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Primeiros questionamentos às comissões por serviços nos EUA

Nos Estados Unidos a fim da década de 1920 surgem críticas relativamente às comissões [fees] cobradas pelas holding às subsidiárias. Os direitos dos consumidores são o eixo do conflito. Se as comissões são excessivas, aumentam os custos de exploração, tornando mais caro o serviço. As críticas apontam a que são os consumidores do serviço público quem paga este excesso. Para determinar se as comissões foram razoáveis instrumentaram-se na época dois critérios de avaliação: (1) o “custo do serviço”, i.e. o custo para empresa fornecedora do serviço em prestá-lo; (2) o “valor de mercado” do serviço, i.e. o valor taxado por outras companhias para prestar serviços semelhantes454.

Neste contexto, vários Estados nomeiam Comités para avaliar o desempenho das empresas de serviços públicos e das holding, para regulá-las eficientemente. Para determinar se as comissões por serviço são excessivas os Comités necessitam conhecer os custos operativos e as receitas por serviços das holding. Num primeiro momento, a

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Segreto, Luciano, “Financing the Electric Industry Worldwide: Strategy and Structure of the Swiss Electric Holding Companies, 1895-1945”, Business and Economic History, vol.23, nº1, 1994, p. 164.

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Ransmeier, J.S., “Regulation of Service Charges in Holding Company Systems”, The

impossibilidade de fazer tal avaliação deve-se ao facto de as holding se resistirem a mostrar os seus balanços aos Comités. Na década de 1920, o Supremo Tribunal Federal apoia a privacidade das holding e nega aos Comités os pedidos para ver os livros das empresas. O argumento do Supremo Tribunal era que o valor do serviço, fornecido pelas holding às subsidiárias, dependia do valor de mercado desse serviço e, portanto, não era necessário o exame dos livros, uma vez que não interessava qual era o custo do serviço. Contrariamente ao argumento do Supremo Tribunal, para os Comités o valor do serviço devia estar relacionado com os custos do serviço, isto é, com as despesas da holding para satisfazer esse serviço455.

Depois da crise muda a situação. Vários tribunais exigem às holding mostrarem os seus livros aos Comités. Estes redigem relatórios que mostram quais são os custos operativos das holding e quais as retribuições recebidas pelos serviços às subsidiárias. Como consequência disto é confeccionada abundante legislação – que inclui o “Public Holding Utility Act” de 1935 – orientada a regular o sector456.

Segundo Ransmeier, as críticas da opinião pública às holding é a causa fundamental para que as legislaturas de alguns Estados fizessem um corpus de estatutos orientados a regular os serviços públicos, incluindo os serviços entre a holding e a subsidiária:

After 1930, (...) because of the wave of public resentment against certain publicized unethical practices of holding companies, state legislatures enacted a considerable body of statutes designed to regulate, among other phases of the utility business, the service relation.457

O acesso aos livros das holding permitiu aos Comités ter informação que somente é acessível por via judicial. Independentemente das conclusões, os relatórios dos Comités e a discussão em torno à questão contribuíram a melhorar o nosso conhecimento do funcionamento das holding. Assim sendo, nos anos 1930, Buchanan tem acesso aos documentos que têm os dados, o que lhe permite mostrar que, entre 1924 e 1928, a metade das receitas brutas que recebe a Electric Bond and Share Company

455 Idem, pp.32-33. 456 Idem, pp.33-34. 457 Idem, p.34.

(EBASCO) vêm na forma de comissões458. Para esta holding, as comissões por serviços são uma fonte de receitas fundamentais.

O quadro 4.1. mostra os serviços taxados pela EBASCO às subsidiárias e o peso nos rendimentos da holding entre 1905 e 1929. Os itens incluídos como “Supervisão e contrato de serviços” são: (1) Supervisão geral (ou gestão); (2) Engenharia e construção; (3) Auditorias, investigações, etc.; e (4) Comissões pela venda de acções.

QUADRO 4.1.

Rendimento bruto segundo tipo de receita. EBASCO, 1905-1929

Vemos que as receitas ligadas aos contratos de serviços (46,7%) são equivalentes ao total das outras receitas por investimento de capital (51,4% por dividendos, interesses, lucros, acções e obrigações). Inclusive os itens clássicos associados aos contratos por serviços como são a “supervisão geral” e “engenharia e construção” ($47.830.889) superam amplamente os “dividendos recebidos” ($32.507.474). Cabe ainda destacar que estas comissões por serviços não estão

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Buchanan, N.S., “Service Contracts...ob.cit., p.290.

relacionadas qualquer tipo de despesa feita pela holding na prestação do serviço459. Este exemplo permite, por um lado, conhecer o nível das receitas por comissões por serviços relativamente ao rendimento total; por outro lado, conhecer quais os trabalhos que se consideravam serviços realizados pela holding que eram pagos pela subsidiária. Embora o desempenho da EBASCO não possa ser considerado representativo do conjunto das holding, estes números e as questões levantadas relativamente às comissões por serviços obrigam a incluir este problema quando se analisa o desempenho duma holding.

É relativamente pública a informação sobre os dividendos que uma holding obtém da empresa subsidiária. Ao consultar os relatórios anuais da empresa é possível saber qual foi o montante pago por acção na forma de dividendo. Isto permite às entidades reguladoras saber se os lucros são “excessivos” ou não. Todavia, o exemplo acima citado, também mostra que essa informação é incompleta. Houve uma entrega de dinheiro à holding, na forma de prestação de serviço, que atinge valores nada desapreciáveis460, como se pode ver no caso da EBASCO entre 1905 e 1929 (QUADRO 4.1.). Desta forma a holding pode receber grandes quantias por estes serviços, que nos seus balanços ficam ocultas na forma de receitas [income ou revenue]. Relativamente à EBASCO, documentos como os relatórios apresentados ao Senado permitiram conhecer mais a fundo qual a origem do rendimento da holding.

No caso da SOFINA, os relatórios anuais incluem balanços que apenas contêm o item geral income (ou revenue), descrito da seguinte maneira: « Revenues sur titres et participations, intérêts, commissions et bénéficies divers »461; ou na versão em inglês: “Income from Shares and Participations, Interests and Commissions”462. Assim sendo, a informação no balanço dos Relatórios Anuais da SOFINA não permite conhecer o peso das comissões por serviços, pois as “commissions” não ficam separadas do resto das

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No caso da SOFINA, que é analisado mais à frente, só nas despesas de deslocação, estadia e ordenados dos funcionários da holding ao serviço das subsidiárias, há vinculação entre o custo do serviço e as comissões. Estas despesas devem ser pagas pela subsidiária, além do resto das comissões.

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Segundo Buchanan, nos anos 1930, os ingressos da holding Electric Bond and Share vinham por partes iguais nos dividendos e no pagamento por serviços. Cf. Buchanan, N.S., “Service Contracts...ob.cit., p.284.

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Société Financière de Transports et d’Entreprises Industrielles (SOFINA), Rapport du

conseil d’administration a l’assemblée générale ordinaire des actionnaires, Rapport du collège des commissaires, Exercice 1929, p.51. [SOFINA, Rapport...]

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Société Financière de Transports et d’Entreprises Industrielles (SOFINA), Annual Report of

the Board of Directors to the Ordinary General Meeting of Shareholders, Report of the Board of Supervisors, 1935, p.71. [SOFINA, Report...]

receitas. Será pois a partir de documentos das empresas subsidiárias que tentaremos perceber como funcionavam as comissões por serviços da holding.