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PARTE I – O PROBLEMA E OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

CAPÍTULO 3. DECISÃO LOCACIONAL E RECURSOS DO TERRITÓRIO

3.4 INSTITUCIONALISMO E ESPAÇO GEOGRÁFICO

3.4.1 O institucionalismo de Paul Claval em Espaço e Poder

Em sua análise do poder, Claval (1968) constrói parte de seu argumento em torno das idéias de comunicação, de organização da vida social em seu processo de complexificação e nas formas resultantes de poder. Em seu esforço para apresentar a dimensão espacial do poder, o autor aproxima-se da abordagem institucional, vejamos:

A vida social se inscreve no espaço e no tempo. É feita de ação sobre o meio ambiente e de interação entre os homens. Coloca em relação seres que, para subsistir, devem recolher do ambiente os víveres, a energia e as matérias-primas que lhes são indispensáveis. A cultura, que estabelece a originalidade de cada grupo, só pode manter e desenvolver pelas comunicações que reduzem a viscosidade e opacidade naturais do espaço”. (pg 11)

Se seguirmos a concepção de poder proposta pelo autor, encontraremos mais elementos de sua proximidade com o institucionalismo. O poder, entre as acepções apresentadas por Claval, seria a capacidade da ação, ou a de promover a ação do outro, logo o poder define o campo de ações. Neste sentido, o poder em Claval pode ser encarado como uma dimensão institucional, já que a função das instituições é justamente definir um espectro relativamente limitado de opções para a ação humana, um leque de possibilidades previsíveis e capazes de gerar um ambiente de entendimento entre os atores. Podemos observar esta aproximação em várias passagens do texto de Claval, como abaixo:

Para aproveitar plenamente o meio, a ação deve ser ajustada e organizada. No domínio da vida de relação ocorre o mesmo: enquanto não há certeza dos termos de uma troca, enquanto não existem convenções para dar valor constante aos bens,

aos signos e aos seres que passam de um ao outro, as questões são exaustivamente solucionadas uma a uma; cada transação pode fazer avançar ou recuar na escala de prestígio de consideração e de influência. A preocupação igualitária lhe dá, portanto, um valor político: não se deve permitir que os outros ganhem mais do que nós mesmos ganhamos. (Claval, 1968, p. 14)

A citação acima traz ainda elementos que se aproximam da abordagem dos custos de transação propostos pela Nova Economia Institucional (NEI). O autor continua:

A aceitação de regras comuns facilita a vida social. Liberta o indivíduo da obsessão da má fé: ele sabe que será tratado com justiça enquanto as convenções forem respeitadas de parte a parte. Isso permite a ampliação da esfera da vida de relação. (pg 14).

Outro aspecto importante em uma abordagem geográfica às instituições diz respeito às relações de poder envolvidas no acesso e compartilhamento do território. Como vimos, trata-se de uma abordagem mais ligada aos primórdios do institucionalismo, mas encontramos reflexões a este respeito em Claval:

O poder, como fenômeno central da organização social, está ligado à dimensão das sociedades: a competição pelos bens e pelo prestígio existe em todas as civilizações, mas nas células pequenas traduz-se mais por uma consciência política aguda do que por uma estruturação geral. Nas sociedades amplas e numerosas, a situação é outra: o equilíbrio só é possível pela criação de instituições que autorizam a troca ampliada, limitam as tensões que delas resultam, mas levam em si a tentação do poder e necessitam a definição de arquiteturas complexas.” (pg 15).

O aspecto do uso comum e da necessidade de preservação dos recursos como motivador para emergência de instituições também é contemplado pelo autor:

Acontece que o mesmo pedaço de terra pode servir a várias utilizações sem inconvenientes: os pastos dos criadores

nômades serviam para a pastagem dos rebanhos e para a circulação das caravanas (...)

