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Previsão constitucional, conceito e espécies de incentivos e busca da redução das

3. ESTADO E INCENTIVOS GOVERNAMENTAIS

3.2 Previsão constitucional, conceito e espécies de incentivos e busca da redução das

A Constituição Federal (CF) prevê a concessão de incentivos pelo poder público. No entanto, essa previsão ocorre em pelo menos duas situações diferentes que aqui merecem ser abordadas. E essa distinção é perceptível já a partir do modo de organização da CF, quando ela separa os incentivos fiscais (ou tributários) na parte da ordem tributária e os incentivos financeiros são alocados na parte referente à ordem econômica. Esse tópico estuda a fundamentação legal dos incentivos fiscais (3.2.1) e incentivos financeiros (3.2.2) e analisa a forma como a busca da redução das desigualdades regionais está consolidada em nosso ordenamento jurídico (3.2.3).

3.2.1 Incentivos fiscais

Em um primeiro momento, quando a CF trata sobre a ordem tributária, indica a possibilidade de os entes federados instituírem incentivos de acordo com a competência tributária de cada um para a respectiva arrecadação dos tributos em alcance. Há previsões no texto constitucional para a concessão de incentivos por meio da União (art. 151, I), dos Estados

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(art. 155, § 2º, XII, g) e dos Municípios (art. 156, § 3º, III). Estes são considerados incentivos fiscais.

Como é um tipo de atuação estatal prevista para que ocorra de acordo com dispositivos da ordem tributária, é preciso que fique nítida a conceituação de incentivo fiscal como instrumento que transmite “a particulares vantagens passíveis de expressão em pecúnia, com o objetivo de realizar finalidades constitucionalmente previstas, através da intervenção estatal por indução” (ASSUNÇÃO, 2011, p. 107). De outro modo, para fins de esclarecimento, em uma abordagem mais ampla, Machado Segundo (2015, p. 201) diz que:

Por incentivo fiscal usualmente se designa o tratamento diferenciado e favorecido, no âmbito tributário, concedido a determinado contribuinte ou grupo de contribuintes, destinado a estimular ou favorecer que certo comportamento seja adotado, ou determinada atividade seja exercitada. Por outras palavras, é o tratamento tributário mais vantajoso que tem por propósito estimular o contribuinte a adotar condutas e, com isso, atingir ou atender certos objetivos.

Neste momento, antes de se deslocar para conceituação do incentivo financeiro, é fundamental que se diferencie o incentivo fiscal de outros tipos de estímulos fiscais também previstos nos dispositivos tributários constitucionais. Desta feita, não são raras as oportunidades em que os termos “incentivos”, “benefícios”, “isenções” e “alívios” são tomados como sinônimos.

Na verdade, essa diferenciação – caso necessária – apresenta-se como um contratempo epistemológico. Diante da padronização de conceitos necessárias para facilitar o entendimento do sujeito de estudo quanto aos objetos de estudo, alguns autores simplesmente não se incomodam em ter que diferenciá-los de modo definitivo. Machado (2015, p 174), por exemplo, compreende que incentivos fiscais, benefícios fiscais e alívios fiscais são expressões sinônimas. No entanto, pode-se escolher um recorte mais introspectivo da epistemologia dos estímulos fiscais, e considerá-los diferentes a depender da situação. Desse modo, Machado Segundo (2015, p. 202) destrincha: a) incentivo fiscal é tratamento diferenciado a certas condutas de modo determinados objetivos sejam alcançados; b) benefício fiscal diz respeito a todo caso de tratamento favorecido, mesmo que não estimule condutas, como no caso de isenções concedidas a pessoas com deficiência; e c) alívio fiscal é redução de carga tributária sem necessário compromisso com estímulo a condutas ou com benefício a certos grupos.

