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PARTE I – O PROBLEMA E OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

CAPÍTULO 3. DECISÃO LOCACIONAL E RECURSOS DO TERRITÓRIO

3.3. TERRITÓRIO E SUAS DETERMINAÇÕES ÀS ATIVIDADES ECONÔMICAS:

3.3.2 Território Como Norma (O Espaço Normatizado)

Apesar dos diversos pontos divergentes ente as abordagens acima expostas, pode-se observar um ponto de convergência entre ambas. A idéia de que a existência de um território pressupõe um conjunto de regras. A relação entre regras sociais e políticas e a produção do espaço geográfico trata-se de uma perspectiva com alguma tradição no pensamento geográfico e que se projeta nas abordagens mais contemporâneas.

Em “A Natureza do Espaço”, Milton Santos articula dois planos de acontecimentos, duas realidades que se encontram. O plano global e o plano local. No plano global as ações, mesmo aquelas não operadas territorialmente (o que nos remete ao geoeconomic space de Perroux), constituem normas de uso daquilo que está materializado no espaço, o sistema localizado de objetos, para usar a acepção do autor. Por seu turno, no plano local (aqui Perroux diria banal space), o território constituiria uma norma para o exercício das ações. Segundo o autor, neste encontro entre a ordem global e a ordem local, há possibilidade tanto de associação, quanto de confronto (SANTOS, 2002 [1996], p. 332).

Esse conflito pelo acesso e uso do território trata-se de uma situação a ser regulada. Para Milton Santos, constitui tarefa do poder nacional e dos poderes locais o papel da regulação. A análise do poder de regulação das ações por parte do território prossegue por parte do autor. Segundo o mesmo, há uma diferença na capacidade regulatória na escala do mundo frente à escala nacional20, ou nas palavras do autor: “enquanto no “mundo” só o que conta é o global, nos territórios nacionais, tudo conta(...) (SANTOS, 2002 [1996], P. 335).

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“A luta pelo uso do espaço coloca em posição ativa as empresas gigantes e reserva às demais uma posição passiva, subordinada. Essa é uma situação de conflito, a ser mantida, atenuada, suprimida, segundo as circunstâncias, mas em todo caso, regulada. O “mundo” não dispõe dos respectivos instrumentos de regulação, o que constitui tarefa do poder nacional e dos poderes locais, nos seus diversos níveis.” (SANTOS, 2002, p. 335). Grifo nosso.

Podemos ler este “tudo conta”, como o conjunto de determinações impostas pelo território, seja em sua dimensão física, seja pelo atrito proveniente da coexistência e contigüidade. Segundo o autor, da convivência necessária, advém o conflito inevitável, cujo tamanho é dado pelo nível de desigualdade de uma sociedade.

Emergem os contextos sociais e históricos específicos como elementos da identidade dos padrões de normas sociais e políticas às quais se submetem os atores que partilham, ou pretendem o acesso a um território:

Mais do que a formação socioeconômica, é a formação socioespacial que exerce este papel de mediação: esse não cabe ao território em si, mas ao território e seu uso, num momento dado, o que supõe de um lado uma existência material de formas geográficas, naturais ou transformadas pelo homem, formas atualmente usadas e, de outro lado, a existência de normas de uso, jurídicas ou meramente costumeiras, formais ou simplesmente informais. A utilização dos lugares pelas empresas, sobretudo as firmas gigantes, depende destes dois dados e não apenas de um deles. Formas e normas, pois trabalhando como um conjunto indissociável. (SANTOS, 2002, p. 336)

Pelo que vemos, Milton Santos apresenta a idéia de que o território, em suas dimensões tanto material quanto das formas sociais, jurídicas e políticas (SANTOS, 2001), exerce uma capacidade de normatizar, criar limites às ações dos atores econômicos. Essa aproximação do autor da idéia de território como norma torna-se mais explícita na passagem a seguir: E ainda que não se formulem outras normas

escritas ou consuetudinárias de seu uso, o território nacional, ou local, é, em si mesmo, uma norma, função de sua estrutura e de seu funcionamento. (2002, pg.

337).

Podemos exemplificar essa idéia com a seguinte imagem: uma região agrícola, densamente ocupada e dividida em inúmeros lotes de pequenos agricultores oferece grandes limites ao estabelecimento de uma atividade que necessite de vastas extensões de terra sob propriedade de um único agente. Seria preciso coordenar um extenso programa de aquisição de terras e contar com a disposição de grande número de agricultores em vendê-las para atingir tal objetivo.

Ao mesmo tempo, uma zona industrial de longa tradição oferece grandes entraves à redefinição de seu uso, especialmente se tal redefinição envolver profundas transformações paisagísticas, razão pela que esses brownfields geralmente são reaproveitados para atividades que, à semelhança do uso original, necessitem de grandes edifícios, como shoping centers e centros culturais. Em suma, o espaço construído está carregado de inércia em seu uso.

Por outra perspectiva, temos o trabalho de Antas Jr. (2005), que parte do entendimento do espaço geográfico como fonte material e não-formal do direito. Na perspectiva do papel de regulação do uso do território, o autor aponta:

Ora, a perspectiva do geógrafo deves ser a mais abrangente, possível para que possa explicitar, como deve fazê-lo, os fatos novos que ganham status de realidade no lugar. Conceber o Estado como detentor de toda regulação social, econômica e política produz análises lógicas, mas não proficientes. O território no Ocidente é regulado pelo Estado, pelas corporações e pelas instituições civis não estatais, sobretudo aquelas de alcance planetário (Antas Jr., 2005, p. 19).

Embora o conceito de instituição apresentado por Antas Jr. nesse trecho se aproxime mais da idéia de organização, de entidade (como exemplo as ONG’s), é possível retirar da leitura do mesmo, um nível mais profundo da regulação social que se projeta no espaço. Vejamos:

Uma coisa é a hegemonia de um determinado capitalismo controlado por um conjunto de nações cuja estrutura é formada por uma concepção de norma e de arranjo normativa; outra são as regulações sociais que configuram uma espessura da solidariedade orgânica cujos preceitos morais, provenientes de outra secularidade conferem objetivos muito distintos ao trabalho, às técnicas e às normas (Antas Jr., op. cit. p. 20). Entendemos a proposta de Antas Jr. Como uma tentativa de detalhamento da dimensão normativa do território cuja análise tem início em Milton Santos, porém, através do enfoque das formas do Direito.

Distante de uma análise exaustiva, percebemos nos dois autores apresentados uma janela de análise que se projeta ao universo das repercussões para a geografia das normas e dos padrões de conduta socialmente construídos, ou ainda aqueles politicamente concertados. Mas como podemos avançar na análise de

tais normas? Como podemos interpretar seu papel nas dinâmicas espaciais das atividades produtivas, como a que ora investigamos? Que instrumentos utilizar para tratá-las em pormenor?

Para responder essas perguntas, buscamos uma aproximação com um campo do conhecimento que busca entender o papel das normas e padrões de conduta nas interações sociais e econômicas, a análise institucional.