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societárias, resultantes de conflitos e contradições entre os diversos sujeitos da sociedade civil e da

sociedade civil.3 Esta se apresenta com seus diversos sujeitos sociais em ação, com seus diferentes focos de lutas de classes, de etnias, de gênero, religiosas, ecológicas, entre outros, constituindo um espaço de representação política e de sociabilidade, onde pontilham ações coletivas representativas desses diversos interesses.

A visão de Estado aqui adotada, apesar de buscar inspiração na visão crítica de origem marxista, não assume uma perspectiva ortodoxa, que enxerga o Estado como elemento puramente instrumental, de uso exclusivo do poder da classe dominante. Dela se distancia, no entanto, sem negar o caráter classista e o poder de controle que a classe dominante exerce sobre o Estado. Todavia, assume o entendimento de Poulantzas (1985) acerca do Estado como condensação dos interesses conflitantes das classes sociais no capitalismo moderno, como um mediatário de uma sociedade dividida em classes.

Poulantzas (1985, p. 147) entende o Estado como "(...) uma relação, mais exatamente como a condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe, tal como ele expressa, de maneira sempre específica, no seio do Estado". O Estado, como relação, assume o caráter dialético das relações de poder entre as classes e frações, na sua própria estrutura, sendo sua essência entranhada pelas contradições, não podendo, pois, representar mecanicamente e instrumentalmente apenas os interesses de uma única classe, embora assuma, através de uma relação de forças, predominantemente, os interesses da classe dominante.

Para o mesmo autor (p. 49) o Estado-relação assim se configura: "O Estado, sua política, suas formas, suas estruturas, traduzem portanto os interesses da classe

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Emprega-se a concepção de Gramsci que compreende a sociedade civil como aspecto fundamental da sociedade, relacionando-se intrinsecamente com o Estado, dele sendo parte: “Podemos fixar dois grandes "níveis" superestruturais: o primeiro pode ser chamado de "sociedade civil", isto é, o conjunto dos organismos vulgarmente denominados de "privados"; e, o segundo, de "sociedade política" ou do "Estado". Esses dois níveis correspondem, de um lado, à função de "hegemonia", que o grupo dominante exerce em toda a sociedade; e de outro, à "dominação direta" ou ao comando que é exercido através do Estado e do governo "jurídico" (GRAMSCI,1988, p. 149).

dominante não de modo mecânico, mas através de uma relação de forças que faz dele uma expressão condensada da luta de classes em desenvolvimento", ou mesmo, o Estado como um território de luta de classes, onde a correlação de forças, historicamente dada, delimita o espaço de poder de cada classe e onde se estruturam as relações sociais.

Na visão de Poulantzas (1985, p. 21), é preciso entender-se o Estado como fenômeno temporal e dinâmico, que reflete o contexto histórico no qual está inserido. O papel que ele assume na economia e na sociedade varia de acordo com correlação de forças entre as classes e seus segmentos nos fases do capitalismo. Em cada momento histórico, as relações de produção e a divisão social do trabalho assumem configurações diferenciadas. O papel político do Estado sofrerá alterações demandadas pelas relações de poder, pelas correlações de forças, pela ação política das classes e frações de classes, de determinada formação social, aspecto que se torna fundamental para se entender o processo das transformações pelas quais o Estado está passando no atual momento do capitalismo.

Neste trabalho, será discutida a crise do Estado no Brasil tendo como referência elementos empíricos e as contribuições teóricas sobre a crise do Estado de Bem-estar, que conheceu seu apogeu nas sociedades européias onde se adotou a social-democracia e naquelas que discutem a reforma do Estado, especialmente nos países dependentes, no atual contexto social, econômico e político. A configuração que Estado brasileiro assumiu após a década de trinta, para alavancar o processo de desenvolvimento econômico hegemonizado pelo capital industrial, que se convencionou chamar de Estado desenvolvimentista, se aqui não é um sucedâneo daquela forma de estado capitalista, dele assumiu alguns elementos de identificação, destacando-se, entre outros: a garantia da reprodução do capital pelo fundo público, tanto do ponto de vista do

capital, quanto do trabalho, sendo, portanto, uma forma de mediação política entre as classes e grupos sociais; o padrão de organização social fundado em instituições políticas representativas de interesses de grupos e classes e um incipiente provedor de políticas sociais de bem-estar.

O Estado de Bem-estar foi uma das soluções buscadas pelo capitalismo, no sentido de superar a crise do final dos anos vinte, nos países de capitalismo avançado, atribuindo-se ao Estado o duplo papel de financiador/subsidiador da acumulação privada e de provedor de políticas sociais compensatórias, como saúde, educação, seguridade social, seguro desemprego, transporte, entre outras. Essas políticas sociais, entendidas como direito social dos cidadãos, e não como caridade, atuam na reprodução da força de trabalho que também beneficiam o capital. Essas funções do Estado são financiadas pelo fundo público, originado dos excedentes privados, através dos impostos por ele cobrados, especialmente dos trabalhadores formalmente inseridos no mercado de trabalho. Essas configurações do Estado deitam suas raízes no final do século XIX e início do século XX e resultaram das lutas sociais que determinaram uma mudança de rumos do Estado liberal em direção a um Estado social.

