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As novas configurações das instituições públicas: Agências Executivas e Organizações Sociais

principalmente, nos Quaderni del carcere Edição crítica de Valentino Gerratana 2 ed Turim, Eunaudi,

A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL: A LÓGICA MERCANTIL NAS POLÍTÍCAS SOCIAIS

2.3. As Principais mudanças nas instituições estatais: administração gerencial no serviço público

2.3.1. As novas configurações das instituições públicas: Agências Executivas e Organizações Sociais

Com a reforma do Estado, dividiu-se o Aparelho do Estado em quatro setores: 1) Núcleo Estratégico, ou seja, o núcleo central do governo e do poder (corresponde ao governo em sentido lato, compreendido pelos poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público, Presidência da República, aos Ministros, seus auxiliares e assessores diretos); 2) Atividades Exclusivas (setor que presta serviços que cabem exclusivamente ao Estado: regulamentação, fomento, cobrança, fiscalização, segurança pública e a previdência social básica); 3) Serviços Não-Exclusivos (as instituições não possuem poder de Estado - educação saúde, pesquisa científica, museus); 4) setor de Produção de Bens e Serviços para o mercado (visam ao lucro - empresas estatais).

Esse conjunto de atividades distingue-se pelas formas de propriedade e pela forma de administração adotada. No Núcleo Estratégico ou Burocracia Superior, a propriedade deve permanecer estatal e a forma de administração deve manter-se burocrática, porém, assumindo elementos da administração gerencial. Nas Atividades Exclusivas a propriedade mantém-se estatal e a forma de administração passa a ser gerencial. Nos Serviços Não-Exclusivos, incentiva-se a forma de propriedade Pública não estatal e a administração gerencial. Na produção para o mercado, a diretriz é a privatização e, logicamente, a administração gerencial.

Para o setor de Atividades Exclusivas propôs-se a transformação de autarquias e fundações em Agências Executivas. Já os de serviços da área social - educação, cultura, saúde, previdência - concebidos como não exclusivamente estatais, indicou-se sua execução, fora do âmbito do Estado, por instituições privadas ou públicas não estatais, organizadas pelo modelo administrativo de gerência, podendo adotar o modelo institucional de Organizações Sociais.

As primeiras - Agências Executivas - caracterizadas como instituições de Direito Público e de propriedade estatal, operam no setor de atividades exclusivas do Estado, funcionando a partir de um contrato de gestão, avalizado, antes, pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), e, a partir de sua extinção, assumido pelo Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, e negociado com cada Ministério ao qual esteja vinculada a atividade a ser engajada nessa modalidade. Cada processo deve ser instituído a partir de um decreto lei. 17

As segundas - Organizações Sociais - constituídas como instituições públicas não estatais de direito privado, com vistas a executar atividades não exclusivas do Estado, funcionam por contrato de gestão, recebendo recursos públicos. Os contratos de gestão, na verdade, representam uma regulamentação da terceirização e privatização dos serviços públicos. Esse formato institucional proposto coaduna-se com a visão liberal clássica, que reconhece como funções próprias do Estado apenas àquelas ligadas à legislação, tributação, segurança e justiça, as únicas que deveriam pertencer ao núcleo burocrático do Estado. As funções ligadas aos serviços deveriam ser reservadas à iniciativa privada.

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O decreto 2.487 de 02 de fevereiro de 1998 dispõe sobre a qualificação de autarquias e fundações como Agências Executivas, estabelece critérios e procedimentos para a elaboração, acompanhamento e avaliação dos contratos de gestão e dos planos estratégicos de reestruturação e de desenvolvimento institucional das entidades qualificadas e dá outras providências.

As Agências Executivas

Concebidas para dar formato às instituições públicas do Setor de atividades Exclusivas de Estado, ligadas às funções do poder fiscal, regulamentador, de segurança e à previdência social básica do Estado, as Agências Executivas representam um novo ente administrativo do poder público. No protocolo de intenções celebrado entre o MARE, o Ministério do Planejamento e Orçamento e a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para a implantação de unidade-piloto de Agência Executiva, o processo de transformação de uma instituição pública em uma Agência Executiva foi explicitado, assim:

O acompanhamento e a avaliação da gestão de uma Agência Executiva dar-se-ão por meio de um Contrato de Gestão, a ser firmado entre a instituição candidata à qualificação como Agência Executiva e o seu Ministério supervisor, no qual se estabelecerão, de comum acordo, objetivos e metas de desempenho a serem alcançados pela agência em determinado período, com definição dos correspondentes indicadores de desempenho, assim como, das condições operacionais necessárias à consecução dos resultados acordados.

