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Capítulo 2 – A QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO

2.5 Novas Modalidades de Organização e Funcionamento

Em muitos países, as Instituições de Ensino Superior estão a iniciar transformações radicais para se adaptarem melhor à nova procura em matéria de ensino e aos novos desafios que exige a competitividade. A meta principal é incrementar a flexibilidade institucional e reforçar a capacidade de adaptação das instituições e os programas de ensino superior. Estas reformas são exaustivas, dado que cobrem desde as ofertas de programas, a estrutura e organização académicas, os processos pedagógicos e modos de transmissão do conhecimento até à infra-estrutura física e a profissão de docente.

Muitas alterações se introduzem ou se possibilitam, mediante a utilização de novas tecnologias. Estas podem-se utilizar, seja como ferramentas pedagógicas para transformar o processo de aprendizagem, seja como ferramentas de comunicação que apoiam novas modalidades para partilhar informação, seja ainda como ferramentas de recursos (por exemplo, bibliotecas electrónicas) e como ferramentas administrativas para melhorar a eficiência e rentabilidade dos processos de gestão académica. As inovações nas tecnologias da informação e da comunicação colocam novos desafios no que respeita à pedagogia, administração académica, direcção e financiamento, requisitos de garantia da qualidade e direitos de propriedade intelectual.

Garder (2002) refere cinco aspectos que considera relevantes no âmbito das novas modalidades de organização e funcionamento, das Instituições de Ensino Superior, e que se indicam a seguir:

• Novos programas educativos e novos clientes (públicos) • Organização e gestão

• Métodos pedagógicos • Infra-estrutura

a) Novos programas educativos e novos clientes (públicos)

Sob uma perspectiva de educação contínua, as alterações quanto às ofertas de programas apresentam dois aspectos. Em primeiro lugar, o conteúdo e os objectivos de aprendizagem dos programas tradicionais, devem-se ajustar de modo a que ofereçam os conhecimentos e capacidades básicas que se requerem para dar a todos os estudantes a possibilidade de empreender novas aprendizagens e reforçar as suas competências ao longo da vida. Em segundo lugar, as Instituições de Ensino Superior devem ampliar as suas alternativas de programas, para satisfazer as necessidades de aprendizagem de estudantes não tradicionais, com diversas motivações e objectivos, por exemplo, pessoas, cuja intenção seja mudar de profissão, formados que retomem o estudo para actualizar os seus conhecimentos e reformados ou aposentados, interessados no seu próprio crescimento intelectual54. Por conseguinte, pode-se antecipar uma alteração significativa na configuração das Instituições de Ensino Superior, com mais estudantes que procuram um segundo ou um terceiro grau ou um diploma profissional, e uma maior proporção de estudantes, tanto jovens como de idade mais avançada, matriculados em actividades de ensino continuadas de curto prazo.

b) Organização e gestão

À medida que os sistemas de ensino superior deixam de ser privilégio da elite e se vão massificando, e à medida que a ênfase se vai mudando mais e mais do ensino para a aprendizagem, os estudantes convertem-se nos verdadeiros protagonistas do acto educativo: são clientes primários, consumidores e pessoas que aprendem. Esta mudança exige o estabelecimento de mecanismos apropriados de organização e gestão, a fim de

