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Capítulo 2 – A QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO

2.2 O Ensino Superior num Ambiente Global Dinâmico

De acordo com Seves (2003) as primeiras evidências de formação superior encontram-se na cultura suméria20 por volta de 2400 a.C. e foram as notáveis percursoras da universidade, por exemplo, na Academia de Platão, no liceu de Aristóteles21, nas escolas superiores em Constantinopla, Índia (Nolanda, século V), China (Xian, século VII) e na zona de denominação árabe (Bagdad, Cairo, Córdoba, Granada, Toledo, séculos X e XI).

20 Os Sumérios eram habitantes da região sul da Mesopotâmia. Construíram uma grande civilização cujas origens remontam a 3 300 a.C. desconhecendo-se a sua origem. O que sabemos no entanto é que os Sumérios possuíam uma cultura superior, plenamente desenvolvida.

21 Tanto a Academia de Platão como o Liceu de Aristóteles estavam organizadas como comunidades complexas e diversificadas e não como um simples grupo composto pelo professor e pelos estudantes (alunos).

A primeira Instituição de Ensino Superior, a universidade22 (instituição social de nível superior, destinada ao cultivo dos saberes num processo de formação de humanidade, inscreve-se e funciona num sistema educativo, científico e cultural mais amplo, onde é chamada a ocupar um lugar de topo, e a empreender um desempenho de acrescida excelência (Moura, 1999)), nasce entre os séculos XI e XII, primeiro na forma de universitas scholarium, mais tarde como universitas magistrorum e universitas

magistrorum et scholarium (por exemplo, Bolonha data do século XII, seguida em

começos do século XIII por Valencia, Oxford e Paris; Coimbra é criada em 1279 (Gil, 1999)).

Na sua realidade «escolar», segundo Moura (1999), as universitates medievais eram organismos associativos: de estudantes (universitas scholarium, segundo o modelo bolonhês), de professores (collegia doctorum ou universitas magistrorum), de estudantes e docentes (universitas magistrorum et scholarium, na tradição parisiense); a denominação universitas studiorum é mais tardia, e recobre desta feita a totalidade das disciplinas ministradas num determinado centro de estudos.

O primeiro antecedente de uma Lei Orgânica Universitária foi a «Carta de Privilégios» outorgada pelo imperador Federico Barbarroja aos estudantes de Bolonha em 1155 (Seves, 2003). Daí em diante, diversas universidades receberam privilégios por carta imperial ou bula23 papal.

A educação superior teve ao longo do tempo um papel importante na sociedade (segundo Barreto (1999), globalmente, poder-se-á dizer que a evolução e a mudança na universidade foram, dentro do sistema educativo, as que mais impacte tiveram na sociedade), razão pela qual a educação superior e a investigação sejam hoje em dia parte fundamental do desenvolvimento cultural, económico (economia cada vez mais baseada no conhecimento) e ecologicamente sustentado dos indivíduos, das comunidades e das nações (UNESCO, 1998).

A última década do século XX caracterizou-se por alterações profundas e significativas no ambiente global, assim como, por novas tendências no cenário mundial

22 Do ponto de vista subjectivo, a «universidade» começou igualmente por indicar a ideia de um determinado colectivo.

que, de uma forma ou de outra, tiveram importantes repercussões em alguns aspectos, destacando-se, no papel, funções e modo de funcionamento dos sistemas de ensino superior no mundo, incluindo os países em desenvolvimento e transição. Algumas destas tendências traduzem-se em oportunidades, enquanto que outras, constituem desafios potenciais ou, inclusivamente, ameaças, que se poderão repercutir não só na forma e no modo de funcionamento, mas também, na missão e no propósito dos sistemas de ensino superior. Entre as alterações de maior influência destaca-se a importância cada vez maior do conhecimento como motor de crescimento no âmbito económico global, o surgimento de um mercado laboral de âmbito internacional, a revolução da informação e da comunicação e as transformações sociais e políticas globais. Ou seja, no actual ambiente global dinâmico destacam-se, para além de outros, pelo menos quatro aspectos a ter em conta (World Bank, 2002):

