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Novas estratégias de negociação internacional

4. IMPACTOS DA PROLIFERAÇÃO DE NORMAS INTERNACIONAIS RELATIVAS

4.3. Novas estratégias de negociação internacional

A organização de normas sobre propriedade intelectual no Acordo TRIPs suscitou o contato da OMC com outros foros internacionais. Essa interação, decisiva para as decisões dos atores internacionais, gera intempéries para a harmonização normativa no sistema multilateral de comércio. Ainda assim, não se rompeu a centralidade da OMC para a regulamentação internacional da propriedade intelectual. Segundo Krasner (1983B:361- 367), os regimes intervêm na própria identidade e formação de preferências dos atores porque: (i) modificam o cálculo e a avaliação dos interesses (próprios e alheios) pelos atores internacionais, quer pela transmissão de informações, quer por constituírem ponto focal para novas negociações internacionais; (ii) alteram os interesses em jogo, por conta de novas normas;449 (iii) tornam-se fontes de poder,450 modificando, conseqüentemente, a distribuição internacional de poder:

447

Cf. capítulo 3.3.2.3 supra.

448 Barbosa (2005:8-10) descreve um “processo de patrimonialização da tecnologia” por modelos proprietários. Cf., sobre disputas pela “ecologia institucional” do ambiente digital, Benkler (2006:392-396). 449 Podem ser criados novos direitos de propriedade, por exemplo sobre o espectro de rádio, as linhas aéreas ou a exploração da plataforma marítima, assim como regras procedimentais que permitam interferências antes impossíveis sobre a conduta de outros Estados.

450 Ao longo do tempo, mudanças nos regimes podem representar mais e melhores escolhas para alguns de seus participantes (como no GATT após o estabelecimento das obrigações de tratamento especial e diferenciado). Ademais, as regras dos regimes podem servir como elementos de pressão em negociações internacionais ou internas aos Estados (em processos legislativos domésticos, por exemplo).

Developing countries comply with the rules of the WTO not out of enlightenment, but because the regime has changed their choice set. They can join and be subject to rules not of their choosing or stay out and be precluded from opportunity for economic gain. (Barton et al., 2006:206)

O Acordo TRIPs e os tratados multilaterais, bilaterais e regionais que com ele coexistem dialogam com esses fatores. Se há, de fato, benefícios em regimes estáveis,451 a valorização negativa de alguns foros internacionais pode dificultar seu estabelecimento ou sua manutenção,452 e impelir Estados, individual ou coletivamente, a buscar alternativas. No caso da proteção ampliada a normas sobre propriedade intelectual, alguns Estados podem patrocinar ou não conseguir conter ações de protesto, indiferença, sabotagem ou motim contra a organização internacional ou o tratado internacional que a propuser.453 O desgaste de determinado foro internacional, quer por ação concertada de vários Estados, quer pela retirada dos mais poderosos, pode simplesmente acarretar o recurso a outros foros, disponíveis anteriormente ou especialmente modificados para receber novos esforços normativos.454

Nesse esteio, nota-se a discussão, atomizada em diferentes organizações internacionais, de mecanismos específicos para fortalecer os direitos de propriedade intelectual – e especialmente naquelas que já mantêm laços estreitos de cooperação com a OMC e com a OMPI.455 Além desses foros, a resistência dos países em desenvolvimento foi estímulo para que tais mecanismos fossem veiculados por tratados bilaterais456 e regionais, excetuados da regra da nação mais favorecida prevista no sistema multilateral de comércio:

451 “international institutions can solve cooperation problems by undermining ex post opportunistic behavior

of members, through such mechanisms as monitoring, information gathering, and reducing transaction costs.” (Barton et al., 2006:18)

452 Acordos de cooperação relativos a tecnologias para o desenvolvimento de armamento bélico, por exemplo, não seriam adequadamente negociados por um regime, pois os Estados participantes enxergam como ameaça os ganhos alcançados pelos demais (Keohane, 2005:123nota).

