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3 A FORMAÇÃO DE TREINADORES(AS) EM GINÁSTICA

3.1 Notas sobre a formação de treinadores(as)

A formação de treinadores(as) esportivos(as) é uma temática do campo da Pedagogia do Esporte que tem sido estudada com maior ênfase nas últimas décadas, dada a crescente importância do papel desses profissionais no cenário de nossa sociedade atual (COTÉ et al., 2007; MILISTETD et al., 2015; GALATTI et al., 2016; MILISTETD et al., 2017; BENTO-SOARES, 2019).

O Esporte é capaz de produzir e reproduzir a identidade cultural de um povo e contribuir para processos de mudança social e formação educacional (BRUEL, 1989). É um dos fenômenos sócio-culturais (BALBINO, 2005; PAES, 2006; GALATTI et al., 2014) de maior impacto em todo o mundo, capaz de desenvolver valores que facilmente são transladados para as diversas esferas da vida dos praticantes (SANCHES; RUBIO, 2011).

Nesse contexto, o(a) treinador(a) (ou o(a) coach) não é visto somente como a figura central responsável por um(a) atleta ou equipe, na busca exclusiva por resultados, rendimento e excelência, mas, também, e principalmente, como um agente que promove estratégias pedagógicas que visam colaborar “para o desenvolvimento da cidadania, educação, saúde e bem-estar de pessoas de todas as idades” (ICCE, 2013).

Segundo Ortiz (2010), o coaching é uma prática que não possui apenas uma origem, tampouco uma única definição. Há diferentes escolas, associações e profissionais que tem buscado definir conceitos com base nos aspectos que julgam mais relevantes (VAAMONDE, 2013).

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De acordo com a ICCE (2015), “coaching is recognised as a profession and where skilled, qualified coaches are available to children, players, athletes and adult participants in line with their needs and stage of development” [o coaching é reconhecido como uma profissão, onde treinadores capacitados e qualificados estão disponíveis para crianças, jogadores, atletas e adultos participantes, de acordo com suas necessidades e estágio de desenvolvimento] (tradução nossa).

Ele é uma estratégia que nasceu nos Estados Unidos, na área esportiva, com a finalidade de ensinar, melhorar e desenvolver capacidades e técnicas pessoais (ORTIZ, 2010); também pode ser entendido como uma prática de orientação, ensino e instrução de pessoas (OLIVEIRA-SILVA et al., 2018), ou “o processo de Ensino de Esporte e práticas corporais” (BENTO-SOARES, 2019, p. 17). Como qualquer atividade que envolva relações entre seres humanos, sua prática é uma ação complexa e multivariada (CUSHION; ARMOUR; JONES, 2003; BOWES; JONES, 2006), uma vez que envolve aspectos sociais, culturais e pedagógicos (CASSIDY; JONES; POTRAC, 2009).

Por conseguinte, há uma exigência de que os(as) coaches esportivos(as) possuam não somente o domínio da sua área de intervenção (MILISTETD et al., 2017), mas também conhecimentos em outras áreas, os quais subsidiam outras funções ou competências que lhes são exigidas, como gestão, liderança, expertise, relação entre atleta-treinador, motivação e educação (COTÉ; GILBERT, 2009). Essas competências são adquiridas por meio de suas experiências, em seu ambiente de trabalho, e tornam-se uma importante fonte de aprendizado por meio da experiência prática. Elas se configuram em três tipos: a competência técnica, a social e a organizacional (COTÉ, 2006).

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Figura 7 - Competências do treinador

Fonte: Adaptado de Coté e Gilbert (2009).

Coté et al. (1995) propuseram um Coaching Model – Modelo de Coaching (CM), cujos componentes foram definidos a fim de descrever o trabalho dos(as) treinadores(as) a partir de suas próprias perspectivas. Esses componentes são: competição, treinamento e componentes organizacionais, que também são definidos como processo de coaching. Ainda segundo os autores, três variáveis podem influenciar esse processo: “as características pessoais do(a) treinador(a), as caraterísticas pessoais dos(as) atletas e o nível de desenvolvimento” (1995, p. 09)

A figura abaixo traz a proposta do Coaching Model, seus componentes e relações: Competências Gestão Motivação Liderança Relação atleta- treinador Educação Expertise

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Figura 8 - O Coaching Model

Fonte: Coté ecolaboradores al. (1995).