Segundo Fiori (1995a:3) é "depois da Primeira Guerra Mundial que foram programadas, pactuadas e teorizadas as novas funções do Estado no planejamento e na organização-gestão do capitalismo monopolista", e, especialmente, a partir da crise de 1929. É, portanto, nesse contexto histórico, que se desenha o novo formato do Estado, onde a visão liberal é minimizada, como salienta Fiori (1995a, p. 3).

"O estado capitalista redefine-se como instrumento básico na prevenção e controle das crises, mediante o estímulo planejado e o monitoramento das 'contratendências' do sistema capitalista: manutenção e ampliação de taxas de lucros capazes de sustentar expectativas estáveis a médio prazo, manutenção de um nível de investimento compatível com as exigências de emprego e consumo da população e com as exigências da reprodução ampliada do próprio capital".

Essa configuração social se fortalece no período após a Segunda Guerra Mundial, amparada num pacto social entre capital e trabalho e numa ampla coalizão entre as forças sociais e políticas, impulsionada pelo terror das guerras e pelas crises econômica, financeira, social e política. O consenso daí resultante garantia uma redistribuição de rendas a partir dos ganhos salariais e de bem-estar; preocupava-se com a garantia de emprego o que permitiu ao capital um longo período de acumulação, com crescimento econômico e altos lucros, fazendo uma aliança política entre as idéias Keynesianas e da social-democracia.

Essa forma de sociabilidade representou, no plano político, um contraponto ao movimento de revolução socialista, que se apresentava no Leste Europeu e influenciava a ação política dos trabalhadores, representando, assim, um movimento de reforma. Análise importante nesse sentido é feita por Santos (1998, p. 1).

"O reformismo, predominante nos países centrais e estendido a todo o sistema mundial, tem o Estado como elemento de reforma da sociedade. Representa um processo político, uma institucionalidade que significou a vigência possível do interesse geral ou do interesse público numa sociedade capitalista, um interesse desdobrado em três grandes temas: a regulação do trabalho; a proteção social contra os riscos sociais e a segurança contra a desordem e a violência”.

Para o mesmo autor (p. 2), a forma política mais acabada do reformismo foi o Estado-Providência, nos países centrais do sistema mundial e o Estado desenvolvimentista, nos países semiperiféricos e periféricos. Nos países da Europa ocidental, esse modelo de acumulação, intermediado pelo Estado, configurou a social- democracia e obteve êxitos, tanto no que se refere à acumulação e distribuição de riquezas, quanto na oferta de políticas públicas. Até a década de 1970, esse modelo gozou de reconhecida legitimidade, especialmente porque se traduziu num amplo pacto entre as classes dominantes e as classes subalternas.4 A partir de então, há um aparente

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Classes subalternas, na concepção de Gramsci, correspondem às classes trabalhadoras, também chamadas de classes dominadas. Essa discussão aparece esparsa em diversos escritos, mas

consenso político e social de que esse modo de sociabilidade entra em crise, afetando diretamente o Estado, que passou a vivenciar uma crise de natureza fiscal, política, social, econômica e institucional.

Essa crise estrutural que compromete os níveis de acumulação e as taxas de lucro alcançadas até então, e que se reflete no Estado, revela uma crise do complexo sócio-histórico, onde a vida social era regulada e disciplinada pelo Estado, conduzindo- o a uma reestruturação social que envolve o compromisso ou pacto interclasse anterior, que permitia algum controle do processo de valorização do capital e uma certa homogeneidade social que leva a uma série de desdobramentos no mundo do trabalho, nas organizações sindicais e político-partidárias, e, fundamentalmente, ocasionando a uma mudança na conformação assumida pelo Estado, até então. Sobre essa questão, assim analisa Raichelis (1998, p. 63), "o que está em questão com a crise do Estado do Bem-Estar é a possibilidade de compatibilizar capitalismo e equidade, ou seja, acumulação e garantia de direitos políticos e sociais à maioria da população".

O modelo de acumulação capitalista brasileiro, que se configurou após 1930, sobrepujou-se ao processo anterior agrário-exportador, assumindo uma forma de substituição de importações. Esse modelo privilegia a industrialização, como centro do processo de acumulação e engendra uma forma de Estado que dirige a sua ação para garantir permanentemente, além dos elementos estruturais do sistema produtor de mercadorias (propriedade privada, sistema de mercado e, portanto, economia capitalista), o financiamento do processo de acumulação, através do fundo público, caracterizando uma lógica de acumulação regulada pelo Estado, orientando-se no sentido de garantir algumas políticas sociais; revelando, nesses dois últimos aspectos, pontos em comum com o Estado de Bem-Estar europeu.