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4.1 AS PRÁTICAS DE ENSINO NAS TURMAS DE PLE/PEC-G DA UFPA: AS

4.1.1 O agir dos professores de PLE à luz da dimensão do trabalho

4.1.1.1 O Novo Avenida Brasil

Observemos, de início, o texto de apresentação da coleção Novo Avenida

Brasil presente tanto no livro do aluno quanto no manual do professor:

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Entre os objetivos desta pesquisa, não está o de analisar detalhadamente o manual didático adotado no curso, mas apenas destacar o seu papel como elemento integrante da dimensão do trabalho prescrito dos professores investigados.

[01] Excerto de Documento Prescritivo (Manual Novo Avenida Brasil, Vol. 1, p.V, 2008)

A presente edição é uma versão atualizada do método Avenida Brasil - Curso básico de Português para estrangeiros.

As grandes modificações que o mundo viveu ao longo dos anos desde a primeira publicação de Avenida Brasil, bem como as alterações que o cenário dos estudos linguísticos sofreu obrigaram-nos a repensar e a reorganizar a obra. A grande modificação é a nova distribuição do material, levando o aluno do patamar inicial de conhecimento ao final do nível intermediário. Para colocar nosso material mais próximo das diretrizes do Quadro Europeu Comum de Referência (Common European Framework of Reference for Languages), decidimos reparti-lo em 3 níveis, correspondentes a A1 (Volume 1), A2 (Volume 2) e B1+ (Volume 3).

Para facilitar a utilização do método, resolvemos, além disso, integrar o antigo Livro de Exercícios ao livro-texto. Assim, a primeira parte de cada um dos três livros deve ser trabalhada em aula. Na segunda parte do volume, o aluno terá exercícios numerosos e muito variados, correspondentes, cada um deles, a cada uma das lições da primeira parte.

Outra alteração introduzida no método foi a racionalização da sequencia verbal de modo a suavizar a passagem do Modo Indicativo para o Modo Subjuntivo. Com essa mesma intenção, também as atividades e os exercícios relativos a esses itens sofreram modificações.

O método utilizado é essencialmente comunicativo, mas, em determinado passo da lição, as aquisições gramaticais são organizadas e explicitadas.

Optamos por um método, digamos, comunicativo-estrutural. Assim, levamos o aluno, mediante atividades ligadas a suas experiências pessoais, a envolver-se e a participar diretamente do processo de aprendizagem, enquanto lhe asseguramos a compreensão e o domínio, tão necessários ao aluno adulto, da estrutura da língua.

Sem dúvida, o objetivo maior do Novo Avenida Brasil, agora em três volumes, é capacitar o aluno a compreender e falar. Entretanto, por meio da seção Exercícios (segunda parte de cada um dos 3 volumes), sua competência escrita é igualmente desenvolvida.

O Novo Avenida Brasil não se concentra apenas no ensino de intenções de fala e de estruturas. Ele vai muito além. Informações e considerações sobre o Brasil, sua gente e seus costumes permeiam todo o material, estimulando a reflexão intercultural.

Desse modo, ao mesmo tempo em que adquire instrumentos para a comunicação, em português, o aluno encontra, também, elementos que lhe permitem conhecer e compreender o Brasil e os brasileiros.

O Novo Avenida Brasil destina-se a estrangeiros de qualquer nacionalidade, adolescentes e adultos, que queiram aprender Português para poderem comunicar-se com os brasileiros e participar de sua vida cotidiana.

Os autores

Quando os autores afirmam que optam “por um método, digamos, comunicativo-estrutural”, não descrevem exatamente o que realmente se pode perceber no referido manual no que diz respeito à orientação metodológica que o permeia. De fato, subjaz a esse material o enfoque comunicativo, tendo-se em vista que as unidades didáticas focam basicamente o domínio de certas funções comunicativas (atos de fala); no entanto, não se observam marcas que evidenciem essa metodologia dita estrutural, mas de uma orientação bastante gramatical que se evidencia na exploração de tópicos gramaticais considerados necessários para o desenvolvimento das respectivas funções comunicativas centrais da unidade. O excerto do sumário do Volume 1, abaixo, ilustra bem o que ora expomos:

