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A transfiguração do Regime Jurídico Único e a precarização das relações de trabalho

principalmente, nos Quaderni del carcere Edição crítica de Valentino Gerratana 2 ed Turim, Eunaudi,

A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL: A LÓGICA MERCANTIL NAS POLÍTÍCAS SOCIAIS

2.6. A reforma do Estado e as mudanças nas relações de trabalho na administração pública: desregulamentação e precarização

2.6.1. A transfiguração do Regime Jurídico Único e a precarização das relações de trabalho

Como parte da implantação dos projetos prioritários do MARE24, especialmente no que se refere à redução do tamanho do Estado e dos custos com pessoal, a principal estratégia aplicada foi a de se flexibilizar as relações de trabalho e se reduzir o número de funcionários o que seria possível com a quebra da estabilidade. Para tanto, modificou-se a Lei 8.112/90. Desde a sua promulgação, essa lei, além dos vetos recebidos, vem sofrendo diversas modificações que incluem alterações, revogação, inclusão de artigos, parágrafos, incisos e alíneas, não restando mais nela as principais conquistas e vantagens dos servidores públicos.

Até a última consolidação publicada no Diário Oficial da União – DOU, em 18/03/1998, o RJU havia sofrido um total de 176 mudanças, tendo sido alterados 81 dos seus 253 artigos, por 12 leis. Levantamento realizado pelo DIAP aponta que, pelo

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Projetos Prioritários do governo para o MARE: Redução do tamanho do Estado, Redução dos custos com pessoal; Implantação das Agências Executivas; Implantação das Organizações Sociais; Implantação do Sistema Interno de Informação da Administração Pública; Reforma Constitucional; Fortalecimento do núcleo estratégico do Estado e Política de Recursos Humanos. On-line. www.mare.gov.br.

menos 55 direitos ou vantagens dos servidores federais foram reduzidos ou suprimidos, até dezembro de 1997.

Segundo o DIAP (1998, p. 1), o Plano Diretor da Reforma do Estado, no tocante aos objetivos explicitados, de uma verdadeira reforma do serviço público, com vistas a tornar a burocracia mais eficiente e promover a melhoria da prestação de serviços à população, na verdade não passou de peça retórica, prevalecendo as medidas de cunho fiscal, com ênfase no corte de direitos e redução de despesas.

Concernente às medidas infraconstitucionais destacam-se as principais perdas de direitos e de vantagens dos servidores, a partir de 1994: "congelamento de salários, limite em 50% dos gastos com pessoal, a suspensão da anistia concedida aos servidores no governo Itamar, a proibição de conversão de um terço das férias em pecúnia, a eliminação do ganho na passagem para a inatividade, a ampliação de 10 para 25% dos descontos em favor da União, a transformação do tíquete alimentação em dinheiro, sem reajuste, o fim de horas extras, a extinção do quinquênio e anuênios, a proibição de sua incorporação, fim da licença prêmio, limitação do número de dirigentes sindicais, para o exercício de mandato classista, mesmo que custeado pelas entidades sindicais, aumento da contribuição do servidor para a previdência, a instituição de contribuição de 25% sobre os proventos dos inativos, a proibição de pagamento de causa ganha pelo servidor antes do trânsito em julgado, ampliação do prazo e dispensa de custas judiciais para apresentação de ações de rescisões contra direito ganho pelo servidor, e finalmente, a exigência de ata de assembléia e lista dos presentes para o sindicato ingressar com ação em defesa dos servidores".

As principais mudanças na Lei 8112/90 referem-se a 5425 aspectos e atingem as principais conquistas sociais e trabalhistas dos trabalhadores públicos. Além disso, a Emenda Constitucional - que versa sobre a Reforma Administrativa - transforma substancialmente as relações de trabalho, quando altera os princípios norteadores do estatuto das relações de trabalho no Estado, que são a estabilidade e o regime jurídico único, peculiares à administração pública.

Assim, reestrutura-se o ordenamento das relações de trabalho no interior da administração pública. Com a extinção do Regime Jurídico Único, fica livre a adoção de mais de um regime de trabalho, decreta-se o fim da estabilidade e da isonomia salarial entre os trabalhadores do serviço público (art. 39, § 1º da Constituição Federal e art. 41, § 4º do RJU), desfaz-se a desvinculação entre os salários dos servidores civis e dos militares, possibilita-se a demissão "por insuficiência de desempenho do exercício de suas funções" ou "por necessidade da administração pública, visando a redução ou reestruturação de quadros, bem como sua adequação aos limites fixados no Art. 169"26, da Constituição de 1988.

