• Nenhum resultado encontrado

PARTE I – O PROBLEMA E OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

CAPÍTULO 3. DECISÃO LOCACIONAL E RECURSOS DO TERRITÓRIO

3.3. TERRITÓRIO E SUAS DETERMINAÇÕES ÀS ATIVIDADES ECONÔMICAS:

3.3.3. As Normas como Instituições

Uma norma universal, ou considerada como tal, quer se trate do casamento ou da educação, quer da medicina, trabalho assalariado, do lucro, do crédito, chama-se instituição. (Lourau, 1996, pg 9)

Esse pode ser tomado como um conceito simples, mas bastante coerente com a idéia geral de uma subárea do conhecimento que transita entre os campos da sociologia, da psicologia e da economia. Encontramos definição também esclarecedora em Douglas North: (...) instituições são regularidades nas interações

repetitivas entre indivíduos (...) (North, 1990, p. 1).

As origens do pensamento institucional são distantes. Lourau (1996) indica a antiguidade grega como o ponto de partida mínimo das reflexões sobre o papel das instituições na organização social. Já naquele momento histórico era levado em consideração o caráter não formal do qual podem se revestir as instituições, bem como seu processo de evolução e consolidação, como se retira da citação de Sófocles em Antígona, exposta por Lourau: (...) Estas “leis divinas são leis não

escritas, mas infalíveis. Não é de hoje nem de ontem, mas desde sempre que estão em vigor, e ninguém as viu nascer.” (LOURAU, op cit. pg 23).

A instituição não deve ser encarada somente como a regra que proíbe, que impõe limites à ação, mas também em sua natureza propositiva, como um chamado emanado de um subconsciente ou uma cultura coletivamente construídos que diz:

trabalhe, prospere, case, coopere, preserve a natureza, entre outras mensagens

possíveis. A todo o momento, o comportamento dos indivíduos e por, conseguinte, as práticas sociais mais gerais, bem como a conduta das empresas (a rigor geridas por grupos de indivíduos) são influenciadas por estímulos, por sugestões do que devemos fazer, ou do que se espera ser feito. Para esses agentes, as instituições

oferecem essa proposição e também um ambiente de expectativa dos resultados. Nas palavras de North:

As instituições não são pessoas, são costumes e regras que provêm um conjunto de incentivos e desincentivos para indivíduos. Implicam um mecanismo para fazer cumprir os contratos, seja pessoal, através de códigos de comportamento, seja através de terceiros que controlam e monitoram. (North, 1990, p. 1)

Essas proibições e proposições serão tão diversas quanto as formações sociais no seio das quais surgem e para as quais contribuem para a modelagem. Nos trabalhos de Abramovay (1998) e Thompson (1998), vemos exemplos do papel das instituições na vida econômica e social. Abramovay, ao discutir os limites da racionalidade econômica camponesa em diferentes realidades, cita o seguinte trecho que se refere à Índia:

O mercado de trabalho (mesmo tornando-se menos imperfeito na medida em que o contato urbano e a pressão populacional enfraquecem as determinações hereditárias das atividades) é ainda dominado por casta. Em algumas partes da Índia, um brâmane não pode arar. (Lipton, 1968, p. 336, apud Abramovay, 1998, p. 88)

Já Thompson apresenta os resultados de sua pesquisa sobre os costumes e tradições, no contexto da Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, tanto em sua dimensão rural:

O costume agrário nunca foi fato. Era ambiência. Talvez seja mais bem compreendido com a ajuda do conceito de habitus de Bordieu, um ambiente vivido que inclui práticas, expectativas herdadas, regras que não só impunham limites aos usos como revelavam possibilidades, normas e sanções tanto da lei como das pressões da vizinhança. (Thompson, 1998, p. 90)

Quanto na transição para o mundo urbano-industrial, com a necessária incorporação de suas instituições. A escola aparece como um espaço privilegiado para a formação dos indivíduos a esses hábitos de um cotidiano capitalista:

Em 1772, Powell também via a educação como um treinamento para adquirir o “hábito do trabalho”; quando a criança atingia os seis ou sete anos, devia estar “habituada, para não dizer familiarizada, com o trabalho e a fadiga”. Escrevendo de Newcastle em 1786, o reverendo Willian Turner recomendava as escolas de Raikes como “um espetáculo de ordem e regularidade”, e citava um fabricante de cânhamo e linho de Gloucester que teria afirmado que as escolas haviam produzido uma mudança extraordinária: “eles se tornavam [...] mais tratáveis e obedientes, menos briguentos e vingativos.” Exortações à pontualidade e à regularidade estão inscritas nos regulamentos de todas as pré-escolas (...) (Thompson, 1998, p. 293)

Com efeito, o papel das normas sociais, das instituições é bastante amplo, apresentando-se em todas as dimensões da ação humana. North (1993) diz que, quando saudamos um amigo, manobramos um automóvel, compramos laranjas, ou enterramos nossos mortos, saberemos, ou poderemos descobrir com facilidade, como fazê-lo. Nas palavras do autor: “as instituições definem e limitam o conjunto de

escolhas dos indivíduos (NORTH, 1993, p. 14)21

É possível perceber que o institucionalismo apresenta uma forte tendência ao individualismo, o que se distancia das abordagens da economia política, tão caras à Geografia. No entanto, o aparente individualismo pode ser relativizado. Surpreendentemente, encontramos num geógrafo um argumento para contornar tal suspeita.