[02] Excerto de Documento Prescritivo (Manual Novo Avenida Brasil, Vol. 1, p.VII, 2008)

No que diz respeito à sua aproximação ao que propõe o QECR para o ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, a organização da unidade didática nas seções Temas, Comunicação e Gramática, que se apresenta no excerto do sumário supracitado, corrobora aquilo que foi afirmado pelos autores. Trata-se de uma reorganização de uma obra anterior de modo a apenas espelhar os níveis de referência que esse documento europeu estabelece (A1, A2, B1...), não mais que isso. A perspectiva acional como orientação metodológica, a qual deve se materializar na proposição de tarefas acionais por meio da língua-alvo, conforme orienta o QECR para o êxito do processo de apropriação de uma LE, não foi adotada pelos autores.

Com relação ao desenvolvimento das habilidades comunicativas, os autores destacam em sua apresentação que “o objetivo maior do Novo Avenida Brasil, agora em três volumes, é capacitar o aluno a compreender e falar”. O excerto a seguir, extraído do manual do professor, descreve como a obra propõe o desenvolvimento da expressão oral:

[03] Excerto de Documento Prescritivo (Novo Avenida Brasil: manual do professor, p.9, 2009)

Observe-se que a estruturação apresentada se concentra na aquisição de vocabulário e de estruturas gramaticais, visando, sobretudo, o desenvolvimento das funções comunicativas. Desse modo, o trabalho com gêneros orais, tão importante para a construção das habilidades de comunicação e interação, não é considerado nesse material.

A prática da produção escrita fica restrita, como se observa abaixo, aos “Exercícios”:

[04] Excerto de Documento Prescritivo (Novo Avenida Brasil: manual do professor, p.9, 2009)

Seguindo uma orientação bem tradicional, os autores assumem o fato de que, nesta coleção, a prática da escrita objetiva “auxiliar o aprendizado”. Observe-se que, embora se vislumbre, com o tipo de trabalho que propõem, a capacidade de redigir pequenas mensagens, tais como e-mails, cartas pessoais etc., o que prevalece realmente é um exercício de fixação de estruturas gramaticais trabalhadas no livro do aluno. Assim, a exemplo do que ocorre com a prática da produção oral, na produção escrita também não há um interesse dos autores no potencial dos gêneros textuais para a aprendizagem da língua portuguesa.

No que concerne à abordagem gramatical no Novo Avenida Brasil, os autores se posicionam, no manual do professor, do seguinte modo:

[05] Excerto de Documento Prescritivo (Novo Avenida Brasil: manual do professor, p.9, 2009)

Consonante às concepções que subjazem à obra, os autores assumem uma abordagem tradicional da gramática que, de fato, se materializa nas atividades desenvolvidas ao longo dos três volumes, conforme é possível comprovar no excerto seguinte:

[06] Excerto de Documento Prescritivo (Manual Novo Avenida Brasil, Vol. 1, p.18, 2008)

Esse modus operandi no tratamento dos conteúdos gramaticais é padrão ao longo dos três volumes, ainda que, a bem da verdade, eles sejam de algum modo retomados e explorados aquando das atividades que visam à apropriação das funções comunicativas, em pequenos diálogos apresentados na unidade e até mesmo nas atividades de produção escrita no livro de exercícios. No entanto, a abordagem tradicional a partir da exposição de formas gramaticais e exercícios, tais como o preenchimento de lacunas, é a prática mais recorrente adotada pelo manual. Vê-se, portanto, por meio desta breve descrição do manual Novo Avenida Brasil, que se trata de um material didático que, por ser assumidamente

comunicativo-gramatical, distancia-se consideravelmente das necessidades de

aprendizagem de uma turma de PLE plurilíngue e pluricultural que está se preparando para o Exame Celpe-Bras, como são as turmas PEC-G da UFPA, objeto de nossa pesquisa. Observe-se que, embora os autores afirmem no texto de apresentação da obra que estimulam a reflexão intercultural por meio de informações e considerações sobre o Brasil e os brasileiros, não identificamos propostas de atividade que refletissem efetivamente uma abordagem intercultural e/ou que contemplasse o perfil das turmas, pelo menos não a partir da concepção teórica deste tipo de abordagem adotada por nós nesta tese.

