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A Reforma do Aparelho do Estado: as interfaces entre o público e o privado A reforma do Estado, direcionada para garantir um ajuste fiscal, a introdução da

principalmente, nos Quaderni del carcere Edição crítica de Valentino Gerratana 2 ed Turim, Eunaudi,

A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL: A LÓGICA MERCANTIL NAS POLÍTÍCAS SOCIAIS

2.2. A Reforma do Aparelho do Estado: as interfaces entre o público e o privado A reforma do Estado, direcionada para garantir um ajuste fiscal, a introdução da

administração gerencial, sua redução ou "enxugamento" das instituições estatais. Nessa reforma privilegiou-se a dimensão institucional descolada da dimensão do Estado "como expressão das relações de poder no conjunto da sociedade" (Sader, 1999, p. 129), da democracia e da cidadania, onde o cidadão é reduzido ao consumidor.

Como todo o ordenamento jurídico que dá configuração ao Estado está regulamentado na Constituição da República de 1988, desde então, os governos têm proposto sua reforma. Esses governos afirmam ser a Constituição de 1988 a responsável pela ingovernabilidade e pelo "engessamento" do desenvolvimento econômico brasileiro.14

O núcleo central do projeto do governo de Fernando Henrique Cardoso, além da estabilização monetária (Plano Real), se constituiu das reformas da ordem econômica que incluem a abertura da economia, as privatizações de empresas e serviços estatais, a reforma do Estado, compreendida pelas reformas tributária, do Aparelho do Estado e da Previdência. Na perspectiva do próprio governo, a Reforma do Estado compreende, de forma mais ampla, as reformas da ordem econômica, a tributária e a do Aparelho do Estado e se constitui em "instrumento indispensável para consolidar a estabilização e assegurar o crescimento sustentado da economia".15

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Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília. 1995 (a). Exposição de Motivos que acompanha a proposta de reforma administrativa, feita pelos ministros da Justiça, da Previdência e Assistência Social, da Administração Federal e da Reforma do Estado, da Fazenda, da Educação e do Desporto e do Planejamento e Orçamento. Brasília, agosto de 1995 (b).

15

Em palestra proferida "Administração gerencial no Setor público: o futuro da União, dos Estados e dos Municípios. Texto On-line, Disponível em: www.mare.org.br. Acessado em 10/11/1999.

A importância atribuída a essa reforma justificou a criação do Ministério da Administração e da Reforma do Estado – MARE, dirigido pelo economista e empresário, Luís Carlos Bresser Pereira, que foi o representante brasileiro na reunião do "Consenso de Washington". Conjunto de preceitos e princípios norteadores dos ajustes macroestruturais de inspiração neoliberal. 16 Segundo o governo, o Estado brasileiro desviou-se de suas funções precípuas, para atuar, com grande ênfase, na esfera produtiva, o que teria acarretado distorções crescentes e estaria pondo em xeque o modelo econômico em vigência. Seguindo essa linha de raciocínio, apresenta o diagnóstico, (Plano Diretor, p. 12):

a crise do Estado está na raiz do período de prolongada estagnação econômica que o Brasil experimentou nos últimos quinze anos. Nas suas múltiplas facetas, esta crise se manifestou como crise fiscal, crise do modo de intervenção do Estado na economia e crise do próprio aparelho estatal.

Nessa visão do governo, as causas do descontrole fiscal, da redução das taxas de crescimento econômico, do aumento do desemprego e dos elevados índices de inflação estariam na crise do Estado, que não soube processar, de forma adequada, a sobrecarga de demandas a ele dirigidas.Os Ministros e tecnocratas do governo, Bresser Pereira (1997, p. 14) e Claudia Costin (1998), compartilham algumas idéias e explicações sobre a crise do Estado e uma concepção comum sobre a reforma do Estado no Brasil. Segundo eles, uma das principais causas da crise econômica do Brasil e demais países da América Latina é a crise do Estado. Eles apontam quatro dimensões principais da crise: a fiscal, a do modo de intervenção da economia e do social e a do aparelho de Estado, ou da forma de gerenciamento. Para se resolver a crise do Estado, propõe-se reconstruí-lo, com amparo de uma visão social-liberal, ou seja, de um Estado voltado

16

No segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, iniciado em 01/01/99, o MARE é transformado em Secretaria, assumida pela antes Ministra Interina Claudia Costin, enquanto o Sr. Bresser Pereira assume a direção do CNPQ. Em junho do mesmo ano a Secretaria é incorporada pelo Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão.

para o mercado e que contrata a realização de serviços no mercado e em organizações públicas privadas.

Há que se indagar sobre os verdadeiros interesses aos quais essa reforma do Estado atende. A sociedade civil: sindicatos combativos, partidos de esquerda, parte da Igreja Católica, movimentos sociais, defendem uma reforma radical, na direção da democratização do Estado, pela ampliação e universalização do acesso aos bens e serviços por ele produzidos, aproximando-se, assim, mais do Estado Social ou do bem- estar-social.

Por outro lado, ganham relevo, no meio governamental, entre burocratas, políticos e de instituições a ele alinhadas, a exemplo da Escola Nacional de Administração Pública - ENAP, vários intelectuais a ela ligados, e outros, como Nuria Cunill Grau, que apontam para os seguintes eixos de pensamento: demonstram que o Estado de Bem-Estar é corporativo, num sentido pejorativo, defensor de interesses espúrios/ilegítimos; que o Estado está em crise, porque promovia os interesses corporativos, cuja relação entre as esferas pública e privada se misturam; que os interesses dos grupos sobrepõem-se aos interesses da maioria; que o Estado caminha para a ampliação da administração burocrática, causa do engessamento da ação estatal; que há a construção de um consenso de que ao Estado cabe regular e transferir e não executar os serviços públicos. Essas idéias justificam e orientam uma reforma do Estado, que quebra a estrutura vigente e caminha na direção de um Estado "moderno" e "democrático", que tem no cidadão um consumidor e elemento fiscalizador dos serviços públicos.