• O conhecimento como factor chave do desenvolvimento • O mercado laboral de âmbito internacional

• A revolução da informação e da comunicação • As transformações sociais e políticas globais

a) O conhecimento como factor chave do desenvolvimento

A capacidade de uma sociedade para produzir e utilizar o conhecimento é crucial, para alcançar um crescimento económico sustentado e melhorar o modelo de vida dos cidadãos. O conhecimento converteu-se no factor preponderante de desenvolvimento económico, e a acumulação de conhecimento surge como motor fundamental do processo de desenvolvimento (Conceição, Heitor & Santos, 1999).

O ensino permanente de nível superior permite aos países manter um processo constante de avaliação, adaptação e aplicação de novos conhecimentos (World Bank, 1999a). Num estudo elaborado pela OCDE, sobre os factores determinantes do crescimento, conclui-se que as taxas subjacentes de crescimento a longo prazo, nas economias dos países membros desta organização dependem da manutenção e expansão da base de conhecimentos (OCDE, 1998a). As economias mais avançadas tecnologicamente assentam no conhecimento, e deste modo geram trabalhos relacionados com o conhecimento num amplo espectro de disciplinas que surgiram

repentinamente. Actualmente, o conhecimento é um factor determinante da vantagem competitiva dos países; as vantagens comparativas entre as nações assentam cada vez menos na abundância de recursos naturais ou mão-de-obra barata e radica cada vez mais na inovação e utilização do conhecimento e na combinação destes24.

b) O mercado laboral de âmbito internacional

A globalização25, a diminuição dos custos das comunicações e dos transportes, e a abertura das fronteiras políticas são factores que, combinados facilitam a mobilidade de recursos humanos especializados. Esta dinâmica produziu de facto um mercado global de capital humano, onde os indivíduos com formação superior têm maiores possibilidades de participar. Neste mercado do século XXI, os países mais ricos tentam arranjar a melhor forma de atrair os indivíduos de maior capacidade. Segundo Afonso (1999) «o mundo para o qual fomos preparados já não existe». Entre os factores mais poderosos de atracção, destacam-se as políticas que fomentam de maneira eficaz as actividades de investigação e desenvolvimento e aumentam o investimento directo, oferecem ensino de pós-graduação atractivo e oportunidades de investigação, e contratam jovens recém graduados e profissionais. No caso dos países da OCDE, estes, aumentaram o seu investimento na investigação e desenvolvimento, não só no sector da ciência e tecnologia, mas também, em outros sectores baseados no conhecimento, criando assim oportunidades para as pessoas altamente especializadas. Por exemplo, no início do ano de 2001, o governo australiano anunciou um incremento de 100% para o financiamento do Conselho Australiano de Investigação e uma isenção de impostos equivalente ao gasto das empresas em actividades de investigação e desenvolvimento.

Cerca de 25% dos estudantes de ciências e engenharia inscritos em programas universitários de pós-graduação nos Estados Unidos da América, provêm de outros países26, isto é, entre 50 mil e 100 mil estudantes estrangeiros ingressaram no mercado norte-americano de capital humano especializado (World Bank, 2000).

24 O Banco Mundial (World Bank, 1999a) no seu relatório Knowledge for Development (o conhecimento ao serviço do desenvolvimento) refere o caso de sucesso de Bangalur, a capital da indústria indiana do software.

25O mundo caracteriza-se por rápidas mutações, uma globalização crescente e uma maior complexidade em termos

de relações económicas e sócio-culturais. A velocidade a que se estão a efectuar estas mutações repercute-se no contexto em que deve ser colocada qualquer reflexão sobre os objectivos futuros dos sistemas de educação e formação. As novas sociedades e estruturas económicas são cada vez mais guiadas pela informação e o conhecimento (Conselho da União Europeia, 2001).

O mercado laboral global de capital humano altamente qualificado é uma realidade em expansão e é uma preocupação prioritária dos governos, em particular nos países em desenvolvimento.

