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2. As definições da SOFINA

2.1. O controlo da subsidiária

O fornecimento de serviços por parte da holding provavelmente esteja relacionado com a sua génese. Peter Hertner e Luciano Segreto, entre outros, salientam que a finais do século XIX os produtores de equipamento eléctrico criaram as holding para facilitar a colocação dos seus produtos no mercado. As empresas subsidiárias destas holding eram obrigadas por contrato a comprar material eléctrico às grandes indústrias que fundaram a holding472. Desta forma, os grandes produtores de materiais eléctricos criaram o seu próprio mercado e instalaram centrais em diferentes países, onde a ausência de capital impedia o desenvolvimento da energia eléctrica. Empresas

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Compañía Hispano-Americana de Electricidad (CHADE), Memoria que el Consejo de

Administración Somete a la Aprobación de la Junta General Ordinaria de Accionistas,

Barcelona, Tipografía Emporivm, 1928, p.11. [CHADE, Memoria...]

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Cf. Hirsh, Richard F., Technology and ...ob.cit., pp.23-24; Hughes, Thomas P., “The Electrification of America...ob.cit., pp.153-159; Hirsh, Richard F., Power Loss...ob.cit., pp.35- 37.

472

Hertner, P., “Financial strategies and adaptation to foreign markets: the German electro- technical industry and its multinational activities, 1890s to 1939”, em Teichova, A.; Lévy- Leboyer, M. e Nussbaum, H., (eds.), Multinational Enterprise in Historical Perspective, Cambridge, Cambridge University Press, 1986, pp.150-151; Segreto, Luciano, “Financing the Electric...ob.cit., p.164; Hausman, W.J., Hertner, P. e Wilkins, M., Global Electrification...ob.cit., pp.52-54.

alemãs como a Siemens e a AEG473 foram pioneiras nesta prática que leva o nome de Unternehmergeschäft474:

(...) Unternehmergeschäft: this meant that the large German electro-technical producers created their own market by establishing local and regional power, tramway and lighting companies in those countries (e.g. Russia, Italy, Spain, Latin America) and for those customers (particularly local public authorities) which suffered from chronic lack of capital. Newly created companies were forced by statute to buy their electro- technical supplies from their big industrial founders.475

Em 1904-05, dez anos depois da sua criação, as holding modificaram a sua estrutura ao introduzirem uma secção técnica que visava satisfazer as necessidades expansivas das empresas de electricidade476. Portanto, a partir deste momento, o contributo das holdings para a instalação das centrais não se limitou apenas ao equipamento pesado, forneciam também o know how de engenharia, construção civil e gestão necessários para o bom funcionamento das empresas. Assim, na altura em que a holding comprava uma empresa que tinha uma concessão ou quando criava uma nova empresa era assinado um contrato para fornecimento de serviços entre a empresa de electricidade e a holding.

Em síntese, se na origem as holding são criadas para ser parte do Unternehmergeschäft, tendo por objectivo criar um mercado para as produtoras de material eléctrico pesado, o intuito de garantir o eficiente funcionamento das empresas vai obrigar ao desenvolvimento doutras funções. O “fornecimento de serviços” às empresas subsidiárias tem a sua razão de ser na procura de garantirem lucros aos investidores, nomeadamente, à holding. A delegação de serviços de gestão, construção e ampliação da empresa subsidiária vão permitir à holding ter um controlo sobre o dia-a- dia para além das questões mais de fundo.

Como foi referido, a existência das holding justifica-se no facto de as empresas de electricidade precisarem de grandes quantidades de capital. No início, as holding são

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A CATE pertencia a AEG até o final da Primeira Grande Guerra. Assim sendo, instalou nas suas centrais equipamento da AEG, comportando-se como uma Unternehmergeschäft.

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Unternehmer significa empresários e geschäft quer dizer mercado. A palavra

Unternehmergeschäft significa empresários que criam o seu próprio mercado.

475

Hertner, P., “Financial strategies...ob.cit., p.150.