O contrato de gestão (p.2) com vistas a transformar o IBGE em Agência Executiva explicitou melhor os objetivos desse tipo de instituição. "O Projeto Agências Executivas visa implementar um modelo de gestão voltado para resultados, que utilize princípios de qualidade e administração participativa, de forma a ensejar um melhor atendimento das demandas da sociedade, compatível com a missão da instituição."

A implantação de tais agências foi iniciada nas seguintes instituições: no INSS, através de contrato de gestão celebrado entre o MARE, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS); na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através do protocolo de intenções celebrado entre o IBGE, o MARE, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), para a implantação de Unidade-Piloto do Projeto Agências Executivas.

Com o IBAMA, foi oficializado um Protocolo de Intenções, celebrado entre o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, para a implantação de Unidades-Piloto dos Projetos Agência Executiva e Organização Social. Com esse primeiro passo, para que esta instituição possa assumir o novo formato administrativo previsto pela Reforma do Estado, pode-se perceber, pela cláusula I do Protocolo18

, que se pretende dividir ou desdobrar esse órgão em entidades distintas: Agências Executivas e Organização Social, conforme o serviço que preste, seja exclusivo de Estado ou não. Protocolo de Intenções semelhante foi celebrado entre a Secretaria de Reforma do Estado e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, para sua implantação como unidade-piloto do projeto Agências Executivas.

Organizações Sociais

As Organização Sociais (OS) passaram a ser regulamentadas a partir da aprovação da Emenda Constitucional n. 19 e da Lei n.º 9.637, de 15 de maio de 1998 que "Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do

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Cláusula I - do Objeto - O presente Protocolo tem como objetivo a consolidação do IBAMA como unidade-piloto do Projeto Agências Executivas, mediante ações conjuntas do MARE, por meio da Secretaria de Reforma do Estado, do MMA e do IBAMA, que propiciem a reestruturação estratégica e a modernização da Unidade-Piloto, em consonância com as diretrizes do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.

1°) O Projeto Agências Executivas visa a implementar um modelo de gestão voltado para resultados, que utilize princípios de qualidade e administração participativa, de forma a ensejar um melhor atendimento das demandas da sociedade, compatíveis com a missão da Instituição. 2°) O acompanhamento e a avaliação da gestão da Agência Executiva, dar-se-ão por meio de um Contrato de Gestão, a ser assinado entre o MMA e o IBAMA, no qual serão estabelecidos, de comum acordo, objetivos e metas a serem alcançados pelo IBAMA em determinado período, com definição dos correspondentes indicadores de desempenho, assim como das condições operacionais necessárias à consecução dos resultados propostos. 3°) O Projeto estabelecerá as bases para: a)a implantação, no IBAMA, de modelo de Agência Executiva responsável pela execução das atribuições federais permanentes de gestão ambiental, no contexto das ações exclusivas de Estado na área ambiental; b)a absorção de atividades por Organizações Sociais, com atribuições de prestação de serviços não exclusivos do Estado, na área ambiental, conforme modelo de gestão a ser definido em seu processo de reestruturação institucional.

Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outra providências." Essa lei define, em seu artigo primeiro, o que é e como se constitui uma OS:

O Poder Executivo poderá qualificar, como organizações sociais, pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos nesta Lei.

O chamado processo de “publicização”, ou seja, o repasse da produção e execução de atividades de políticas sociais públicas, realizadas por instituições estatais, para instituições de caráter privado, encontra-se em fase de implantação. Os primeiros contratos de gestão permitiram a transformação da 19 Fundação Roquete Pinto (TV Educativa do Rio de Janeiro) e do Laboratório Sincroton, em Campinas-SP, em Organizações Sociais.