453 “Walk-outs, delays, and threats of collapse are endemic to multilateral trade negotiations and they may

become even more prevalent as weaker states use regime shifting to bolster their common negotiating positions.” (Helfer, 2004:69)

454

“States can use these institutions to bolster their bargaining position in global fora, as well as creating

regional orders that affect significant trading partners.” (Drezner, 2007:68)

455 Cf. capítulo 2.5.2.1 supra.

456 “the new bilateralism is clearly a tool to effectuate the benefits of forum shifting to overcome limitations

imposed by the TRIPS Agreement.” (Okediji, 2004:141). “Only by uniting can developing countries resist being picked off one-by-one and region-by-region by U.S. trade negotiators.” (Baker, 2004:710)

As was shown in the TRIPS case, thwarting great power preferences in the WTO merely encouraged both the United States and the European Union to export their regulatory preferences through bilateral and regional free trade agreements. (Drezner, 2007:215)

Além de acentuar o desequilíbrio dos patamares de proteção aos direitos de propriedade intelectual, esse deslocamento pulveriza as negociações internacionais. No plano multilateral, ele dilui as fronteiras entre as competências das organizações internacionais acionadas e promove a formação de alianças variáveis, muitas vezes efêmeras. Os Estados, em conseqüência, reorganizam suas burocracias, de sorte a lidar com uma complexidade, a um só tempo, temática e deliberativa.457

Da perspectiva dos países em desenvolvimento, tratados bilaterais com países desenvolvidos são em regra vistos com temor, uma vez que as vantagens esperadas são suspeitas de não compensar, no médio prazo, os custos incorridos. Bens intensivos em conhecimento, como medicamentos, agrotóxicos e sementes, são muitas vezes essenciais para aqueles países, e a demanda inelástica torna alto demais o preço a ser pago pelo acréscimo na proteção de direitos de propriedade intelectual. Para esses países, pode soar mais promissora a formação de amplas coalizões internacionais,458 com poder de ação em múltiplos foros.459

Porém, tais iniciativas podem se revelar benéficas somente para os grandes países em desenvolvimento, com base tecnológica instalada e mercado consumidor relevante. Estes possuem, de fato, margem de escolha (Barton et al., 2006:170-171). Para os demais, até

457 “The ability of developing countries to co-ordinate policy across government in undertaking IP-related

reforms is therefore crucial. The evidence suggests that some countries have established mechanisms to improve the co-ordination of policy making and advice, with the main participants being the key ministries most involved i.e. health, justice, science, environment, agriculture, education or culture (for copyright and related rights). However, these mechanisms are often only embryonic and their degree of effectiveness is yet to become apparent – particularly in respect of integration of IP issues with other areas of economic and development policy.” (CIPR, 2002:139)

458 “A single state eager to universalize its preferred interest may sponsor and assume the burden of

maintaining a regime; if and when its hegemonical position erodes it will wish to alter or abandon the regime that once served its interests. Alternatively, a coalition of weaker states may wish to do the same, sometimes in opposition to a hegemon; their regime will persist as long as the coalition remains intact.”

(Haas, 1983:29)

459 Okediji (2004:145-146) sugere que os países em desenvolvimento usem o bilateralismo a seu favor; Helfer (2004) recomenda uma estratégia ampla de regime-shifting por esses países. Em linha análoga, v. Chon (2006:2852-2854) e Sell (2004:396-399). Cf. capítulo 2.5.3 supra.

mesmo a via bilateral Sul-Sul pode ser danosa, especialmente se suas pautas comerciais forem complementares às dos países no outro pólo do tratado bilateral.460

Por esses motivos, o plano multilateral tende a ser preterido apenas em último caso.461 Nele, o diálogo entre Estados é estabilizado pela reputação, forjada do contato freqüente entre negociadores, induzidos a exprimir seus interesses de forma transparente.462 As coalizões internas a uma determinada organização internacional, ainda, catalisam os benefícios de informação e de vínculo entre os diversos itens da pauta de negociações.463 Finalmente, tendo em vista que os vários regimes internacionais se comunicam, a concentração da atividade normativa em poucos foros intensifica o respeito às suas regras (segundo cálculos estritamente egoístas), pelo temor de retaliações e por serem levadas em conta reputação e precedentes (Keohane, 2005:98-106).464