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Novos desafios do acompanhamento social na contemporaneidade

VIII. Introdução

2. Acompanhamento social: uma prática de intervenção social

2.4. Novos desafios do acompanhamento social na contemporaneidade

A sociedade contemporânea é fruto de um mundo em transformação. O Serviço Social, e não só esta área, tem vindo a sofrer alterações nos últimos anos, devido às várias mudanças que têm ocorrido no mundo contemporâneo. No presente subcapítulo serão abordadas algumas transformações que têm ocorrido na sociedade e quais os efeitos que estas têm no Serviço Social e, consequentemente, no acompanhamento social.

No Serviço Social, as práticas profissionais exigem a construção de narrativas e projetos de vida com os utentes, promovendo a sua participação e desenvolvendo a sua autonomia (Branco e Amaro, 2011). Contudo, o que se observa é o rigor e o profissionalismo na intervenção a serem substituídos por um objetivismo instrumentalista ancorado em padrões (Branco e Amaro, 2011). Os processos de intervenção condensam tensões, contradições e paradoxos, com os quais é muito difícil lidar na prática (Branco e

Amaro, 2011). Simultaneamente, surge a pressão para a resolução de problemas e para a demonstração de resultados imediatos, quando existem cada vez menos profissionais nos gabinetes, mais casos sociais e as situações apresentam cada vez maior complexidade de diagnóstico e de intervenção e maior necessidade de perdurabilidade do processo de ajuda (Branco e Amaro, 2011).

Vivemos hoje na era da “pós-modernidade”, que surge em meados de 1990 e se caracteriza por ter um ideal de hiperconsumo individualizado, uma economia capitalista de mercado e é marcada pela tecnologia e pela globalização. Porém, Giddens (1990) defende que não estamos a entrar num período de pós-modernidade, mas sim que as consequências da modernidade se estão a tornar mais radicalizadas e universalizadas (Giddens, 1990).

Para Inês Amaro (2015), estamos perante uma sociedade de risco e incerteza, devido aos enormes avanços tecnológicos, que produzem um novo cenário de descontrole, de risco global e de incertezas não quantificáveis (Amaro, 2015). Beck (1994) define risco como uma “forma sistemática de lidar com o acaso e a insegurança induzida e introduzida pela própria modernização” (Beck, 1994: 21).

Atualmente, a tecnologia e o mercado marcam o ritmo da nossa sociedade e o facto de estarmos a viver numa era informacional e do conhecimento, trouxe questões como o individualismo e uma crise de valores (Falcão, 2017). Dominavam valores como o respeito, a dignidade, a solidariedade e a honestidade, que vinham de instituições como a família, a escola, a igreja e o estado (Falcão, 2017). Todavia, nos dias de hoje invertem- se os valores e instala-se a crise: a violência passou a ser vista como algo normal e aceitável, a corrupção está na ordem do dia e deixou de existir respeito pela dignidade do outro; surgem o individualismo, o egoísmo e o hedonismo (que consiste no culto do prazer e da satisfação imediata dos desejos) (Falcão, 2017).

As transformações na contemporaneidade ocorreram/ocorrem em várias esferas, nomeadamente: na do trabalho (neste momento existe pouco, deixou de ser para a vida, é mal remunerado e com vínculos precários), na tecnologia (está muito desenvolvida, o que trouxe inúmeros aspetos positivos, mas também aspetos negativos para o indivíduo e para a sociedade), na família (existem cada vez mais divórcios e começa a surgir uma generalizada aceitação social deste; a alteração do próprio conceito de família; o surgimento de novos tipos de famílias; e a diminuição da taxa de fecundidade), no ambiente (o aquecimento global), no consumo (que passou a ser em massa e as pessoas começaram a ser definidas por aquilo que têm ou que não têm) (Amaro, 2015: 32). O

contexto social é de desemprego de massa, precarização das relações de trabalho, fragilização dos laços sociais, crise de valores, crise de identidade, isolamento e redução dos suportes coletivos proporcionados pelas instituições tradicionais de socialização. Tudo isto põe em causa a sociedade tal como era no passado.

Uma das questões que emerge com a (pós)-modernidade é, segundo Inês Amaro (2015), entender como é que a “burocracia técnica” em que se tornou o Serviço Social pode responder aos novos problemas sociais e às novas exigências colocadas aos profissionais, impostos por uma civilização tecnológica, ultra-instrumental e ultra- individualista (Amaro, 2015).