Uma Organização Social nasce de um processo de extinção e transformação de uma instituição estatal em uma outra, a partir de um decreto lei que cria uma nova instituição que passa a assumir uma nova entidade jurídica, denominada associação civil, qualificada como organização social, devendo responsabilizar-se pelas atividades até então realizadas pelo extinto órgão estatal. Através de Contrato de Gestão são definidos o objeto e a finalidade, o programa de trabalho a ser desenvolvido, os indicadores, as metas a serem alcançadas pela OS; determinam-se as obrigações e as responsabilidades das partes, bem como, estabelecem-se as condições para sua execução, os critérios de avaliação e os indicadores de desempenho.

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A Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron, denominada ABTLuS, associação civil qualificada como organização social pelo Decreto n.º 2.405, de 26 de novembro de 1997 e a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, denominada ACERP, associação civil qualificada como organização social, de acordo com o que dispõem a Medida Provisória n.º1591-3, de 31 de dezembro de 1997, e o Decreto n.º 2.442, de 23 de dezembro de 1997.

Cabe à OS administrar os bens móveis e imóveis públicos a ela cedidos, assim como aplicar os recursos financeiros que lhe forem repassados exclusivamente na consecução dos objetivos e metas previstos nesse instrumento. Os recursos financeiros são estimados e repassados pelo governo, em um valor global de recursos públicos a serem transferidos.

Os contratos de gestão estabelecem as condições referentes aos recursos humanos, que são servidores públicos vinculados às instituições públicas transformadas, liberados para exercerem atividades nas OS. Uma cláusula prevê que cada OS poderá gastar até 60 % dos recursos públicos repassados, com despesas de remuneração, encargos trabalhistas e vantagens de qualquer natureza a serem percebidos pelos seus dirigentes, empregados e servidores a ela cedidos. Também se estabelece que cabe ao MARE a concessão de direitos, como férias, licenças e aposentadorias aos servidores públicos eventualmente cedidos. O MARE também cede os bens móveis e imóveis, equipamentos e instalações da instituição extinta, à nova OS.

A flexibilização ou a descentralização das atividades estatais, ou seja, a transferência da execução das políticas públicas do âmbito estatal para a esfera privada, ou ainda, a desobrigação do Estado com as políticas públicas configura-se através dos contratos de gestão promovidos pelo Estado com essas Organizações Sociais. Esses contratos possibilitam também a privatização das políticas públicas, conforme consta, como objetivo no Plano diretor da Reforma do Estado (p.58-59), que prevê que a sociedade participe do financiamento dessas organizações "via compra de serviços e doações". Com a instituição das Organizações Sociais, o Estado se torna simples regulador e promotor dos serviços sociais, enquanto as organizações sociais, identificadas com o chamado terceiro setor, se encarregariam de produzir, de forma competitiva, os serviços demandados pela sociedade.

O terceiro setor é denominação utilizada para se qualificar as Organizações Não Governamentais (ONGs), se apresentam como uma multiplicidade de organizações da sociedade civil, com finalidades filantrópicas, religiosas, sindicais, empresariais, que prestam serviços ao público, sem fins lucrativos, nas mais variadas áreas e atividades. Estas organizações apresentam interfaces que interpenetram as relações entre o público e o privado. Embora privadas, não seguem a lógica do lucro, típica das empresas privadas; embora públicas, no sentido de prestarem serviços ao público, não são estatais. Nos interstícios entre a esfera pública e a esfera privada, essas organizações, movidas, muitas vezes, pela solidariedade, pelo voluntarismo, pela complacência, prestam serviços gratuitos, de natureza diversa, à população, atendendo às necessidades daqueles que não dispõem de recursos suficientes.

Os serviços realizados pelo terceiro setor (Fernandes, 1994) preenchem e substituem, na maioria dos casos, as lacunas das funções do Estado, na oferta de políticas públicas que constituem direitos consagrados, pela opinião pública e pela Constituição, como elementos da cidadania. Atendem às necessidades coletivas nas áreas de saúde, educação, pesquisa, cultura, direitos humanos, direitos civis, políticos, meio ambiente, de interesses das minorias e dos excluídos.