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É interessante notar que a própria CF dá margem a essa agitação. No art. 155, § 2º, XII, g, ao tratar de especificidades do ICMS, a CF faz uso dos termos “isenção”, “incentivos” e “benefícios” fiscais. Aqui, surge outro termo digno de breve conceituação: “isenção fiscal”. Diversamente de incentivos, benefícios e alívios fiscais, que podem ser denotados como o objetivo a ser atingido por uma atuação do poder público para diminuição de carga tributária, a isenção fiscal é um instrumento pelo qual se pode chegar ao resultado pretendido pelos incentivos, benefícios e alívios (MACHADO SEGUNDO, 2015, p. 203). Assim, pelos ensinamentos do Professor Hugo de Brito Machado Segundo, não se pode confundir isenção fiscal (meio) com incentivo fiscal (fim).

3.2.2 Incentivos financeiros

Cumpre agora versar sobre os incentivos financeiros. Ao tratar das funções do Estado na ordem econômica, como a fiscalização e o planejamento, a CF determina ao Estado que também exerça a tarefa de prestar incentivo às atividades econômicas (art. 174 da CF). Neste ponto, fala-se em incentivo financeiro, que pode ocorrer por meio de subvenções ou empréstimos (MALHERBE, 2009, p. 51). A CF inclusive determina a criação de fundos especiais de incentivo financeiro para certas regiões do Brasil. Vincula a destinação de recursos arrecadados de impostos federais a programas de financiamento a setores produtivos, tal como disposto no art. 159, I, c.120

Os incentivos, portanto, para os fins deste trabalho, são diferenciados de acordo com a escolha do poder público do mecanismo de diminuição de gastos suportados pelos eventuais beneficiários dos incentivos. Caso seja uma situação em que deixe de haver arrecadação ou que cause relaxamento de alguma obrigação tributária acessória, ocorrendo muitas vezes renúncia de receita, por via indireta, trata-se de incentivo fiscal, como analisado no tópico precedente. Por outro lado, caso prefira intervir de modo direto, concedendo capacidade de investimento à

120 Determina que a União entregará 3% do produto da arrecadação do IR e do IPI para “aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer”.

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iniciativa privada, por meio de alocação orçamentária específica e considerada como despesa, trata-se de incentivo financeiro121.

Essa possibilidade de fomentar o desenvolvimento por meio de subvenções econômicas retiradas do erário e direcionadas diretamente a empresas com fins lucrativos teria viabilidade legal e constitucional? Como regra, essa transferência direta é proibida. No entanto, a Lei nº 4.320/1964, que dispõe sobre normas gerais de Direito Financeiro para a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, estipula que a empresa com fins lucrativos pode ser beneficiária desse tipo de transação, desde que as subvenções sejam autorizadas por lei especial (art. 19122).

Constitucionalmente, encontra-se autorização a partir do comando do art. 174 da CF123, que

permite ao Governo Estadual prever, regulamentar e executar a transferência de recursos públicos a entidades privadas com fins lucrativos.

Para melhor compreensão dos incentivos – fiscais e financeiros – que, na prática, têm sido concedidos ao setor aéreo no Ceará, no tópico 3.4, aborda-se como o governo do Estado do Ceará tem implementado incentivos fiscais com o objetivo de favorecer o mercado aéreo. No tópico 3.4 é a vez de estudar a implementação prática dos incentivos financeiros ao setor aéreo pelo Estado do Ceará. Entretanto, antecipadamente, ainda é necessário contextualizar em que medida os incentivos ao setor aéreo podem contribuir para a redução de desigualdades e serem essencialmente úteis, o que é feito imediatamente no subtópico seguinte (3.2.3).

3.2.3 Busca da redução de desigualdades regionais e incentivos ao setor aéreo

Qual seria o papel do Direito e do Estado na busca da solução para problemas regionais? Há previsão constitucional que institua como necessário diminuir as desigualdades de uma região para outra? O poder público pode agir diretamente para garantir essa redução? E de que forma operar? Atuando diretamente ou intervindo por meio de incentivos, fomento e regulação?

121 Quanto à distinção relativa ao caminho orçamentário dos tipos de incentivo, Machado Segundo (2015, p. 204) sintetiza: “enquanto o incentivo fiscal implica redução de receita, o incentivo financeiro enseja maior despesa pública”.

