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Normas sobre propriedade intelectual no direito internacional

1. BENS INTELECTUAIS: ASPECTOS ECONÔMICOS E GOVERNANÇA

1.4. Normas sobre propriedade intelectual no direito internacional

O exame da dinâmica das normas internacionais relativas à propriedade intelectual conciliará, nos termos expostos acima, fatores econômicos, regimes e atores não estatais. Serão priorizados, portanto, os elementos estruturais nos quais se engendram as relações internacionais correspondentes ao tema,82 com atenção aos regimes pelos quais transita essa interação e à realidade interna dos Estados centrais para tais regimes, em especial no que diz respeito à formação e à identificação das preferências dos Estados com relação à

77 “In sum, Liberalism opens the “black box” of the state, exposing to analysis its internal social and

governmental structures and politics.” (Abbott, 2008:12). Exemplo de aplicação da abordagem liberal seria o

enfrentamento dos problemas institucionais verificados, no Brasil, entre INPI e Anvisa ao tratarem da anuência prévia desta à concessão de patentes por aquele.

78 O capítulo 2.5.3 infra descreve, no que diz respeito às normas sobre propriedade intelectual, os esforços de atores não estatais para influenciar decisões de Estados e de outros atores não estatais, para tomar assento em organizações internacionais e para, nos termos de Abbott (2008:16), participar de “other venues where law,

norms, and policies are created.”

79 “From a Liberal standpoint, transnational law helps structure patterns of individual and group interaction

in transnational society, patterns that in turn generate interests that shape and constrain state action.”

(Burley, 1993:230) 80

“Domestic factors account for preference formation, but not the outcomes of international bargaining” (Drezner, 2007:6)

81 “transnational law is both dynamic – mutating from public to private, domestic to international and back

again – and constitutive, in the sense of operating to reconstitute national interests.” (Koh, 1997:2627)

82 Para Maskus (2000:2224), “globalization of technology trade is itself the key factor in explaining systemic

proteção dos bens intelectuais.83 Não se presumirá dicotomia entre o direito internacional e o doméstico (Koh, 1996).

Como os regimes influenciam não somente os comportamentos dos Estados e outros atores internacionais, mas potencialmente até mesmo estruturas de poder,84 serão tratados como correlatos às instituições do plano doméstico cujo funcionamento é explicado pela nova sociologia econômica e pela nova economia institucional. A importância de regimes para as normas sobre bens intelectuais, tendo em conta que se enquadram na chamada low politics (temas diversos de segurança e paz), é conclusão comum às perspectivas grociana e estruturalista. Torna-se crucial para o exame das barganhas políticas realizadas pelos atores internacionais descrever as instituições internacionais de modo dinâmico. Por isso as instituições nas quais os direitos de propriedade intelectual se forjam e se modificam85 serão abordadas no marco das relações de poder entre os Estados (Young, 1983:101). Conseqüentemente, a eficiência dos regimes não será analisada de maneira dissociada das funções e resultados para os Estados nele envolvidos, que podem refletir as estruturas de poder de maneira perversa, concentrando os benefícios em poucos atores e rejeitando mecanismos distributivos (Chon, 2006:2833).

Em suma, proceder-se-á à análise das estruturas, da formação das preferências estatais no plano doméstico (às vezes dúbias ou plurais)86 e da interação estratégica na esfera internacional (Stein, 1983:140). Nessa trajetória, não se desviará das objeções ao bom funcionamento dos regimes, que podem se perpetuar apenas em vista dos custos irrecuperáveis (sunk costs) que representam para os Estados, tendo-se em mente que comportamentos referenciados por regimes precisam levar em conta fatores exógenos (poder político e econômico, ações auto-interessadas dos Estados), endógenos (regras e

83 Em prefácio à edição especial de After Hegemony, Keohane (2005:xv-xviii) reconhece deficiências analíticas em sua formulação original da teoria dos regimes, indicando caber ao institucionalismo maior atenção às características e transformações das organizações, aos atores não estatais e à influência da política doméstica sobre o comportamento dos Estados.