Entre as vantagens apresentadas pelo governo ao adotar as Organizações Sociais destacam-se: "a contratação de pessoal segundo as regras do mercado, a adoção de normas próprias para compras e contratos, além de flexibilidade na execução do orçamento, resultando assim em entidades com dinheiro público e gestão privada" (BRAGA, 1998, p. 21).

Chauí (1999, p. 5), comentando uma proposta governamental para a reforma da Universidade, afirma que ela está fundamentada em um pressuposto ideológico básico:

o mercado é portador de racionalidade sociopolítica e agente principal do bem-estar da República. Esse pressuposto leva a se colocar direitos sociais (como a saúde, a educação e a cultura) no setor de serviços definidos pelo mercado. Dessa maneira, a Reforma encolhe o espaço público democrático dos direitos e amplia o espaço privado, não só ali onde isso seria previsível - nas atividades ligadas à produção econômica - mas também, onde não é admissível - no campo dos direitos sociais conquistados.

Essa nova configuração das políticas sociais se identifica e acompanha uma tendência, que vinha desenvolvendo-se desde os anos oitenta, de crescimento de Organizações Não Governamentais (ONGs) que realizavam, no vácuo da ação estatal, diversas atividades relacionadas com as políticas sociais e com as assessorias aos movimentos populares. Muitas delas nasceram dos movimentos sociais, das organizações comunitárias e de bairros que reivindicavam do Estado o provimento de políticas sociais de educação, saúde, habitação, entre outras. Diversas experiências nesse campo criaram uma cultura política de parceria entre Estado e sociedade, geralmente o primeiro repassando às comunidades as suas responsabilidades com as políticas públicas. Esse contexto também foi propício ao discurso e à prática da participação comunitária e ao apelo à comunidade na resolução dos problemas coletivos.

Na análise de Azevedo (1998, p. 6), apesar de o governo reconhecer, explicitamente, a necessária permanência do Estado na regulação e intervenção das políticas em vários setores, entre os quais, os vinculados ao atendimento dos direitos sociais, essa condição é negada, uma vez que,

a flexibilização da gestão significa também uma gradual diminuição do exercício direto, pelo Estado, das funções de educação, saúde e assistência social, que serão transferidas para as organizações públicas não-estatais, contratadas para tanto, cujo controle advirá dos contratos firmados com o núcleo estratégico da administração.

Essa nova configuração do Estado estimula uma discussão sobre as relações entre as esferas pública e privada e suas novas intermediações. Público e privado se imiscuem. Recursos públicos - fundo público - passam para a esfera privada para realizar uma política pública estatal. O que é público deixa de ser exclusivamente estatal; o que é privado não é mais sinônimo de mercado, assumindo contornos mercantis e não-mercantis, mesclando-se suas fronteiras (Raichelis 1998, P. 76-77).

A propriedade pública não estatal, própria das Organizações Sociais, cruza o público com o privado, até então considerados espaços de clivagem entre o direito público e o privado (Bobbio 1987:14), conceitos apontados como dicotomias na sociedade moderna, especialmente se forem considerados, o público como estatal e o privado como o espaço da propriedade privada, como espaço da economia de mercado. Essa forma institucional cria uma interpenetração entre o público e o privado, faz avançar o espaço do privado e reduzir o espaço do público, já que ambos os espaços dicotômicos se delimitam e condicionam-se reciprocamente.

Ela é diferente da lógica estritamente do lucro, que prevalece nas relações de mercado regidas pela ação da empresa privada. Não visa ao lucro, mas sugere a compra do serviço, a complementação ou contribuição do usuário do serviço público; esvazia a atribuição do Estado como provedor de políticas públicas; retira as políticas públicas do campo do direito universal, da igualdade e remete-as para uma política focal e para o mercado; aumenta a tendência para a exclusão e para a seletividade.

A "parceria" da organização social com a empresa privada, em busca de recursos "complementares", os serviços oferecidos em troca dos recursos, redundam em benefício do lucro da empresa privada. Na medida em que o usuário paga pelo serviço, a política social estatal deixa de ser gratuita e passa a se reger pela lógica do mercado.