Enquanto a densidade populacional é fraca e a terra abundante, são poucas as regras que devem ser estabelecidas para melhor aproveitamento do meio (...) (Claval, 1968, p. 15- 16)

Na sequência o autor ressalta uma série de exemplos de como o uso irrestrito do espaço pelos indivíduos produz efeitos negativos para coletividade, o que leva à necessidade de formas de regulação do uso individual, impostas pela coletividade. Quando os recursos se tornam raros, impõe-se uma organização mais rigorosa. Os economistas ressaltam o paradoxo dos bens comuns, diz o autor (Claval, 1968).

A situação primitiva pode ser transposta para a atualidade. A modernidade balizou seu contrato com a natureza a partir da idéia de que esta estaria a serviço do homem, que a vastidão do planeta precisava ser plenamente conhecida para o melhor aproveitamento de suas possibilidades, o que se reflete no grande avanço das ciências, inclusive a Geografia. O capitalismo e os Estados se apropriam da ciência, como base para o desenvolvimento da indústria e da exploração dos recursos.

Já em pleno século XX, os efeitos da ação humana sobre o meio começam a ser sentidos. A tecnologia que outrora deu suporte à exploração dos recursos e à arte da guerra, também fornecia a noção da fragilidade dos sistemas naturais e do caráter finito do planeta.

De princípio, a idéia da necessidade de estabelecer novas formas de relação homem x meio estará restrita a pequenos grupos, uma instituição embrionária e ainda marginalizada. Hippies e alguns intelectuais serão seus baluartes. Os debates científicos e políticos que se seguiriam ao longo dos anos 1970 e 1980, bem como o acúmulo de informação sobre as consequências ambientais do projeto modernizante tornarão o tema da preservação ambiental uma agenda do debate político. Isso não significa que legislações ambientais não tenham existido anteriormente, mas sua virtualidade foi sempre superior à concretude seus efeitos.

Na segunda metade do século XX, especialmente a patir dos anos 1960 a preservação ambiental, depois de longo processo de maturação, eleva-se à categoria de instituição. Seu caráter é híbrido. Ela existe no campo da informalidade, ou seja, como cosmovisão de indivíduos e grupos, o que lhe confere diferentes matizes, ora mais vanguardistas, ora mais conservadoras. Como instituição formal, tornada pétrea pelas legislações estatais, os parâmetros que regularão a relação homem x meio serão resultado de consensos politicamente consertados. Isso significa que atender a legislação ambiental oficial, ou seja, a instituição formal, nem sempre será suficiente para atender os anseios de todos os grupos, com seus diferentes matizes da instituição ambiental.

Neste sentido, os agentes, inclusas as empresas, precisarão lidar com essa natureza híbrida da dimensão ambiental. Orientarão suas ações seguindo as proposições e proibições da instituição formal, e ao mesmo tempo buscarão, num ambiente de concorrência intercapitalista, construir uma imagem que se projete no universo de expectativas da instituição ambiental em sua natureza informal, desta feita seguindo um ímpeto de emulação, de reconhecimento que lhes atribua um posto diferenciado frente seus pares.

De emergência recente, porém não menos importante é a dimensão da relação entre as atividades produtivas e seus impactos nas sociedades do entorno. A expansão das atividades produtivas mundo afora, num contexto de um capitalismo em constante ajuste espacial, estabelecendo uma divisão internacional do trabalho, tornou relativa a idéia da presença das indústrias como sinônimo de desenvolvimento. Surge um profundo debate a respeito dessa concepção, e a respeito de que a industrialização e o crescimento econômico não podem ocorrer à custa da degradação de culturas tradicionais, da vulnerabilidade e prejuízo das populações que se organizaram e vivem em áreas pretendidas por outras atividades produtivas, como as grandes indústrias. O respeito às culturas locais e tradicionais, e a garantia de suas condições de vida tornou-se uma instituição igualmente forte, tanto na dimensão informal quanto em sua manifestação como norma estatal e de organismos internacionais.