54 Para colmatar esta necessidade e a par das instituições de ensino tradicionais surgiram na década de 70, em França, as Universidades da Terceira Idade para proporcionar aos mais velhos a possibilidade de aprenderem ou ensinarem e promover o convívio salutar e útil entre gerações. Em Portugal o primeiro estabelecimento de ensino para a terceira idade, instalado e a funcionar desde 1978, foi a Universidade Internacional para a Terceira Idade -UITI (UITI, http://uiti.no.sapo.pt) tendo as suas actividades merecido em 1982, o reconhecimento da UITI pelas Nações Unidas como organismo internacional não governamental, o que permite à Universidade exercer a sua actividade e participar nos programas promovidos pelas Nações Unidas em qualquer dos países membros destas. O Governo português, através do Ministro da Educação, autorizou a utilização da designação e sigla Universidade Internacional para a Terceira Idade – UITI e bem assim, o prosseguimento das actividades educativas não curriculares de formação e investigação ao abrigo da Portaria n.º 923/84 de 17 de Novembro, DR I Série nº. 290. Contudo, estas universidades não emitem certificados ou grau académico dos cursos ministrados, porque assentam numa aprendizagem informal. As vantagens de ingressar nestas universidades passam pela integração na sociedade, frequentar actividades desportivas, culturais e recreativas, reforçar laços de amizade com outras pessoas, adquirir conhecimentos, sentir-se útil, não se sentir só e contribuir de forma pró-activa tomando a iniciativa para a comunidade. Foi constituída a RUTIS (Rede de Universidades da Terceira Idade) que é uma Associação sem fins lucrativos, de âmbito nacional, de apoio aos seniores e às Universidades e Academias da Terceira Idade portuguesas (http://www.rutis.org). A RUTIS

desempenhar estes novos papéis e os novos desafios que se colocam. É preciso que as Instituições de Ensino Superior desenvolvam em especial capacidades, que lhes permitam realizar avaliações dos beneficiários. Também, devem informar e orientar os estudantes no que concerne à escolha de cursos, assim como ter em conta as necessidades dos alunos com dificuldades especiais e manter a ligação com os formados, como fontes de emprego para os estudantes e a obtenção de fundos.

Também, é indispensável contar com mecanismos eficazes de retroacção (feedback) do mercado laboral, como inquéritos de rastreio e consultas periódicas com empregadores e estudantes, a fim de ajustar os currículos de modo a satisfazer as necessidades do mercado de trabalho. Não há melhor vínculo, do que aquele que estabelece uma nova Instituição de Ensino Superior que está plenamente integrada com uma estratégia de desenvolvimento regional. Isto sucedeu na Finlândia, onde a Universidade de Oulu se converteu numa das melhores Instituições de Ensino Superior dos países nórdicos. A zona rural de Oulu, perto do Círculo Polar Ártico, transformou- se numa zona de alta tecnologia onde se encontram em perfeita simbiose organizações de primeira categoria (como é o caso da Nokia), parques científicos dedicados à investigação aplicada em electrónica, medicina e biotecnologia e a universidade com os seus cerca de 15 800 estudantes (University of Oulu, Annual Report, 2004).

No que respeita à estrutura institucional, é necessário articular as disciplinas tradicionais de modo diferente para poder responder ao surgimento de novos campos científicos e tecnológicos mudando o rumo para um modo de produção de conhecimento baseado nos problemas, deixando de lado a abordagem clássica fundamentada nas disciplinas académicas e eliminando a distinção entre investigação básica e aplicada. Actualmente, com o aparecimentos de novas áreas como a biologia molecular (estudo das propriedades funcionais, da estrutura, da degradação e da síntese de moléculas constituintes dos seres vivos), a biotecnologia (conjunto de técnicas que têm por objectivo realizar transformações no domínio da química, da farmácia e da indústria agro-alimentar, pela acção de microrganismos), a micro electrónica (conjunto de técnicas de construção de circuitos electrónicos miniaturizados), a nanotecnologia (tecnologia que tem por objectivo o fabrico de mecanismos de dimensões extremamente reduzidas) ou as neurociências (qualquer ciência ou estudo científico que se ocupa do sistema nervoso) entre outras, leva a que a formação e investigação nestes campos exija

a integração de várias disciplinas que, anteriormente, se consideravam separadas e distintas. Daí que, haja a necessidade de criar programas interdisciplinares e multidisciplinares que transcendem as abordagens tradicionais (Gardner, 2002).