A fuga de cérebros ou de talentos pode causar debilidades nas estruturas dos governos e da capacidade de gestão dos sectores produtivos, e das instituições de ensino superior.

A crescente mobilidade internacional de recursos humanos qualificados pode ter efeitos, tanto positivos como negativos, em todos os níveis de desenvolvimento dos países. Não obstante, nos países em desenvolvimento as consequências tendem a ser adversas, já que abandonam o país especialistas, técnicos e profissionais que poderiam aplicar os seus conhecimentos em programas destinados a reduzir a pobreza e melhorar as condições de vida dos cidadãos. Apesar das consequências para um país, que pode ter a fuga de cérebros ou de talentos, raramente é um tema de preocupação explícito. Por exemplo, em Portugal, devido ao crescente desemprego de licenciados, estes procuram outros países, como o Reino Unido, Espanha, etc.27

De qualquer forma, quaisquer que sejam as causas, a mobilidade dos escassos recursos humanos qualificados continuará a apresentar riscos a longo prazo em muitos países para o investimento no ensino superior. Problemas como o do financiamento, da autonomia, da qualidade, das relações com os meios de produção e com o mercado de trabalho (Estrela, 1999), fazem parte do dia a dia de qualquer Instituição de Ensino Superior.

c) A revolução da informação e da comunicação

Uma dimensão específica do progresso científico e tecnológico que produziu um efeito significativo no sector do ensino superior é a revolução da informação e da comunicação. O invento da imprensa, no século XV (Drucker, 2000), produziu a primeira transformação radical dos tempos modernos sobre a forma de armazenar e partilhar conhecimentos. Para Pombo (1999:5) «É um facto que o conhecimento, tanto

ao nível da sua construção como da sua transmissão, sempre esteve dependente da evolução das formas e tecnologias da comunicação. Refiram-se apenas a escrita,

27

Também, a Comissão das Comunidades Europeias (2006a:3) refere que: «O desemprego entre diplomados em

condição de possibilidade de toda a ciência, e a imprensa, condição de possibilidade da

revolução científica dos séculos XVI e XVII».

Actualmente, as inovações tecnológicas na informática e nas telecomunicações estão, uma vez mais, a revolucionar a capacidade de arquivar, transmitir, aceder e utilizar a informação. O acelerado progresso da electrónica, as comunicações e as tecnologias de transmissão por satélite, que fortalecem drasticamente a capacidade de transmissão de dados a baixo custo, produziu a neutralização quase total da distância física como barreira para a comunicação e como factor de competitividade económica.

Um ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico converteu o conhecimento, num requisito crucial para participar na economia global. O impacte das novas tecnologias da informação e comunicação agilizaram a produção, a utilização e a divulgação do conhecimento, como o demonstra o incremento das publicações científicas e o pedido de registo de patentes. Por conseguinte, a capacidade de um país para beneficiar da economia do conhecimento depende da rapidez que disponha para ajustar a sua capacidade de gerar e partilhar conhecimento. Um estudo recente efectuado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) determinou que, as novas tecnologias podem ter um impacte positivo nos países, seja qual for o seu nível de desenvolvimento económico. Brasil, China, Costa Rica, Índia, Malásia e Roménia criaram – com a ajuda de sistemas educativos relativamente eficazes – nichos no âmbito da informática que lhes permite competir no mercado global (OIT, 2001a).

Para o ensino superior é de vital importância contar com tecnologias da informação e comunicação adequadas e que funcionem correctamente, já que estas têm um potencial de:

• Agilizar e reduzir as tarefas administrativas e, em geral, tornar mais eficaz e eficiente a gestão das instituições e dos sistemas educativos;

• Ampliar o acesso e melhorar a qualidade da instrução e o ensino em todos os níveis;

• Ampliar significativamente o acesso à informação e às bases de dados – seja entre a mesma instituição ou na esfera global.

