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Nos capítulos I e II, analisámos o desempenho dos peronismos (Perón e Menem) e do salazarismo na questão dos serviços públicos. Encontramos uma semelhança na forma de agir de ambos os Governos: uso de decretos presidenciais como modo habitual de governar, tornando o Parlamento numa instituição sem força. No caso dos peronismos, a justificação estava na “necessidade e urgência” para agir. De facto, há na Argentina uma figura legal que ainda hoje existe: o “decreto de necessidade e urgência”. Contudo, o abuso destes decretos por parte do Presidente Menem é um facto que merece destaque306. No caso do salazarismo, vimos que na Constituição do Estado Novo de 1933, os decretos-lei eram autorizados apenas em casos de “urgência e necessidade pública”. Contudo, com o andar dos anos, tornou-se habitual o seu uso, sendo legalizado na alteração da Constituição de 1945, que veio reconhecer uma situação de facto: “o Governo é órgão legislativo normal e a Assembleia órgão legislativo excepcional”. Na questão dos comissários do Governo, constatamos a presença desta forma de agir, aquando o decreto-lei veio impedir o avanço da discussão na Assembleia da República, mostrando que era o executivo quem legislava.

Relativamente à fiscalização dos serviços públicos encontramos dois modelos com características e consequências bem diferentes. Por um lado, vimos que na cidade de Buenos Aires, a regulação das empresas concessionárias de serviços é encarregada inicialmente a um funcionário municipal e, a partir de 1912, a um departamento especialmente criado para tal fim. Até aos anos 1930, a pacífica relação entre a Câmara Municipal e as empresas de electricidade, fez com que a primeira obtivesse receitas para

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Para uma análise detalhada sobre o tema ver: Ferreira Rubio, Delia e Goretti, Matteo, “When the President governs alone: The decretazo in Argentina 1989-1993”, em Carey, J. e Shugart, M. (eds.), Executive Decree Authority, Cambridge Univ. Press, EEUU, 1998.

o pagamento da iluminação pública além de despesas correntes e que as segundas obtivessem importantes lucros. O clima de desconfiança, que caracterizou o nacionalismo económico, tornou problemática a fiscalização destas empresas. Nos momentos de tensão encontramos que se avançou para actos de corrupção dos políticos no poder, tanto com Alvear e os vereadores em 1936, quanto com Perón em 1943. Por outro lado, analisámos que em Portugal, nomeadamente em Lisboa, a fiscalização das empresas de serviços públicos esteve baseada na presença ao interior das empresas de um funcionário do Governo. Vimos que a partir da entrada da SOFINA na CRGE, a presença deste funcionário nas Assembleias Gerias e nas reuniões do Conselho de Administração tornou-se habitual. Contudo, essa presença não significou uma excessiva intromissão na gestão da empresa, como temia António Centeno a começo do século, devido à captura do funcionário. A desconfiança que a eficiência deste funcionário gerou na opinião pública não foi suficiente para alterar o seu desempenho, nomeadamente na CRGE. Veremos no capítulo IV, que a sua intervenção foi inócua na hora de fiscalizar as transferências de dinheiro à SOFINA na forma de comissões pela prestação de serviços.

Portanto, estamos perante dois modelos diferentes de fiscalização. O argentino, baseado num departamento municipal especialmente criado para a monitorização externa das empresas concessionárias, e o português, assente na monitorização feita no interior da empresa e encarregue a um homem da confiança pessoal do Governo. O primeiro modelo funciona sem problemas na fase expansiva da economia, mas perante o surto de tensões torna-se favorável ao conflito ou à corrupção. O segundo foi mais pacífico devido à captura do regulador por parte da empresa.

Apesar desta semelhança, é de salientar a diferença na forma de intervenção dos Governos, isto é, na propriedade dos serviços públicos. No salazarismo, a hipótese da nacionalização dos serviços públicos, tão usada na altura, era incompatível com seus princípios. Assim, predominou a empresa mista como forma de investimento estatal directo, articulada com a presença dos representantes do Governo nessas empresas: administradores e delegados. Se, por um lado, isto mostra o apoio à liberdade empresarial; por outro lado, denota o incremento na fiscalização estatal dos serviços públicos. Assim, verificamos que o salazarismo procurou tornar mais eficientes as empresas de serviços públicos ao apoiar a liberdade empresarial, mas aumentando o controlo estatal. Bem diferente foi o caso argentino. Durante a belle epoque, a oligarquia no poder estava aliada às empresas de capitais estrangeiros fornecedoras de

serviços públicos. Na cidade de Buenos Aires, a fiscalização instrumentada por departamentos especializados da Câmara, permitiu que fossem respeitadas as cláusulas dos contratos. Isto significou, importantes lucros para as empresas e ingressos consideráveis para a Municipalidade. Assim sendo, os consumidores pagaram tarifas que permitiram que esta aliança fosse de sucesso.

Já no peronismo, os serviços públicos foram um meio para um fim. Não se procurou a eficiência destes serviços, mas que fossem uma ferramenta para aumentar o consumo dos sectores populares. Perón nacionalizou os serviços públicos, e usou para isso o dinheiro acumulado no IAPI graças à balança comercial positiva. Ao ter o controlo destes serviços foi possível usar as tarifas como instrumento de distribuição do ingresso. Menem, para fomentar o aumento do consumo, privatizou os serviços públicos e usou empréstimos que incrementaram a dívida externa. Em ambos os casos houve um aumento do bem-estar dos sectores populares, com saltos qualitativos no uso de electrodomésticos. Contudo, a ineficiência na fiscalização dos peronismos trouxe, num caso, ausência de investimentos e uma crise energética; no outro caso, lucros das empresas privadas muito acima da média, acompanhados duma crise económica.

IIID

ANNIE

N.H

EINEMAN E A ESTRATÉGIA DA

SOFINA

SOFINA became Heineman’s life work. Dannie Heineman joined SOFINA with the proviso that if he were not given important new projects to develop during the first six months, he would leave. He remained as SOFINA’s head for the next 50

years, retiring in 1955 at the age of 83.307