Entre o indivíduo e a sociedade, tomada em seu conjunto, estabelecem-se relações. A sociedade não age em bloco, mas manifesta sua coesão através da ação de cada um de seus membros. O indivíduo fica assim, submetido à observação, à vigilância e à apreciação daqueles que o cercam. Disso resulta uma coação coletiva, anônima, mas infinitamente mais envolvente e mais forte que a imposta pelo déspota mais absoluto. A força do grupo vem de sua capacidade de tudo ver. É raro que se possa agir sem ser observado pelos outros (...) (Claval, 1968, p. 40)

A citação do autor não é aleatória. A obra “Espaço e Poder” de Claval está carregada de referências do pensamento institucional, como veremos adiante.

21

Outra questão reside na relação entre o institucionalismo e o marxismo. Embora a geografia contemporânea se caracterize pelo ecletismo teórico (Martin, 1996), há ainda muito da influência desse corpo teórico na produção geográfica, especialmente no pensamento de Milton Santos, autor com categorias de análise importantes para o presente trabalho. Dessa maneira, importa discutir os limites e possibilidades de tal articulação.

Considerado um dos precursores da economia institucional, Thornstein Veblen (1857 – 1929) era assumidamente anti-marxista, pois não acreditava na idéia de interesses de classe, tomando-os como mais uma faceta do hedonismo, um dos fundamentos de sua teoria. Seu método baseava-se na tríade indivíduos –

instituições – tecnologia (SECKLER, 1977).

Por parte do marxismo, há também um afastamento do pensamento institucional. Lourau (1996) afirma que o marxismo assimila instituições e ideologias, mas as incorpora ao plano das superestruturas. O materialismo, ao enfatizar as infraestruturas, vê nas superestruturas um “reflexo”, atribuindo à essas, apesar do jogo dialético com as infra-estruturas, um caráter secundário e determinado (Lourau, 1996, pg 70).

Apesar deste distanciamento, entendemos que vários pontos de contato são possíveis. O próprio pensamento de Veblen se aproxima do marxismo, ao considerar a base tecnológica e econômica como o substrato para as instituições (SECKLER, 1977). O marxismo também apresenta momentos de maior valorização da dimensão institucional, como vemos na passagem a seguir:

Há contudo uma parte jurídica nesse estudo [O capital]. É mesmo uma das raras ocasiões, no capital, onde Marx trata isoladamente do nível “institucional”. Mostra, pela história da legislação sobre as fábricas, como as transformações econômicas e tecnológicas produzem transformações do direito. A cooperação, o maquinismo, a intensificação do trabalho leva os poderes públicos a tapar, do melhor modo possível, as brechas abertas no direito estabelecido. (LOURAU, 1996, p. 77).

Na década de 1980, o economista Nathan Rosemberg, autor reconhecidamente marxista, enfatiza a importância das instituições em seu estudo

sobre o desenvolvimento e a difusão de novas tecnologias no desenvolvimento produtivo (ROSEMBERG, 2006). Esse autor apresenta a janela aberta por Marx sobre as razões para a emergência e avanço do capitalismo na Europa, introduzindo posteriormente o pensamento weberiano e os debates subsequentes, nos quais aparece o papel da religião, especialmente do cristianismo, na formação de uma conduta manipuladora do meio natural em prol do progresso humano. Na sequência, mostra como a mudança nas instituições européias favoreceu o desenvolvimento capitalista:

Em primeiro lugar, a Europa vivenciou um quadro de desenvolvimento político, institucional e legal que proporcionou uma base especialmente eficaz para o funcionamento de empreendimentos econômicos privados. Foram impostas limitações sistemáticas às exações arbitrárias do Estado. As instituições legais propiciaram proteção e segurança crescentes à propriedade. A superioridade social e o exercício da força foram substituídos por arranjos contratuais cujo cumprimento era assegurado pela justiça. As incertezas decorrentes do exercício irrestrito do poder político foram progressivamente reduzidas. (ROSEMBERG, 2006, P. 30) Em seguida, apresenta a discussão aberta por Douglas North, sobre o papel institucional no desempenho econômico.

Recentemente os historiadores econômicos começaram a dedicar maior atenção a fatores institucionais como uma influencia sobre o ritmo da difusão. Essa literatura enfatiza o papel de fatores como a diminuição dos custos de transação na melhoria do ambiente para a inovação. Esse ponto foi realçado por Davis e North (1971) (...) (ROSEMBERG, 2006, P. 43) Pelo exposto, entendemos possível uma articulação entre a matriz materialista histórica, tão influente na construção do pensamento geográfico, e o novo aporte proporcionado pelo institucionalismo, mais especificamente a economia institucional.

Resta agora apresentar os elementos formadores de nossa abordagem no seio desse enfoque.