O aparecimento e a rápida evolução das tecnologias da informação e comunicação geraram dois grandes desafios para a educação: (i) atingir a integração adequada destas tecnologias dentro dos sistemas globais de educação e das instituições e; (ii) garantir que as novas tecnologias propiciem o acesso e a equidade. As Instituições de Ensino Superior, e as universidades em particular, segundo Rossman (1999) «têm

uma papel importante na eliminação da pobreza, especialmente a pobreza intelectual».

d) As transformações sociais e políticas globais

No mundo, estão a ocorrer mudanças aceleradas não só no âmbito científico e tecnológico, mas também, na dinâmica social e política. Vários acontecimentos ocorridos alteraram o cenário político mundial, como por exemplo, o desmembramento da antiga União Soviética, a reunificação das ex-Repúblicas Federal da Alemanha e Democrática da Alemanha, as questões políticas no continente Africano e da América Latina.

As Instituições de Ensino Superior estão sujeitas às alterações que se produzem ao seu redor, ressaltando a sua importância como pilares de coesão social, foros de diálogo público e aberto.

Apesar dos avanços verificados, a situação política de muitos países é instável. As ameaças de conflitos regionais e étnicos, o aumento da pobreza, a crescente desigualdade económica, os níveis cada vez maiores de criminalidade e corrupção e o aumento da epidemia da SIDA são factores que, ao conjugar-se, impõem severas pressões e limitam a eficácia das instituições políticas e sociais de todo o tipo, incluindo as Instituições de Ensino Superior.

A propagação do vírus da Sida aumentou a instabilidade política e económica. Segundo estimativas do Programa conjunto das Nações Unidas sobre o VIH/SIDA (UNAIDS) em 2001, quarenta milhões de pessoas em todo o mundo têm VIH/SIDA. Só no ano de 2000, estima-se que cinco milhões de indivíduos se infectaram e três milhões de pessoas morreram por causa desta epidemia. As Instituições de Ensino Superior também perderam uma grande quantidade de membros do seu pessoal docente, administrativo e estudantil em especial nos países não desenvolvidos. As Instituições de Ensino Superior estão expostas a prejuízos maiores por causa do VIH/SIDA. Este é um momento fundamental, já que o ensino superior representa a possibilidade de compensar essas perdas ao oferecer capital humano necessário para manter os governos

em funcionamento, o progresso das economias e aumentar o número de docentes e técnicos sanitários. Um sector de ensino superior forte e flexível poderá compensar os efeitos negativos do VIH/SIDA e outras ameaças no âmbito da saúde pública, como por exemplo, a toxicodependência.

Actualmente, a maior parte das pessoas, dos países desenvolvidos, por exemplo, os Estados Unidos da América, e de outros países do mundo sabem o que é o VIH e a SIDA. O tratamento e o avanço da medicina permitem que as pessoas continuem no seu trabalho ou estudo, ou regressem a estes depois de baixas médicas para tratamento. Todavia, mais de vinte anos depois de começar a epidemia do VIH/SIDA e com milhões de pessoas que vivem infectadas, no local de trabalho (por exemplo nos Estados Unidos da América), ou de estudo, mantêm-se um silêncio sobre a doença. Uma das razões principais é o estigma (Milan, 2004).

O estigma (que pode dar lugar a despedimento ou repulsa) é manifestado de distintas maneiras, seja de forma subtil ou abertamente. Em particular, os locais de trabalho permitem que o estigma aumente, ao não se encarar o problema ou não se apoiar programas educativos de ajuda ou iniciativas de saúde sobre o VIH/SIDA.

As políticas e programas no local de estudo e de trabalho podem reduzir o estigma da doença e criar ambientes positivos onde as pessoas, que vivem ou estão infectadas pelo VIH/SIDA, podem ser elementos produtivos e podem contribuir para a força de trabalho e para a sociedade. As políticas e programas devem ser consistentes. O estigma provocado pelo VIH/SIDA, não é bem-vindo, ao local de trabalho. Ainda que a educação, tratamentos prometedores e o passar do tempo tenham ajudado a minimizar o pânico dos anos oitenta do século XX, o VIH/SIDA continua a ser um problema muito sério para a economia em geral e não se deverá emitir um falso sentido de segurança (Petesch, 2003).

2.3 Contribuição do Ensino Superior para o