Tais instituições significam o surgimento de uma ordem ambiental internacional, especialmente a partir da conferência de Estocolmo em 1972

(RIBEIRO, 2008), refletindo-se também nas escalas nacional, regional e local através de áreas de preservação, limites para emissões atmosféricas e líquidas, enfim, legislações ambientais e sociais que oferecem limites à ação dos agentes econômicos, outrora operantes em níveis de liberdade mais elevados. As novas regras do jogo, ou as instituições de caráter sócio-ambiental passarão paulatinamente a fazer parte do jogo político e econômico, tanto entre nações quanto na dimensão das estratégias empresariais. Certamente, haverá diferenças espaciais na maneira como essas instituições serão formalizadas, abrindo espaço para lógicas seletivas. Tomemos como exemplo o caso da norma ISO 14000 discutida pelo geógrafo Wagner da Costa Ribeiro:

A série ISO 14000 gerou novas especulações. Uma delas diz respeito à possibilidade de se criar mecanismos protecionistas, com os países exigindo certificação para a entrada de produtos importados.

Outra especulação decorre de uma brecha na legislação que criou a série. Decidiu-se que a certificação vai se valer de normas ambientais no país. Assim, um país que impõe um menor controle ambiental poderia certificar um produto que, num outro país, seria desclassificado. Para a empresa, a principal vantagem seria o selo impresso na embalagem, pouco importando se ele foi conseguido a partir de leis mais ou menos exigentes. (RIBEIRO, 2008, p. 135)

Neste sentido, em um trabalho mais contemporâneo, Caballero-Miguez (2009), discute a relação entre a economia institucional e geografia humana, analisando os referenciais propostos por Douglas North.

Este enfoque institucionalista permite conceitualizar as instituições como elemento definidor do espaço para atores políticos e sociais e desenvolver bases teóricas que permitem compreender a identidade político-social e a construção institucional do espaço através de noções-chave sobre a vinculação entre o indivíduo e as instituições de seu entorno. (Caballero Miguez, 2009, p .2)

O referido autor contribui para a temática, ao organizar os seguintes tópicos de um aporte do institucionalismo à ciência regional, destacando as seguintes características (CABALLERO-MIGUEZ, 2009).

2) As instituições importam: “as instituições afetam o nível dos custos de transação, e, em consequência, determinam o nível de valor agregado e de desenvolvimento de cada região” (CABALLERO-MIGUEZ, 2009, p. 14);

3) As instituições são resultado de escolhas conscientes ou processos evolutivos;

4) Variedade institucional no tempo e no espaço: “Neste sentido, sociedades caracterizadas por histórias institucionais, capitais sociais ou modelos estatais distintos tem comportamentos e natureza distintas, de forma que as conclusões da análise econômica positiva obtidas por uma economia não são exportáveis à outras: “há diferentes respostas pra cada país e cada situação histórica “ (Coase, 1995, p. 5). Ao longo do tempo e do espaço têm existido diferentes instituições, economias e sociedades e um enfoque institucional não pode ignorar que uma realidade institucionalmente diferente requer uma teoria distinta” (CABALLERO-MIGUEZ, 2009, p. 15);

5) Diversos marcos institucionais implicam diferentes regiões: “quando, desde um enfoque institucional, falamos pensando em um conjunto de instituições que, incluindo fatores como as regras políticas, as normas, os códigos de conduta ou a estrutura de incentivos configuram uma matriz institucional específica. (op. cit. p 16)

O autor reconhece que tal enfoque é incipiente na geografia humana, o que demanda esforços teóricos e práticos, e em nossa visão, a consciência da possibilidade de limites e lacunas, um risco a ser assumido. Concordamos com o mesmo, que o avanço dos estudos da NEI em direção ao papel das instituições pode construir nexos e diálogo entre essa e a produção que continua a tradição de análises do “velho institucionalismo”.