Conforme já apresentamos na metodologia, o exame Celpe-Bras tem, entre suas particularidades, a posição de não incluir perguntas de cunho gramatical, mas de aferir a capacidade de uso da língua portuguesa. Tal fato vai, portanto, de encontro ao tipo de trabalho que desenvolve exaustivamente o Novo Avenida Brasil no que diz respeito ao estudo sobre a língua: uma abordagem tradicional da gramática. Ademais, esse exame avalia as habilidades de comunicação de modo integrado, valendo-se de situações de comunicação reais, dando, portanto, igual importância a cada uma dessas habilidades, inclusive às de interação, oral e/ou escrita. O manual, entretanto, não estimula esse tipo de trabalho. Há pouca ou quase nenhuma atividade que vise integrar as diferentes habilidades e a prática de produção escrita fica, curiosamente, limitada ao caderno de exercícios, caso o professor o explore para fins de revisão e fixação de conteúdos. Do contrário (e se o manual for o único ou principal instrumento de ensino do professor), corre-se o risco de que a produção escrita não tenha lugar no processo de ensino e aprendizagem de PLE.

Por fim, lembramos que objetivo do exame Celpe-Bras avalia os aprendentes estrangeiros por meio da realização de tarefas em que estes demonstram que são capazes de utilizar essa língua com um propósito social, produzindo textos pertencentes a diferentes gêneros do discurso, escritos e orais. Porém, ao focalizar como eixos de suas unidades didáticas as funções comunicativas e estruturas

gramaticais, o Novo Avenida Brasil diverge bastante do perfil do exame e,

consequentemente, dos objetivos de aprendizagem dos aprendentes de PLE do PEC-G/UFPA.

Parece-nos necessário, no entanto, fazer aqui duas ressalvas no que diz respeito ao manual Novo Avenida Brasil: primeiramente, esse manual não foi concebido para ser utilizado em cursos preparatórios para o Exame Celpe-Bras. A própria apresentação dos autores deixa claro tratar-se de um material didático destinado a estrangeiros que queiram aprender Português para comunicar-se com os brasileiros e participar de sua vida cotidiana. Em segundo lugar, os autores são muito transparentes em se tratando das concepções teórico-metodológicas que embasam o seu trabalho: optaram por uma abordagem comunicativo-gramatical. Desse modo, não se pode esperar que esse material se coadune com o perfil de uma turma plurilíngue e pluricultural como as do contexto de nossa investigação.

Não obstante as críticas e ressalvas que até aqui fizemos, é preciso considerar que esse foi o manual adotado nas turmas de PLE/PEC-G da UFPA nos três anos que compreendem o tempo de observação de nossa pesquisa (2013, 2014 e 2015) e foi o principal documento prescritivo do agir de alguns dos professores cujas práticas analisamos neste trabalho.

Desse modo, ainda que seja mais frequente, nos estudos na área da ergonomia que versam sobre a dimensão do trabalho prescrito, enquadrar leis, pareceres, diretrizes, regras internas etc. como documentos prescritivos do trabalho, no âmbito de nossa investigação, damos ao manual didático Novo Avenida Brasil esse mesmo status. Duas são as razões que nos levam a considerar um livro didático como um texto prescritivo: a primeira reside no fato de que, no mais das vezes, “eles (os livros didáticos) atuam na mediação das orientações oficiais e continuam sendo uma importante referência do professor para a organização e desenvolvimento de suas aulas” (APARÍCIO, 2009, p. 76). No nosso caso, por exemplo, e guardadas as devidas ressalvas, eles podem refletir as orientações de diferentes documentos que regem o ensino de línguas estrangeiras, tais como o

QECR no contexto europeu e os parâmetros curriculares no contexto brasileiro. A segunda razão mantém estreita relação com a primeira e se baseia nos nossos dados os quais apontam, como já afirmamos anteriormente, que o manual Novo Avenida Brasil funcionou para muitos dos professores pesquisados, sobretudo os menos experientes, como a principal prescrição de seu agir.