O Serviço Social deve ser repensado neste novo contexto civilizacional. A profissão encontra-se num espaço entre a aplicação das políticas sociais e o profissionalismo que exige tempo para estar com as pessoas e acompanhar os casos, numa intervenção singular e individual (Branco e Amaro, 2011). Assim sendo, o Assistente Social vê-se cercado entre a relação Assistentes Sociais/empregadores e Assistentes Sociais/utentes, onde está presente uma crescente exigência (Branco e Amaro, 2011). Os empregadores pretendem demonstração de resultados e rapidez, os utentes desejam os seus problemas resolvidos e é neste o contexto que o Assistente Social deve saber posicionar-se (Branco e Amaro, 2011).

Perante os desafios colocados ao Serviço Social nos dias de hoje, existem profissionais que parecem defender que estas tarefas de “burocracia técnica” competem a um Assistente Social, todavia, outros sentem-se desconfortáveis com este papel (Branco e Amaro, 2011). Para estes segundos, os referenciais éticos e metodológicos apontam para a enorme importância de construir relações e do reconhecimento do outro na sua especificidade (Branco e Amaro, 2011).

Os Assistentes Sociais não devem abdicar de realizar um trabalho real de capacitação e de (re)construção de projetos de vida com o utente (Branco e Amaro, 2011). Devem renovar as práticas da profissão, no sentido de promover uma intervenção social individualizada que se adapte à diversidade e heterogeneidade dos novos públicos (Bouquet & Garcette, 2005).

Segundo Inês Amaro (2015), as alternativas para responder a esta crise do managerialismo, da racionalização, da instrumentalização e da padronização são: o “slow

social work” (tendo em conta os tempos – do utente, do profissional e da intervenção); a

criação e execução de práticas concretas e próximas da realidade (“small is beautiful”); e o lema dos três R’s – resistir, re-inventar e realizar (Amaro, 2015).

O Serviço Social deve resistir e contrariar o processo de burocratização em que ficou emerso, recentrando-se na importância da construção da relação e no estabelecimento de proximidade com o utente, afastando-se dos modelos tecnicistas e instrumentais que colocam as questões metodológicas e procedimentais à frente dos referenciais éticos e substantivos da intervenção (Amaro, 2015). A ideia é re-inventar e realizar através de inovações concretas e de pequena escala, próximas da realidade, nunca dando como adquirido que “tudo sempre foi e terá de ser assim” (Amaro, 2015).

Nos processos de acompanhamento social em contexto de habitação social os Assistente Sociais deparam-se também com este managerialismo e burocratização. Desta forma, deve existir uma adaptação dos profissionais aos desafios da atualidade e à nova realidade da profissão. Porém, é importante não esquecer que na base do acompanhamento social se encontra a relação, que não poderá ficar imersa na “burocracia técnica”.

O desafio que se coloca ao Assistente Social consiste em desenvolver uma intervenção de proximidade com as pessoas e com os territórios (nomeadamente nos territórios denominados “críticos”, como é o caso dos bairros sociais), com base nos Direitos Humanos e na dignidade humana, com uma consciência da realidade atual, promovendo a criação de respostas adequadas às novas e reais necessidades das pessoas. O Assistente Social nunca deve esquecer a importância da capacitação, zelando para que todos os indivíduos desenvolvam capacidades para poderem encarar em condições de igualdade a precaridade e a incerteza (Branco e Amaro, 2011). Em contexto de habitação social este é um ponto-chave, na medida em que se pretende que os indivíduos que passem da zona de vulnerabilidade ou exclusão social, para a zona de integração. O acompanhamento social tem um papel fundamental nesta mudança, na medida em que é uma intervenção baseada na relação de confiança e de proximidade, o que permitirá trabalhar as capacidades, potencialidades e competências das pessoas, com a finalidade última de capacitar os indivíduos, melhorar a sua qualidade de vida e promover a sua integração.

Concluindo, a sociedade contemporânea trouxe consigo várias mudanças, que provocaram alterações na vida das pessoas (algumas positivas, outras nem tanto). O Serviço Social teve de se adaptar à nova realidade (tanto em termos das exigências vindas de cima – políticas sociais e empregadores, como às necessidades dos utentes). O mais importante ao longo de todo o processo de mudança e adaptação, é não esquecer que o propósito do trabalho de um Assistente Social é melhorar a qualidade de vida das pessoas

e que o trabalho de um Assistente Social se baseia na relação que este estabelece com as pessoas.

Em síntese, as pessoas que residem em habitação social podem encontrar-se em situação de vulnerabilidade, exclusão e segregação socioespacial. Neste contexto, o acompanhamento social surge como uma ferramenta essencial, na medida em que consiste numa forma de intervenção de proximidade das pessoas e dos territórios. O acompanhamento social tem as suas características e apresenta diferentes fases, momentos e modelos. Em todas as fases, momentos e modelos a relação surge como um ponto-chave da intervenção, influenciando o sucesso da mesma.