c) Métodos pedagógicos

A introdução de novos métodos pedagógicos, sustentados em diferentes alternativas, está a começar a revolucionar o ensino e a aprendizagem no ensino superior. O uso concomitante de multimédia, computadores e Internet possibilita experiências de aprendizagem mais activas e interactivas (por exemplo, apoio entre pares e auto-aprendizagem, a aprendizagem através de experiências da vida real, etc.). O ensino tradicional presencial pode-se complementar ou combinar com um ensino assíncrono ou síncrono. Por exemplo, através da utilização das tecnologias de multimédia digital interactiva, da engenharia de software e da Internet, pode-se diversificar e enriquecer os sistemas de aprendizagem. As tecnologias de multimédia e da engenharia de software permitem criar novos tipos de materiais pedagógicos, enquanto a Internet possibilita a infra-estrutura para a comunicação e para a colaboração em tempo real (on-line). É o caso do e-learning55. O e-learning recorre à Internet e às tecnologias multimédia para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem, eliminando as barreiras da distância e do tempo (Carriço & Marques, 2007).

d) Infra-estrutura

A adopção de métodos pedagógicos e modo de ministrar o ensino que dependem significativamente das tecnologias de informação têm implicações de longo alcance, tanto positivas como negativas, no que se refere à concepção e custo da infra- estrutura física das Instituições de Ensino Superior. As novas tecnologias exigem um investimento significativo em equipamentos e em redes por cabo ou sem fios (wireless), para além dos altos custos na manutenção da infra-estrutura, formação e apoio técnico. Calcula-se que o investimento inicial representa cerca de 25% dos custos totais relacionados com a compra, a utilização e manutenção de equipamentos informáticos e software assim os custos recorrentes podem representar até 75% dos custos de vida útil

55 A iniciativa «e-Learning: pensar o futuro da educação» adoptada pela Comissão Europeia em 24 de Maio de 2000, na sequência das conclusões do Conselho Europeu de Lisboa, expôs os princípios, os objectivos e as linhas de acção de e-Learning, definidos como a utilização das novas tecnologias multimédia e da Internet, para melhorar a qualidade da aprendizagem, facilitando o acesso a recursos e a serviços, bem como a intercâmbios e colaboração à distância. A

do investimento em tecnologia (World Bank, 2002). Semelhantes investimentos e custos recorrentes, colocam desafios importantes para as Instituições de Ensino Superior, em particular nos países em desenvolvimento ou em momentos de crise como a que actualmente se está a viver em Portugal e no mundo. A reformulação de programas e currículos com base na aprendizagem e na investigação interdisciplinar e multidisciplinar implica, modificações significativas na organização da infra-estrutura dos laboratórios e oficinas necessários para o apoio aos programas de ciências básicas e de engenharia.

Ao mesmo tempo, o uso sensato de novas tecnologias pode ser uma fonte de poupança importante. No Reino Unido, o custo de produzir um formado pela Open

University (Universidade Aberta), é cerca de um terço do correspondente a uma

universidade tradicional. As bibliotecas tradicionais estão a converter-se em centros de informação multifuncionais, à medida que a digitalização de informação vai transformando o seu trabalho básico. Muitas bibliotecas académicas utilizam na actualidade, recursos de informação existentes na rede de redes (Internet), por exemplo, bases de dados comercialmente disponíveis, como um meio para expandir o acesso a todos os membros da comunidade académica a informação pertinente. As bibliotecas, em conjunto com as Instituições de Ensino Superior e outras instituições, também se comprometeram em conservar materiais educativos em formato digital. Por exemplo, na Coreia, o serviço de informação de educação e investigação (em inglês, Keris – Korea

Education & Research Information Service), organização financiada pelo governo e criada em 1999, apoia a compra e a utilização partilhadas de bases de dados académicas internacionais e de revistas cientificas e académicas on-line, de alta qualidade, que ajudam as Instituições de Ensino Superior a economizar os seus recursos financeiros através do Sistema EDUNET. O EDUNET (ver figura 2.1) é um sistema de informação onde todos os cidadãos incluindo estudantes, docentes e público em geral têm acesso. Este serviço disponibiliza materiais de ensino multimédia para docentes, livros, etc.

