estiagens, também provocam enchentes que, assim, como a seca, poderiam desalojar moradores, destruir plantações, afogar o gado e disseminar doenças e pragas. Nesse sentido, a pesquisa de Freitas Sousa (2009, p. 93):

O problema da fome que atingia a população era provocado tanto pelas secas, quanto pelas enchentes. Ao passo em que as enchentes e as inundações representavam um problema, pois destruíam plantações, invadiam casas e disseminavam doenças e petes, por outro lado também havia uma perspectiva que transformava o inverno em salvação geral da população. No entanto, quando o inverno era em demasia provocava as enchentes e inundações. Estas também faziam parte da memória do povo do Ceará.

Estudos demonstram que a ação estatal no Nordeste poderia, de algum modo, não diminuir a desigualdade, uma vez que comumente direcionada aos já abastados, tal como exemplificam Arruda e Cunha (2018, p. 147) ao identificarem que os latifundiários aumentavam ainda mais suas posses frente aos mais necessitados:

116 Sobre a história das grandes secas do período colonial e imperial, especialmente no Ceará, conferir a obra “Memória sobre o clima e a seca do Ceará” (Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1877), de Thomaz Pompeu de Souza Brasil, também conhecido como Senador Pompeu em razão do mandato eletivo que ocupava no Senado Imperial. Disponível em: https://colecaomossoroense.org.br/site/wp-content/uploads/2018/07/Nono-Livro-das- Secas.pdf. Acesso em 11 nov. 2019.

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O crescimento demográfico combinado com a estrutura fundiária, marcada pela posse de latifúndios nas mãos de poucos proprietários, foi robustecendo as mazelas provocadas nas grandes estiagens, que a partir do século XIX ganhou visibilidade nacional. O problema da seca, que arrastava contingentes populacionais expressivos para a condição de miséria e fome tornou-se uma “questão social” a ser enfrentado pelo poder público. As ações invariavelmente se davam por intermédio das chamadas “frentes de trabalho”, onde levas de trabalhadores eram alocadas para a realização de serviços de construção de barragens e açudes, normalmente realizados nas grandes propriedades; ou ainda, na prestação de serviços outros, normalmente ligados aos interesses dos grandes proprietários, como estradas vicinais ou obras que facilitassem a estocagem e o escoamento da produção117.

Mas os números demonstram, entretanto, a disparidade entre a economia nordestina e a de outras localidades que têm recebido mais investimentos. Assim, por exemplo, enquanto a produção industrial nordestina cresceu apenas 3,5% entre 1999 e 2016, a região Centro-Oeste teve o dobro da taxa do Nordeste, crescendo 7% sua produção industrial no mesmo período118.

Ao falar em diminuição das desigualdades regionais, é preciso dimensionar seus níveis. Em um contexto global, o Brasil, frente aos demais países, apesar de ser a 8ª economia do mundo, ainda é um país classificado como emergente, muito por causa de seus baixos índices de desenvolvimento social e do elevado nível de concentração de renda e riquezas119.

Não é de hoje, portanto, a necessidade se implementar políticas públicas com o objetivo de tornar os espaços brasileiros menos desiguais. Neste ponto, tem-se que reconhecer que o Nordeste brasileiro carece basicamente de dois recursos: o capital e a iniciativa empresarial, sendo este indicador o mais carente (HOLANDA, 1975, p. 10). O capital e a iniciativa empresarial podem ser estimulados por incentivos originados do Estado.

117 Do século XIX para a atualidade, as relações ficaram menos paternalistas e o direcionamento de investimentos estatais têm levado em conta critérios mais objetivos para a concessão de benefícios. Prova disso, no caso do Ceará, pode ser encontrada na Lei Estadual nº 10.367, cujo escopo versa sobre o tratamento do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI), que tem o objetivo de fomentar, por meio de incentivos fiscais, a política industrial cearense. Dentre os núcleos programáticos que compõem o FDI, destaca-se o Programa de Incentivo ao Desenvolvimento Industrial, o qual condiciona desconto no valor devido do ICMS ao alcance, por parte das empresas interessadas, de metas objetivas, tais como o impacto na geração de empregos, a localização geográfica do empreendimento, a responsabilidade social, cultural e ambiental e programa de pesquisa e desenvolvimento. Disponível em: http://www.adece.ce.gov.br/index.php/incentivo-fdi/incentivos. Acesso em 18 set. 2019

118 “Produção industrial cresce 7% no Centro-Oeste, diz estudo do Ipea”. IPEA. Disponível em:

http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35031&catid=1&Itemid=7. Acesso em: 18 set. 2019.

119 A relação entre concentração de renda e desigualdade no âmbito individual é estudada por Thomas Piketty na obra “O Capital no Século XXI”, em que se discute temas como a desigualdade da renda do trabalho, a

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Para poder entender a importância dos incentivos governamentais, é preciso desenhar a realidade da região incentivada. Deve-se analisar a realidade da região para que, empós, perceba-se que os incentivos não são ameaça ao livre mercado, mas um instrumento de diminuição de desigualdade, o qual, se não proposto pelo Estado, tende a aprofundar as diferenças socioeconômicas entre as regiões do país, em que áreas menos propícias a investimentos ficariam ainda mais prejudicadas, como é o caso do Nordeste brasileiro.

O aeroporto de Fortaleza está sediado na capital do terceiro estado mais populoso da região do Nordeste do Brasil. Assim, incentivos governamentais em atividades que lhe sejam pertinentes podem atrair investimentos privados que podem diminuir o atraso no desenvolvimento regional neste ponto nordestino. O desenvolvimento econômico poderá resultar em maior possibilidade de desenvolvimento social. Não se faz políticas sociais sem recursos financeiros.

3.2 Previsão constitucional, conceito e espécies de incentivos e busca da redução das

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