122 Lei nº 4.320/1964, art. 19: “Art. 19. A Lei de Orçamento não consignará ajuda financeira, a qualquer título, a emprêsa de fins lucrativos, salvo quando se tratar de subvenções cuja concessão tenha sido expressamente autorizada em lei especial” (redação original).

123 CF, art. 174: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

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Ademais, em que área o Estado deve operar de forma mais contundente com suas políticas públicas para ter melhores resultados e, assim, as regiões tenham mais igualdade entre si?

O Brasil, por sua dimensão continental, possui regiões diferentes entre si. Por fatores históricos, geográficos, econômicos, políticos ou legais, dentre outros, não se desconhece que certas áreas, no decorrer dos tempos, conseguiram se desenvolver mais do que outras. Ciente dessa disparidade, o constituinte de 1988 procurou não se omitir. Trabalhou para prever instrumentos jurídicos que pudessem ser usados para a diminuição das desigualdades regionais.

Assim, a Constituição Federal, segundo Machado (2011, pp. 129-130), preconiza sua preocupação com a redução das desigualdades regionais nos seguintes dispositivos: a) art. 1º, III: constitui objetivo fundamental a redução das desigualdades regionais; b) art. 151, I: possibilidade de, excepcionalmente, a União estabelecer tributo não uniforme nacionalmente para fins de concessão de incentivos fiscais que busquem a redução das desigualdades regionais; c) art. 159, I, c: destinação específica de parcela do produto de arrecadação do imposto de renda e do imposto sobre produtos industrializados para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; d) art. 161, II: previsão de lei complementar que, regulamentando a entrega de recursos do art. 159, não deixe de levar em consideração a preocupação com o equilíbrio socioeconômico entre Estados e Municípios; e) art. 165, § 7º: as leis orçamentárias devem possuir a função de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional; e f) art. 170, VII: a redução das desigualdades regionais e sociais é prevista como um princípio a garantir a observância da ordem econômica.

Além dos apontados pelo professor Hugo de Brito Machado, há outros dispositivos constitucionais acerca da redução das desigualdades regionais. O art. 43 assinala que “para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”. Também no preâmbulo constitucional, há indicativo de que o Brasil, como um Estado Democrático, está destinado a assegurar o desenvolvimento e a igualdade como um dos valores supremos da sociedade.

Um dos alicerces estruturais para avançar na busca das reduções das desigualdades regionais pode ser o investimento nas atividades aeroportuárias nas áreas mais carentes do país. Com um aeroporto que oferece melhor serviço, as exportações tendem a aumentar e se facilita a vinda de inteligência estrangeira. O turismo e o comércio locais tendem a aumentar seus ganhos. Por consequência, o Estado recolhe mais tributos para permanecer investindo na

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atração de desenvolvimento por meio do aeroporto ou para aplicação em outras áreas que entender cabível.

A importância do setor de transporte aéreo traz tanto vantagens econômicas como vantagens políticas à sociedade. Presume-se que a região que contém um aeroporto instalado em seus arredores se desenvolverá mais do que outras, posto que o transporte de mercadorias e de pessoas é facilitado. Quanto à relevância desse meio de transporte no Brasil, Lovadine e Oliveira (2005, pp. 246-249), destacam suas principais zonas de influência: inserção internacional do país, contas externas, integração e desenvolvimento regional, posição no Mercosul e na América Latina, importância na economia, impactos no crescimento econômico, interação com a indústria aeronáutica nacional, qualificação de mão-de-obra e geração de investimento.

O transporte aéreo representa 1,9% do PIB brasileiro, contribuindo com a injeção de 124 bilhões de reais na economia124. Por isso, é importante estudar como as políticas públicas têm trabalho a questão do aeroporto no Brasil para fins de redução das desigualdades regionais. Para tal fim, neste trabalho, é estudada uma política pública em especial: a dos incentivos governamentais, tanto fiscais, como financeiros ao setor aéreo no Estado do Ceará, que serão concretamente detalhados a seguir

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