Fonte: EDUNET, http://www.edunet4u.net/main/english/servicesEducational.jsp

Figura 2.1 - Sistema de informação EDUNET

O uso de CD-ROM, DVD e bases de dados da rede pode não só substituir parcialmente caras colecções de revistas e livros, mas também aliviar a escassez de espaço físico que enfrentam muitas bibliotecas. No Canadá, 64 universidades agruparam os seus recursos para estabelecer licenças para uso de revistas académicas on-line. Isto permitirá, o acesso a um conjunto maior de informação digital a Instituições de Ensino Superior de menor dimensão que, não dispõem de capacidade financeira para manter uma variedade bibliográfica (Paskey, 2001). No entanto, sejam quais forem as circunstâncias, a decisão de subscrever recursos específicos da rede se deve ter em conta as vantagens e as desvantagens em cada caso, incluídas as implicações do custo utilizando recursos digitalizados ou impressos.

Porém, as novas tecnologias não são panaceia para todos os males. Para criar um ambiente de aprendizagem mais activo e interactivo, os docentes devem ter uma visão eficaz de as integrar na concepção e transmissão dos programas, isto é, o que os especialistas denominam por «integração educativa». Os docentes devem estar preparados para o uso dos novos meios de comunicação e apoios pedagógicos necessários.

Um relatório (Teaching at an Internet Distance: the Pedagogy of Online

graduação destaca algumas áreas às quais é preciso dar grande atenção (University of

Illinois, 1999; Mendels, 2000). Para que o ensino em tempo real (on-line) seja de qualidade, é recomendável a constituição de grupos (turmas) de pequena dimensão, da ordem de trinta estudantes. Não parece conveniente recorrer só às aulas em tempo real (on-line), pois, os estudantes devem aprender a pensar de maneira critica e a interactuar socialmente como preparação para a vida profissional. A combinação de aulas em tempo real (on-line) e aulas tradicionais presenciais dá aos estudantes mais oportunidades de interacção humana e desenvolvimento de aspectos sociais da aprendizagem através da comunicação directa, o debate, a troca de ideias, etc. Isto também, se aplica à concepção de programas de ensino a distância, que requerem a combinação dos objectivos de aprendizagem com o apoio necessário.

e) A profissão de docente

A profissão de docente56 está, por sua vez, a mudar como resultado das transformações ocorridas nos métodos académicos e pedagógicos. Integrando adequadamente a tecnologia nos currículos, os docentes podem deixar de ser instrutores, como é a sua função tradicional, e converter-se em facilitadores de aprendizagem. A chegada do multimédia e do ensino por computador provocou uma desagregação das funções tradicionais dos docentes, de conceber o curso, seleccionar textos e leituras, ministrar as aulas e avaliar os recursos disponíveis. A necessidade das instituições de educação superior responderem com celeridade aos sinais de mudança do mercado laboral e ajustar-se com prontidão às mudanças tecnológicas, também pode traduzir-se numa organização mais flexível quanto à localização do pessoal docente e à avaliação do seu desempenho. Pode, numa situação radical atendendo à multiplicação de programas e cursos em tempo real (on-line), induzir as Instituições de Ensino Superior a contratar docentes independentes não vinculados a nenhuma Instituição de Ensino

56 Com o Dia Mundial do Docente (celebrado anualmente a 5 de Outubro desde 1994) comemora-se a adopção conjunta da Recomendação relativa à condição dos docentes por parte da OIT e da UNESCO em 1966. Em 1997 a UNESCO adoptou, outra Recomendação, relativa à condição dos docentes do ensino superior (aprovada na Conferência Geral na sua 2.ª reunião realizada em Paris, de 21 de Outubro a 12 de Novembro de 1997). Em ambas as recomendações estabelecem-se orientações gerais sobre temas tão fundamentais como, a preparação e as condições de emprego dos docentes, a partição destes e suas organizações nas decisões relativas à educação, e as medidas que se deverão adoptar a nível nacional para promover a formação de um professorado de qualidade e a criação de contextos de aprendizagem. As Recomendações de 1966 e 1997 são, até à data, as únicas normas internacionais detalhadas que se referem à profissão docente.

Superior (universidades em particular), para preparar cursos adaptados às necessidades do mercado.