Há componentes de ordem ambiental e comportamental que devem ser observados dentro desse modelo, divididos e analisados em dois níveis, a saber:

Level 1 components are categorized as the “ambient components” and consist of variables related to the coach’s personal characteristics, the athlete’s and team’s characteristics and the contextual factors. [...] Level 2 components are defined as “behavioral components” and include variables from three different settings: training, competition and organization. (COTÉ, 2006, p. 219)

Os componentes do nível 1 são categorizados como "componentes ambientais" e consistem em variáveis relacionadas às características pessoais do treinador, às características do atleta e da equipe e aos fatores contextuais. [...] os componentes de nível 2 são definidos como “componentes comportamentais” e incluem variáveis de três configurações diferentes: treinamento, competição e organização. (tradução nossa)

O autor mostra essa complexidade da prática do coaching a partir do entendimento da existência dessa divisão, que caracteriza as diferentes áreas que permeiam a prática de um(a) treinador(a) esportivo(a). Em outra publicação, o autor e seus colaboradores apontam para uma definição de excelência nessa prática, que deve ser multifacetada a fim de refletir as funções altamente variáveis que um treinador(a) pode assumir (COTÉ et al., 2007).

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Entende-se que esses conhecimentos e competências apontados pelos autores devem fazer parte de seu processo de formação inicial e continuada, o qual se dá, dentre outras formas, por meio dos programas de formação de treinadores(as) (CIAMPOLINI et al., 2019).

Em alguns países, há programas específicos e abrangentes (COTÉ, 2006), como, por exemplo, o AEHESIS (Aligning a European Higher Education Structure in Sport Science - <www.eose.org>), desenvolvido em países europeus; e o BIS (Sport Coaching Education, desenvolvido pela Weber State University – <www.weber.edu>) (DEMERS; WOODBURN; SAVARD, 2006), desenvolvido no Canadá (SANTOS; MESQUITA, 2010). Esses e outros programas são propostos, tradicionalmente, pelas Federações Esportivas e pelas Organizações Nacionais de Esporte (ICCE, 2013), e são classificados, portanto, como programas de larga escala (TRUDEL; GILBERT; WERTHNER, 2010).

Merece destaque, também, o International Council for Coaching Excellence (ICCE), uma organização internacional sem fins lucrativos cuja missão é liderar e apoiar o desenvolvimento do treinamento esportivo em nível global (ICCE, 2019). Para isso, ela desenvolve projetos e promove eventos, muitos deles em parceria com outras instituições, como o International Sport Coaching Framework (ISCF), o ICCE Quality in Coaching Model (QIC) e o Women In Coaching.

Alguns órgãos governamentais nacionais de certos países, diferentemente do Brasil, também desenvolvem e oferecem cursos específicos (STODTER, 2014) exigidos para a atuação profissional, tais quais o:

- National Coaching Accreditation Scheme – NCAS (Austrália). Tal programa de treinamento oferece cursos que incluem os princípios e a prática do coaching, além do esporte-específico, que inclui habilidades técnicas, estratégias e abordagens científicas para o esporte particular (NSW, 2019).

- National Coaching Certification Program – NCCP (Canadá). Identificado como líder mundial em treinamento de coaching, os workshops são projetados para todos os tipos de treinadores (CAC, 2019).

- UK Coaching Certificate – UKCC (Reino Unido). Este programa de certificação é dividido em diferentes papeis de coaching: Ativador,

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Treinador Assistente, Treinador Líder (Nível 2) e Treinador Líder (Nível 3). Essa certificação é reconhecida nacionalmente (UKCC, 2019).

- National Council for the Accreditation of Coach Education – NCACE (USA) – esse programa oferece credenciamento e reconhecimento nacional a organizações e instituições esportivas responsáveis pela preparação de treinadores em todos os níveis de esporte (NCACE, 2019).

Em alguns dos países citados acima (e em outros), há cursos e programas de formação que são oferecidos por universidades, porém não são considerados obrigatórios para a prática profissional; em outros, por outro lado, não há a possibilidade desse tipo de formação em Educação Física e/ou Esporte, cabendo, portanto, às essas outras instituições a grande responsabilidade pela capacitação e formação de treinadores(as).

Já no Brasil, a formação inicial desses profissionais é atribuída às Instituições de Ensino Superior (IES) por meio dos cursos de Educação Física, Esporte ou Ciências do Esporte (BRASIL, 1998; CONFEF, 2013). Esses cursos são regulados por normativas do Ministério da Educação e pelas Secretarias Estaduais de Educação, seguindo uma regulamentação padrão para todo o território nacional, acerca de temas, disciplinas e cargas horárias qu devem ser cumpridas, tanto para a Licenciatura, como para o Bacharelado.2