84 Krasner (1983B) descreve os regimes não apenas como variáveis que interferem com as decisões dos Estados, mas como também aptos a transformar a ordem internacional profundamente. A avaliação do impacto dos regimes e de suas transformações será desenvolvida no Capítulo IV desta dissertação.

85 Tomar as organizações internacionais como instituições históricas as distancia de resultados de eficiência econômica ou de cooperação plenamente racional. “What the research on social dilemmas demonstrates is a

world of possibility rather than of necessity. We are neither trapped in inexorable tragedies nor free of moral responsibility for creating and sustaining incentives that facilitate our own achievement of mutually productive outcomes.” (Ostrom, 1998:16)

86 “national interest is not a single or simple thing; and often various national interests are implicated, and

procedimentos claramente internos ao regime) e transversais, como princípios e crenças gerais, costumes, conhecimento e informação (Krasner, 1983A:20). Será conferido destaque à atuação dos Estados com maiores mercados, que se traduzem em poder e, por conseguinte, em maior capacidade de influir nos regimes regulatórios globais (Drezner, 2007:33-35).

Para que sejam construídas pontes, e não aterros teóricos, essa dissertação procura apartar os momentos de abordagem internacional “generalista” daqueles em que é focalizado o plano doméstico dos Estados (Burley, 1993:238-9).87 Evidentemente, procura-se compor de forma criteriosa o leque de perspectivas apresentado. Os insumos econômicos e das relações internacionais serão complementados, e não superpostos, com o emprego do enfoque liberal para se responder à indagação sobre as preferências estatais relacionadas a direitos de propriedade intelectual (Slaughter, 2000:191-193).

Delineado esse quadro teórico, é preciso enfatizar que o direito internacional referente à propriedade intelectual não será simplesmente descrito, apresentado como um rol de instrumentos normativos à disposição dos tomadores de decisões internacionais. Seu detalhamento, possibilitado pela perspectiva histórica e pelo fluxo de decisões internacionais – seja de Estados, seja de organizações internacionais – levará em conta os valores normativos que se pretende concretizar (McDougal, 1953:186), com o cuidado de não refletirem simplesmente o discurso oficial desta ou daquela política externa (Koh, 1997:2623-2624).8889

Nesse sentido, a criação de normas internacionais sobre propriedade intelectual será relacionada às escolhas estatais, às estratégias dos grupos de interesse domésticos e à

87 Nesses casos, não se descuidará das instituições internacionais: “Domestic and international institutional

arrangements should be analyzed simultaneously. They may operate in a consistent and mutually supportive manner, or they may operate at cross-purposes.” (Barton et al., 2006:15)

88 “In instrumentalist language, what is essential to an institution for it to function well is that it helps to

align these various types of incentives in ways that support the mission of the institution. In normative language, well-functioning institutions are those that facilitate persuasion and cooperation on the basis of widely held values. In practice, these two descriptions may amount to the same thing.” (Keohane, 1997:501)

89

Para emprestar as palavras de Arup (2000:38), “A more nuanced view may lack the elegant simplicity of

more linear projections. However it finds reason, in the ways economies, polities and cultures work, why differences are still maintainable, indeed, why alternatives can be injected into the global circuits.”.

capacidade de organizações internacionais e regimes para influenciar o respeito às obrigações internacionais.90

A partir do instrumental analítico e das premissas ora expostas, o Capítulo II buscará descrever a trajetória de criação de obrigações internacionais relativas à propriedade intelectual, sua configuração atual e os processos de transformação observados tanto nos foros multilaterais e regionais quanto em iniciativas de novos tratados bilaterais.

90 Será utilizada “a functional approach, using a mapping procedure that is designed to minimize the chances

2.

AS

OBRIGAÇÕES

INTERNACIONAIS

RELATIVAS

À