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Requisitos básicos para investidura de cargo; formas de provimento; nomeação; ingresso e desenvolvimento na carreira; concurso público; posse; exercício; jornada de trabalho; estágio probatório; transferência; readaptação; disponibilidade; vacância; formas de exoneração e dispensa; remoção; redistribuição; substituição; remuneração; reposição e indenização; ajuda de custo; diárias; gratificação e adicionais; incorporação de vantagens; adicional por tempo de serviço; férias; lotação provisória por motivo de deslocamento do cônjuge; licenças: prêmio, por motivo de doença da família, para atividade política, prêmio por assiduidade, para o trato de assuntos particulares, para desempenho de mandato classista; afastamento para servir a outro órgão ou entidade; afastamento para estudo ou missão no exterior; horário especial ao servidor estudante; apuração de tempo de serviço; afastamentos considerados como de efetivo exercício; apuração de tempo de serviço para efeitos de aposentadoria e disponibilidade; proibições; acumulação de cargos, acumulação de cargos em comissão, acumulação de dois cargos efetivos – com exercício de cargo em comissão; aplicação de penalidades; advertência; acumulação ilícita; abandono de cargo ou inassiduidade; processo administrativo disciplinar; defensor dativo, julgamento de processo disciplinar; aposentadoria por invalidez; vantagens concedidas na aposentadoria; licença para tratamento da própria saúde; assistência à saúde; plano de seguridade social; servidores sujeitos ao Regime Jurídico Único – RJU.

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Este artigo refere-se ao limite de gastos com pessoal, já delimitados pela Lei Complementar 82/1995, em 60% da receita corrente líquida. Essa lei, chamada de Camata, estipula o prazo de janeiro de 1999, para que Estados e municípios se adeqüem ao limite estipulado, caso contrário, perderão benefícios e sofrerão cortes nos repasses de recursos da União. A Lei Complementar nº 96, 31 de Maio de 1999, disciplinou os limites das despesas com pessoal, na forma do art. 169 da Constituição, determinando que as despesas totais com pessoal, não excedam a: I - no caso da União: cinqüenta por cento da Receita Corrente Líquida Federal; II - no caso dos Estados e do Distrito Federal: sessenta por cento da Receita

Com a Emenda Constitucional n.º 20, que trata da Reforma da previdência, o RJU ainda poderá sofrer diversas modificações nos artigos (85, 92, 95, 100, 102, 103, 186) que tratam da aposentadoria, da contagem do tempo de serviço e das licenças. Todos esses mecanismos legais, impostos pelo governo, rompem a ordem jurídica anterior, pactuada e discutida entre o movimento sindical dos trabalhadores do serviço público e o parlamento, durante o período da Constituinte e quando da elaboração do RJU. Verifica-se que a estratégia da flexibilização das relações de trabalho, já largamente usada no setor privado da economia, estende-se agora para a administração pública, onde provavelmente causará os mesmos problemas para os trabalhadores desse setor: demissões, terceirização, precarização do emprego, falta de política salarial.

A tendência desse processo é a divisão dos servidores, com a criação de duas categorias: uma categoria, ligada às Agências Executivas, detentora de cargo público, gozando de estabilidade e devendo ser submetida a concurso público para ingresso na carreira; a segunda categoria, ligada às Organizações Sociais, constituída por detentores de emprego público que têm sua estabilidade flexibilizada e passam ser submetidos a processo seletivo.

No núcleo estratégico do Estado, as carreiras assumiram o caráter de carreira de Estado, com servidores estatutários, e, nas atividades não-exclusivas de Estado, são criadas carreiras de empregados celetistas; na administração indireta e nos serviços operacionais, os cargos em comissão permaneceram livres para nomeação. Nesse sentido, em setembro de 1997, o governo avançou, com a criação de três novas carreiras na área de Supervisor Médico-pericial, na de Analista de Comércio Exterior, na de Fiscal de Defesa Agropecuária, que terão remuneração baseada no desempenho profissional.