Essa divisão do curso de graduação em Educação Física em duas modalidades, aliás, permanece até hoje. Assim, o(a) futuro(a) profissional pode optar em atender à licenciatura (obtendo o título de Licenciado(a) em Educação Física), o bacharelado (Bacharel(a) em Educação Física) ou, também, optar pela dupla habilitação. Existe, no Brasil, a exigência de conclusão de um desse(s) curso(s) para a atuação profissional do(a) treinador(a), exigência estabelecida alguns anos depois da criação do CONFEF – Conselho Federal de Educação Física, cuja missão é “garantir à sociedade que o direito constitucional de ser atendida na área de atividades físicas O CONFEF possui conselhos regionais, os Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs), que atuam nas diferentes regiões brasileiras e que

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Essa dualidade na formação profissional de treinadores(as) esportivos(as) e professores(as) de Educação Física (Licenciatura e Bacharelado) gera inúmeros debates e discussões em relação ao campo profissional de atuação. Um debate que certamente deve ser adensado em relação à GPT.

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promovem os deveres e defendem os direitos dos profissionais de Educação Física (ibidem).

Quanto às IES, elas se caracterizam como um espaço de Aprendizagem Formal (NELSON; CUSHION; POTRAC, 2006), pois desenvolvem atividades programadas, em espaços estruturados para tal, cujo cumprimento por parte dos discentes garante uma certificação para o(a) treinador(a) (no caso dos cursos de Bacharelado). Em outros países, os cursos oferecidos pelas Federações Esportivas e Organizações Nacionais do Esporte abrangem esse tipo de aprendizagem, uma vez que não possuem a obrigatoriedade de formação em IES, como já explicamos anteriormente.

A educação formal tradicional tem a propriedade de levar ao desenvolvimento de habilidades do pensamento crítico (MALLETT et al., 2009), um aspecto que é comumente apontado na literatura como vital para o sucesso contínuo dos(as) treinadores(as) esportivos(as) e, portanto, é de suma importância para o seu processo de formação.

Contudo, estudos apontam, a partir da constatação de algumas fragilidades que comprometem a formação inicial e sua relação com o mercado de trabalho, a necessidade de reformulações nos currículos das IES. Uma delas é a carência de oportunidades de aprendizagem experencial que, conforme Galatti et al. (2016), é algo de extrema relevância, já que os futuros profissionais são colocados em uma situação “do mundo real”. Nelson, Cushion e Potrac (2006) afirmam que, na percepção de alguns(as) treinadores(as), atividades formais de aprendizagem têm um baixo impacto na sua própria formação quando comparadas às atividades de aprendizagem informal.

De fato, as atividades de aprendizagem informal podem ser, de certa forma, mais atrativas para os(as) treinadores(as) em seu processo de formação pois, nessas atividades, eles(as) têm a possibilidade de escolher mais especificamente o tema e a área de aprendizagem de interesse, diferentemente das atividades formais, nas quais uma grande quantidade de conteúdo é oferecida com pouca especificidade.

Há outros mecanismos pelos quais os(as) treinadores(as) podem obter conhecimento para a prática profissional. Um deles se dá por meio da esfera Não Formal de aprendizagem, que é representada por qualquer atividade sistemática e educacional, exercida fora do quadro do sistema formal (NELSON; CUSHION;

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POTRAC, 2006). Nesse contexto, o sujeito busca conhecimentos de maneira autônoma fora do contexto formal de educação, normalmente em cursos de curta duração em uma área específica de interesse (ibidem), caracterizando assim programas de formação de pequena escala (TRUDEL et al., 2010).

Segundo Milistetd et al. (2015), as atividades que são desenvolvidas em espaços de Aprendizagem Não Formal são organizadas em clínicas, workshops e internet, além de conferências e seminários (NELSON; CUSHION; POTRAC, 2006). Os(as) treinadores(as) procuram esses cursos como uma modalidade de formação continuada, a fim de obter mais conhecimento em uma área específica.

Por fim, a Aprendizagem Informal se dá por meio de experiências diárias, interação com outros(as) treinadores(as), observações etc. (MILISTETD et al., 2015). É o acúmulo das experiências que o(a) treinador(a), exposto ao ambiente, adquire ao longo da vida (NELSON; CUSHION; POTRAC, 2006). O(a) treinador(a) pode adquirir conhecimento nessa esfera, pois, por meio da troca com os atores do esporte, com os atletas e outras pessoas envolvidas no dia-a-dia esportivo, e até mesmo com a família do atleta (SAMPAIO, 2017).

A Aprendizagem Informal, portanto, também pode ser vista como uma opção de formação continuada, na perspectiva de capacitação realizada de forma autônoma pelos(as) treinadores(as).

Todas essas esferas de aprendizagem, em suma, são de grande importância para a formação profissional do(a) treinador(a) esportivo(a), e cada uma delas abarca particularidades únicas que contribuem para esse processo.