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quem fornece esse capital para a instalação e construção das centrais. Contudo, o capital inicialmente fornecido pelas holding, a partir da aquisição de acções, poucas vezes ultrapassa a metade do total existente. Depois que a empresa começa a funcionar, a holding vende ao público grande parte das acções, ficando apenas com a quantidade suficiente para manter o controlo da empresa subsidiária477. Hertner descreve o sistema da seguinte maneira:

The financial holding companies were supposed to take over the shares and bonds of the newly created public utility companies, to keep them in their portfolios during the period of construction and initial development, and to sell most of these holdings to the general public as soon as they had ‘matured’ and were able to yield a profit. For the financial holding companies it was normally sufficient to retain afterwards only a controlling minority share.478

A relação entre a SOFINA e a CRGE poderia caracterizar-se como a típica evolução acima descrita por Hertner. A SOFINA, em 1914, a CRGE comprou 96.000 acções, que representavam 43,6% do capital por acções479. Nessa altura a holding era o principal accionista da empresa. No momento em que a subsidiária começa a mostrar um desenvolvimento positivo, a holding convida outros investidores a comprar acções. Para o ano 1948, as 444.075 acções na posse da SOFINA representavam 22,2% e, em 1957, as 451.515 representavam 15,2% do capital social480. Apesar do aumento em valores absolutos das acções em poder da SOFINA, o que se verifica é uma queda percentual nas acções da empresa iniciando em 1914 com 43,6% e baixando gradualmente até 15% na década de 1960. Apesar disto, a SOFINA não perde importância na gestão da subsidiária.

Há poucas dúvidas de que 43,6% é um controlling share, ou seja, uma quantidade suficiente que permite à SOFINA controlar a empresa subsidiária a partir da

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Nalguns casos, esse controlo mantém-se devido à possessão de acções ordinárias, que são as que outorgam direito a voto. Eis o caso da CADE, em que cada acção ordinária dá direito a um voto, enquanto são necessárias vinte (20) acções preferidas para ter um voto. Cf. CADE,

Estatutos de la Compañía Argentina de Electricidad, Buenos Aires, Talleres Gráficos Federico

Rossi, 1928, pp.19-20.

478

Hertner, P., “Financial strategies...ob.cit., p.151.

479

Companhias Reunidas Gás e Electricidade (CRGE), Relatório e contas, 1914-15. [CRGE,

Relatório...]

480

SOFINA, Rapport..., 1948, p.69; SOFINA, Rapport..., 1957, p.132; CRGE, Relatório..., 1948, p.23; CRGE, Relatório..., 1957, p.17.

sua entrada em 1914 como accionista. Contudo, é mais questionável que a holding tenha direito a controlar a empresa subsidiária com apenas 15% das acções. Neste ponto é importante salientar a existência do contrato para fornecimento de serviços entre a holding e a empresa subsidiária. No caso da CRGE, esse contrato vigorou entre 1914 e a nacionalização da empresa, isto é, em todo o período que esteve sob controlo da SOFINA. A hipótese que se defende neste trabalho é que a prestação de serviços estipulada nesse contrato lhe transfere à SOFINA um poder de intervenção sobre a gestão da CRGE, que é de facto um controlo sobre a empresa. Portanto, o controlo exercido pela SOFINA não estaria apenas baseado em ser um accionista de peso, mas também nas cláusulas estabelecidas no contrato para fornecimento de serviços.

Este contrato dava-lhe o controlo na gestão do dia-a-dia. Relativamente à capacidade de negociação nas Assembleias Gerais, a SOFINA mantinha o seu poder, uma vez que contava com uma percentagem importante dos votos. Assim, na Assembleia de Março de 1948, a SOFINA apresentou 215.000 acções, contando com 430 votos481 sobre um total de 771 votos. Sem adicionar as acções da SETEC, subsidiária da SOFINA, a holding tinha 56% do poder de voto nessa assembleia, altura em que, como foi referido, detinha apenas 22,2% do capital total.

Apesar da importância dos contratos por serviços nesta relação entre a holding e as empresas subsidiárias, questões como o tipo de serviços taxados, os níveis das taxas dos serviços (se eram razoáveis ou abusivos), o controlo que a holding exercia por meio destes serviços, etc., têm vindo a ser deixadas de lado pela literatura contemporânea. A CRGE e a CADE pagavam à SOFINA taxas pelos serviços até a nacionalização das empresas. Nas páginas que seguem mostraremos a relação entre a holding e estas subsidiárias relativamente à questão dos serviços e das comissões pagas por esses serviços. Por um lado, uma análise descritiva das comissões pagas pela CRGE como “serviços” à SOFINA permitirá compreender quais os alcances destas taxas e em que consistiam. Também, permitir-nos-á avaliar se as comissões recebidas pela holding foram razoáveis ou se foram exageradas. Por outro lado, faremos uma descrição pormenorizada do contrato entre a CADE e a SOFINA, no intuito de trazer luz sobre o tipo de controlo exercido pela holding. Em síntese, a partir do estudo de caso, procuraremos colocar questões que podem ser fundamentais para compreender o funcionamento das holdings eléctricas.

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