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PARTE I – O PROBLEMA E OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

CAPÍTULO 3. DECISÃO LOCACIONAL E RECURSOS DO TERRITÓRIO

3.3. TERRITÓRIO E SUAS DETERMINAÇÕES ÀS ATIVIDADES ECONÔMICAS:

3.3.4 Velho e Novo Institucionalismo: pressupostos e conceitos-chave

No ramo da economia, a abordagem institucional é devida a Thornstein Veblen, que publicou seus trabalhos entre o final do século XIX e o início do XX. Veblen constrói sua teoria institucional calcada no conceito de “emulação”, um instinto, uma necessidade humana de reconhecimento, de ocupar um lugar digno de honra dentro de um grupo, tão forte segundo o autor, quanto as demais necessidades biológicas.

Para os velhos institucionalistas, entre eles Veblen, as instituições são “hábitos predominantes de pensamento acerca das relações e funções particulares do indivíduo e a sociedade” (Veblen, 1899, 132). Por isto, a relação existente entre a política e a economia. (ROA, 2003, p. 9)

Veblen traça uma linha condutora no tempo entre o líder bárbaro, e o homem moderno. O traço comum é a busca pelo reconhecimento. Se no bárbaro tal reconhecimento se dava por sua bravura, feitos e liderança, no homem moderno, especialmente das classes abastadas, a emulação opera através do ócio. O ócio como elemento de honra derivaria das origens bárbaras da instituição. Nas palavras do autor, proeza (a atividades espetaculares, de interação do homem com as coisas animadas) como qualidade do guerreiro e do líder, situava-se num pólo extremo frente à indústria (atividade rotineira, de transformação das coisas inanimadas), papel social distante de um status honorífico. Não necessitar trabalhar para sobreviver representa, em tese, a possibilidade de usar o tempo para os feitos capazes de resultar em reconhecimento pelos outros, sugere Veblen. Dessa visão geral, deriva sua “Teoria da Classe Ociosa” (Veblen, 1983).

Mais importante que a questão do ócio como instituição, é a instituição

reconhecimento, a busca dele, ou a construção de uma imagem como motora das

ações e decisões humanas. Extrapolando essa abordagem para o âmbito das empresas, vemos que, para além do cumprimento de certas obrigações legais, as empresas buscam construir e preservar certos traços de uma imagem desejável frente à consumidores, concorrentes e Estado. As empresas buscam transmitir a idéia de que se posicionam na vanguarda do estrito cumprimento da regulação do Estado. Desta forma buscam se aproximar de características desejáveis por parte de seus stakeholders e se afastar de fatos que possam prejudicar a imagem construída.

A abordagem institucional foi relegada ao esquecimento, sendo resgatada somente no final do século XX pelos economistas Ronald Coase e Douglas North. Ambos receberam o premio Nobel em Economia por suas contribuições desde esta perspectiva. A Nova Economia Institucional (NEI), em princípio, prega um total rompimento com os preceitos do velho institucionalismo, preservando somente a consideração das instituições como fato econômico. O traço de continuidade é identificado por Hodgson:

Com efeito, uma definição chave entre o “velho” e o “novo” institucionalismo é que no primeiro o conceito de hábito é fundamental. Os “velhos” institucionalistas consideravam decisivo o hábito para a formação e sustentação das instituições. Os hábitos formam parte das habilidades cognitivas. As estruturas cognitivas aprendem e imitam dentro das estruturas institucionais. O indivíduo depende da aquisição de tais hábitos cognitivos, previamente à possibilidade de raciocinar, comunicar, escolher ou atuar. (Hodgson, 1998 p. 22).

Segundo Caballero-Miguez (2009), as diferenças básicas entre o velho e o novo institucionalismo residem nos seguintes pontos:

a) Velho Institucionalismo

• Método de análise sistêmico – holista;

• Objeto: consequências distributivas das estruturas institucionais; • Conflitos institucionais;

• Relevância do poder.

b) Novo Institucionalismo

• Individualismo metodológico;

• Marcos institucionais que afetam a eficiência das relações econômicas; • Conceito de intercâmbio voluntário;

O pressuposto básico da NEI, segundo Bueno (2003) assenta-se sobre as instituições sociais e econômicas como mecanismos que se formam para resolver o problema da cooperação entre os indivíduos. Tais mecanismos operam com distintos níveis de eficiência.