Propõe-se um redesenho das instituições públicas, que promove um imbricamento do público e do privado, com um novo tipo de instituição de propriedade pública não-estatal, que deve ser financiada com recursos públicos e através da compra de serviços e doações, por parte dos usuários desses serviços.

Desse modo, através das privatizações explícitas das empresas estatais e implícitas dos serviços públicos, permite-se uma apropriação de bens e serviços mais rentáveis, pela iniciativa privada e diminui-se a ação do Estado como formulador e executor de políticas e sua função de estabilizador dos efeitos desigualitários da acumulação capitalista. Borram-se as fronteiras entre a esfera pública e a esfera privada.

Os "novos" cidadãos consumidores fazem parceria com o Estado, pagando duplamente os serviços, uma vez, pelos impostos pagos que são revertidos em orçamento estatal repassados às organizações sociais, e, pela segunda vez, pelo pagamento direto na compra dos serviços.

Entre as formas de desresponsabilização do Estado com as políticas públicas de cunho redistributivo, Zaidan (1996, 1998) tem apontado as novas iniciativas e culturas de gestão municipal, nas quais alia-se uma renúncia institucional e constitucional do Estado, combinada com a transferência para a iniciativa privada da oferta de serviços, em troca da renúncia fiscal, da isenção, ou da comutação fiscal. Nessa cultura gestora invulgar, os governos locais tentam "substituir as fontes de financiamento das políticas públicas através de soluções locais, soluções regionais, soluções através do mercado, da iniciativa privada, com a sociedade, da comunidade" (1998, p. 67), levando-as a uma privatização progressiva, à transferência paulatina da assistência social de responsabilidade do Estado, para a sociedade e para a iniciativa privada.

Essa reforma do aparelho do Estado, executada pelo governo, pretendeu introduzir, na administração pública, a cultura e as técnicas gerenciais modernas, inspiradas na administração de empresas, que se caracterizam pela flexibilidade e eficiência, visam à redução de custos e aumento da qualidade dos serviços, tendo o cidadão como consumidor e cliente dos serviços, o controle por resultados e competição administrada. Visam a transformar o cidadão em consumidor nas malhas do mercado.

A ênfase a esses princípios da administração pública gerencial se dá, supostamente, em virtude do "retrocesso burocrático", promovido pela Constituição de 1988, que levou a "um engessamento do aparelho estatal, ao estender para os serviços do Estado e para as próprias empresas estatais praticamente as mesma regras burocráticas rígidas adotadas no núcleo estratégico do Estado” (Plano Diretor da Reforma do Estado, 1995ª, p. 27), cujo resultado teria sido "um encarecimento significativo do custeio da máquina administrativa, tanto no que se refere a gastos com pessoal, com bens e serviços, e a um enorme aumento da ineficiência dos serviços públicos".

O modelo de administração gerencial caracteriza-se pela lógica da produtividade e eficiência, associado aos métodos de gerência adotados, com mais ênfase no setor privado, e, fundamentando-se nos seguintes elementos principais: corte de gastos e de pessoal, aumento da eficiência, atuação mais flexível, contratos de gestão, controle por resultados (Abrúcio,1997, p. 12). A aplicação dessa concepção na administração estatal ganhou corpo com a crise do Estado e foi aplicada, desde os anos 1980, em diversos países, como a Grã-Bretanha, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, na Europa continental e Canadá. No Brasil, somente na década de 1990, o modelo foi implantado.

No mesmo ensaio Abrúcio (p.8-12) sugere que o ambiente propício à aplicação da administração gerencial, no âmbito do Estado, teve como catalisador político a vitória dos conservadores, na Grã-Bretanha, em 1979, e dos republicanos, nos Estados Unidos, em 1980. Além disso, a escassez de recursos, o enfraquecimento do poder estatal e o avanço de uma ideologia privatizante influenciaram a implantação do modelo gerencial no setor público.

A partir da experiência de reforma gerencial da Inglaterra, esse mesmo autor (p.16-31) distingue três tipos de modelos de administração gerencial, que foram sendo utilizados e mesclados a partir do governo de Tatcher:

O primeiro é o modelo gerencial puro, cujo ponto central é a busca da