A crise aponta para uma reforma do Estado que se deve encaminhar para novas formas de participação direta dos cidadãos, configuradas nos movimentos sociais e nas formas de participação cidadã das instituições sem fins lucrativos, que estão

promovendo a produção de serviços sociais, ampliando a sociedade civil como espaço público não estatal, reforçando a tendência de as instituições da sociedade civil assumirem a prestação de serviços sociais, na tentativa de suprir as carências da população diante do vácuo do não atendimento pelo Estado.

O formato assumido pela reforma administrativa se inspira em reformas ocorridas, especialmente, na Inglaterra e na França, países que forneceram apoio técnico e orientação ao programa brasileiro. Entretanto, o mais importante apoio à reforma adveio do BID através do Programa de Modernização do Poder Executivo Federal (1998) que forneceu apoio técnico e financeiro através da carteira de Projetos do Fundo de Operações Especiais desse banco. O programa ofereceu financiamento de até 750.000,00 dólares para realizar um "Programa de Modernização". Esse convênio previa que o "BID financiaria a contratação de consultores, empresas, compra de equipamentos, elaboração de documentos e a realização de seminários e ‘workshop’", relacionados com o programa. Nesse mesmo documento (p.20) explicita-se que a estratégia do BID no país, "concentra-se em três grandes áreas prioritárias: i) o apoio às reformas do setor público e à modernização do Estado, tanto no nível federal como estadual; ii) o apoio aos setores sociais, melhorando a cobertura dos setores de educação e saúde, e reduzindo os seus custos de produção e distribuição no país". (Programa de Modernização do Poder Executivo Federal, 1998, p. 20)

O documento do Programa (p.21) informa que o Banco Mundial também prepara projetos na área de Reforma do Estado, nos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, que tratam da melhoria da governabilidade dos diversos níveis da administração pública estadual. O mesmo documento explicita também que o governo brasileiro tem recebido colaboração de países que experimentaram reformas do Estado, como a Inglaterra e a França. O

primeiro ofereceu assistência técnica ao MARE, na formulação de estratégias e planos para a reforma administrativa e na elaboração do Programa de Modernização; o segundo proporcionou apoio técnico à capacitação de funcionários do MARE, atendidos na França, além de enviar técnicos ao Brasil para realizar seminários sobre a modernização do Estado.

Com o objetivo de modernizar a administração pública federal, o programa (p.22) assume, como estratégia: a reforma institucional; a modernização na gestão e o desenvolvimento de recursos humanos; a gestão e tecnologia de informação e o atendimento ao cidadão, com base nos novos marcos legais e propostas de reestruturação elaborados pelo governo.

Notícia publicada na página do MARE na Internet (http:/www.mare.gov.br, acesso em 23/11/1998) realça a importância que o programa de reforma do Estado no Brasil assume, para o governo e para o BID:

O Ministro destacou o interesse pessoal do presidente do BID, Enrique Iglesias, no desenvolvimento do programa de reformas brasileiro, que vem sendo desenvolvido há três anos, com a colaboração dos funcionários do banco. Por sua vez, Iglesias informou que pretende levar a outros países da América Latina e do Caribe o modelo de reforma administrativa que o Brasil está adotando.

A Reforma do Aparelho do Estado foi idealizada por um Plano Diretor que definiu as diretrizes e apontou as estratégias para sua implantação. Ela operou mudanças em diversos artigos da Constituição (os artigos: 27, 28, 29, 37, 38, 41, 48, 51, 52, 57, 70, 93, 95, 96, 127, 132) e elaborou diversas leis regulamentando a nova configuração do Estado.

A análise que Costa (1998, p. 3) faz da reforma administrativa é orientada pela tese, também partilhada por outros autores (Geddes, 1994 e Nunes, 1997, apud Costa),

de que as escolhas das elites políticas é a variável explicativa fundamental para a emergência e consolidação das reformas administrativas nos diferentes cenários institucionais. Segundo essa visão, a reforma administrativa é definida pelas mudanças estimuladas pelas elites políticas nos mecanismos de tomada de decisão do aparelho do Estado que alteram os critérios tradicionais de formação da burocracia e que introduzem novos mecanismos contratuais nas organizações públicas.

A questão da tomada de decisão é destacada por considerar-se que as elites políticas têm como horizonte estratégico a criação de ambiente institucional que facilite a implementação de suas escolhas e ofereça sustentabilidade às orientações que definem para a economia e para as funções do Estado".

No plano jurídico, essa reforma, também chamada de Reforma Administrativa, constou da Emenda Constitucional nº 19, aprovada em março de 1998, que encetou mudanças nos itens atinentes à administração pública e em todo o aparato legal definidor da institucionalidade estatal, através da edição de decretos, leis, medidas provisórias, portarias, regulamentando a nova configuração do Estado e as novas instituições que executarão os serviços sociais. Este trabalho dedicará maior atenção à análise das mudanças dos artigos 37 e 41, que atingem os servidores públicos, de forma mais direta.

2.3. As Principais mudanças nas instituições estatais: administração gerencial no