Se o velho institucionalismo apóia-se sobre o hábito, a NEI, acrescenta a possibilidade do incremento das instituições, de novos hábitos, regras, formais ou informais. Isso não significa que as instituições, em seu processo de mudança, tornem-se mais eficientes economicamente, sua condição de obstáculo pode se manter:

A moderna economia institucional deveria estudar o homem tal como ele é, atuando dentro de restrições impostas pelas instituições. A moderna economia institucional é a economia tal como deveria ser. (COASE, 1984, p. 231, apud NORTH, 1990, p. 1).

Nos parece um conceito que em muito se aproxima da idéia de espaço banal. Ao se fixar em um território, a atividade produtiva sai do protegido e perfeito ambiente da economia em tese e se depara com a realidade concreta, um território marcado pelas acelerações e freios a que se referia Pierre George (1968).

Segundo North (1990), o conjunto de opções individuais abordado pela Nova Economia Institucional é, simultaneamente, mais amplo e mais restrito do que o conjunto concebido pela teoria neoclássica. Mais restrito no que diz respeito às opções disponíveis aos agentes, cujo conjunto é delimitado pelas instituições, através de regras e de decisão política, direitos de propriedade, bem como normas de comportamento que limitam as alternativas ao acesso das pessoas.

Tal conjunto de opções é mais amplo se comparado ao enfoque neoclássico por que considera as múltiplas dimensões que caracterizam, segundo o autor, bens, serviços e a atuação dos agentes, o que se diferencia da abordagem neoclássica, cujas opções estão baseadas em preço e quantidade. A economia institucional se baseia num estudo contratual, tanto econômico quanto político.

Se Rosemberg (2006) apresentou as razões para o rápido desenvolvimento do capitalismo na Europa, também apresentou entraves para o desenvolvimento do

mesmo na China, país que, em plena idade média, paradoxalmente apresentava características mais progressistas que a Europa, vejamos:

Os valores, leis e instituições da China permaneceram dominados por burocratas-eruditos, sob formas que não proporcionavam nem a motivação nem a liberdade de ação que poderiam dar origem a uma classe capitalista com a capacidade de transformar a sociedade ao longo das linhas exigidas par a exploração de novas tecnologias.” (ROSEMBERG, 2006, p. 31)

Com efeito, os esquemas cognitivos, os hábitos, crenças e tradições, de um lado, as políticas de estado e as leis formalizadas de outro, formam essa estrutura que orienta o campo de ação dos agentes econômicos e sociais. O conceito emergente dessas determinações, no seio da NEI, é o de custos de transação.

Os custos de transação, segundo North (1990) representam o dispêndio de energia (gestão, controle, ações) e valores para levar os bens necessários aos indivíduos e para garantir que os acordos e contratos sejam cumpridos.

Transportando o conceito para nosso problema específico, significa que a produção de celulose, passando pelo uso da terra, cultivo de árvores, até o processamento final da celulose e sua comercialização, está sujeita à custos gerados por instituições. A cultura de uma determinada região pode não ser totalmente favorável às relações capital-trabalho, ou capital-território, isto é, o padrão de apropriação produtiva de uma região, sendo necessárias ações para, ou adequar a empresa à realidade existente, ou mudar a realidade para que se enquadre aos padrões da empresa. O sistema de regulação formal, do ponto de vista econômico, ou ambiental, pode impor limites aos objetivos da empresa, ou ainda forçá-la a adotar novos padrões de produção, tornando-a menos competitiva.

Um contra-argumento poderia surgir: as grandes corporações são poderosas, seu lobby atinge esferas importantes da administração pública, muitas lideranças política locais ou regionais podem ser favoráveis à sua presença como sinônimo de redenção econômica, em suma, elas podem reverter o sistema a seu favor de diversas maneiras. Embora isto seja verdadeiro, não elimina o fato de que as mesmas necessitaram alocar recursos, definir ações, ou mesmo construir alianças e

discursos para atingir seus objetivos. Considerando que tais empresas tiveram de se mobilizar para vencer essas formas de atrito, igualmente sofreram os custos de transação.

Num período primitivo da história, cada homem tem acesso ao seu quinhão de natureza para dela explorar e transformar em seu benefício individual. Não há intermediários entre o homem e o meio. Os custos surgem e se amplificam à medida que as civilizações tornaram-se mais complexas. Instala-se a divisão do trabalho e os direitos de propriedade, nem todos têm acesso a todos os bens necessários. Nesse sentido, os custos de transação são o ônus recorrente do acesso e transformação da natureza em bens, num cenário de uma natureza socialmente compartilhada e ao mesmo tempo não plenamente acessível a todos. Surgem como resultado as relações de troca, que necessitam da mediação, como explica Claval:

As instituições proporcionam aos grupos um meio onde as necessidades individuais e coletivas encontram satisfação. Todos devem ter acesso aos recursos indispensáveis para alimentar-se, vestir-se, e morar; são necessários filhos e meios para educá-los; os conhecimentos e valores lhes devem ser transmitidos; as inquietudes e angústias que atacam o indivíduo isolado exigem pacificação. A vida do grupo implica, por sua vez, a satisfação de necessidades e o aparecimento de conflitos que devem ser solucionados, se não quisermos ver a construção ameaçada. (CLAVAL, 1968, p. 57)

Claval apresenta o exemplo de transações comerciais para ilustrar a importância do desenvolvimento institucional:

Os mecanismos automáticos que operam nas sociedades nunca são perfeitos. Desde que os parceiros de mercado deixam de ter aproximadamente o mesmo peso, a troca funciona de maneira a aumentar a vantagem daqueles que já são mais favorecidos pela fortuna. Ela se torna geradora de desigualdade e de influência econômica. Para evitar isso,

convém vigiar estritamente o desenvolvimento das transações, institucionalizá-las. (CLAVAL, 1968, p. 58) (Grifo nosso).

Voltando ao nosso caso específico, temos consumidores de papel numa extremidade, e empresas produtoras de celulose na outra. Ao longo do caminho no

qual a celulose é produzida, transformada em papel, e posteriormente vendida (para atacadistas, gráficas ou empresas de outros ramos), acumulam-se determinações institucionais capazes de elevar ou reduzir os custos de transação.

Assim sendo, pode haver diferenças espaciais nesses custos capazes de estimular comportamentos seletivos? Sobre os espaços definidores de pesados custos de transação, Bueno (2003, p. 4):

As empresas que operam nesses ambientes institucionais operarão em suma com custos pouco competitivos internacionalmente. Então não apenas utilizarão os recursos internos ineficientemente, como não terão condições de exportar seus produtos, quando esses têm que concorrer com produtos similares produzidos por firmas operando em países onde as instituições são menos onerosas para a atividade econômica”

Segundo North (1990), o nível dos custos de transação é dependente do entorno institucional. Cada sociedade tem, nas palavras do autor, suas regras do

jogo, que determinam os custos de tais transações. Essas regras, limitações

assimiladas no processo de interação humana, são as instituições na visão de North. Os economistas derivam desta observação a seguinte questão: por que alguns países conseguem desenvolver instituições mais compatíveis com a eficiência econômica? Do ponto de vista da Geografia, esta questão é bastante pertinente, já que se articula com muitas abordagens do desenvolvimento regional, e as diferenças no processo de materialização das relações capitalistas de produção, a noção de formação socioespacial desenvolvida pelos geógrafos a partir do pensamento de Marx.

A este respeito, Pierre George em “A ação humana”, nos fornece alguns subsídios para investir nessa direção:

No interior dos grandes domínios industriais, na escala das localizações regionais da indústria, o principal problema é o da procura por uma nova racionalidade e de uma nova rentabilidade na distribuição das atividades industriais no interior do território. As criações do último século, os interêsses, as atitudes sociológicas e psicológticas (modelos culturais dos antropólogos), que lhe permanecem apegadas, desempenham

o papel de fôrça de inércia no tocante aos processos de localização, decorrentes da utilização de novos recursos e da diversificação das atividades industriais. Em cada país, em cada fase de desenvolvimento interno de cada país, se elaboram compromissos provisórios, que não são outra coisa senão os têrmos sucessivos de mutações capazes de transformar profundamente a estrutura geográfica e a utilização do território. (GEORGE, 1968, p. 126-217)

Assim sendo, o conjunto de instituições presentes ou projetadas num território poderiam, por sua natureza, representar tanto um trunfo, quanto obstáculo, ou elevação de custo transacional para uma empresa. Na segunda situação, o ambiente institucional forçaria a empresa a uma solução externa, ou seja, mobilização no espaço. Já um ambiente institucional capaz de conferir competitividade à atividade produtiva poderia representar o que chamamos anteriormente de recurso intangível, o qual apresentaria alto nível de especificidade, por sua fixidez em um território

Vejamos quais outros pontos de contato são possíveis entre o institucionalismo e a Geografia.