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Novos financiamentos, novos problemas: Lei 55/2012 de 6 de Setembro

4. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CINEMA

4.3. Portugal [1971-2016]: a legislação

4.3.4. Novos financiamentos, novos problemas: Lei 55/2012 de 6 de Setembro

DL 124/2013 de 30 de Agosto Lei 28/ 2014 de 19 de Maio

O Movimento pelo Cinema, integrado por vários profissionais e associações do sector, com especial relevo para a APR, teve no período crítico de 2010 a 2013 uma actividade intensa de pressão, feita na rua, na imprensa, em cartas abertas à tutela, pareceres e contributos institucionais. Em 2012, o primeiro ano zero da produção cinematográfica do pós-25 de Abril, em que o ICA não abre concursos, é finalmente publicada a nova e actual lei do cinema. A Lei 55/2012 regulamentada pelo DL124/2013 acolhe grande parte das reivindicações do Movimento em termos de financiamento do sistema. Em revisão sumária, para além da clássica taxa de exibição (4%)97 o ICA passa a contar com uma taxa

anual de três euros e cinquenta cêntimos por cada subscrição de serviço paga pelos operadores de televisão por subscrição, com acréscimos anuais de 10% até perfazer o valor de cinco euros. Relativamente a deveres de investimento no cinema e audiovisual, os operadores de televisão privados estão obrigados a um investimento directo no sector de 0,75% da sua receita, com acréscimos anuais

96 Informação mais detalhada na Grelha de Análise: Leis Quadro e Diplomas Regulamentares, Anexo C

974% no total, 3,2% receita do ICA e 0,8% receita da Cinemateca.

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de 0,25% até ao limite de 1,50% e a televisão pública a um investimento de 8% da sua receita anual. Os distribuidores de cinema e vídeo ficariam obrigados a investimento anual não inferior ou equivalente a respectivamente 3% e 1%; os operadores de serviços audiovisuais a pedido, a um investimento não inferior ou equivalente a 1% da sua receita; os exibidores ficariam obrigados a afectar 2,5% do preço do bilhete à exibição de obras europeias e deste montante no mínimo 25% à exibição de filmes portugueses. Relativamente às reivindicações do Movimento, o esquema de financiamento proposto pelo diploma legal de 2012 deixa de fora a taxação de todos os dispositivos digitais que permitem o download e o visionamento ilegal de filmes e produtos audiovisuais (computadores, tablets e telemóveis). No entanto, a reacção expectável dos operadores de televisão em sinal aberto e por subscrição não tardou e iniciou-se um longo braço de ferro que resultou na Lei 28/2014, que prevê o diferimento temporal e redução significativa das suas contribuições. A taxa aplicada aos operadores de serviços de televisão por subscrição foi reduzida para 1,75€ até 2019 e para 2,00€ a partir dessa data. E a percentagem de receita aplicada ao investimento pelos operadores privados de televisão (SIC; TVI) ficou pelos 0,75%, caindo a progressão anual até 1,50%. Apesar do campo do cinema de autor, em movimento contranatura, admitir e até advogar, em alguns pronunciamentos, a recuperação do FICA, os seus mecanismos de financiamento não foram retomados pelo diploma de 2012, que, inclusivamente, prevê a sua liquidação. Apesar da liquidação do FICA, que pode, aliás, ser recuperado em novo diploma, o quadro legal não está, de forma alguma, isento da marca do modelo do cinema indústria, sobretudo no momento em que as televisões e os grandes operadores de serviços de televisão por subscrição são novamente chamadas a alimentar o modelo de financiamento público do cinema, e desta vez a fundo perdido. Essa presença fundamental faz-se através da SECA, órgão do Conselho Nacional da Cultura, inicialmente apenas consultivo, mas ao qual foram conferidas funções deliberativas pelo DL 124/2013. O problema reside no facto desse órgão, ao qual foram conferidas competências tão determinantes quanto a participação na definição de planos estratégicos plurianuais para o cinema e a eleição dos júris para os concursos do ICA, ter, por força dum intrincado sistema de representação sectorial, um predomínio de representantes do cinema comercial e do audiovisual. Os últimos meses de 2014 foram marcados por mais uma batalha do campo do cinema de autor pela reposição do anterior modelo de nomeação de júris pelo ICA. A 23 de Outubro, dia em foram conhecidos os nomes do júri eleito pelos elementos da SECA, ocorreram nesse órgão uma série de demissões e foi enviada uma carta aberta ao Secretário de Estado da Cultura, da qual se extraem as principais ideias.

(...). Contrariamente àquilo que estava definido em todas as leis do cinema e respectivas regulamentações desde 1971, esta nova lei retirou da esfera do ICA a incumbência de nomear os júris para os concursos, relegando-a para um órgão consultivo – a Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual (SECA) –

onde têm assento um conjunto de agentes do cinema ou da televisão, com as suas agendas pessoais, interesses próprios e corporativos nos resultados dos concursos. Muitos dos signatários deste texto alertaram a SEC e o ICA desde o início para a perversidade de um sistema de nomeações de júris que substituía a equidistância e independência de quem nada tem a ganhar ou a perder com os resultados dos concursos por um sistema que legaliza o tráfico de influências. (…) Os signatários deste texto não querem que sejam os agentes privados do sector audiovisual e das comunicações a impor a sua lógica mercantilista nos concursos públicos de cinema, pervertendo o espírito de uma lei saída da SEC. Mas igualmente recusam-se a nomear, eles próprios, júris que os favoreçam nos concursos. Em suma, acreditam que a transparência do processo só pode ser assegurada por uma entidade que não possa tirar vantagens dos resultados. Essa entidade é, e sempre foi, o Instituto do Cinema.”98

Este conflito mantém-se aberto à data em que são escritas estas linhas em 2017, com promessas não cumpridas de reposição do modelo anterior, reedições de pronunciamentos, manifestos e cartas abertas. A novidade do momento presente consiste na confirmação daquilo que era até há bem pouco tempo uma mera suspeita - a composição e o equilíbrio de forças na SECA e o seu novo poder deliberativo beneficia um dos campos e se eventualmente esta solução não foi concebida conscientemente como uma compensação, é assumida à posteriorí como tal. Pela primeira vez, o poder político, pela voz do Secretário de Estado da Cultura Miguel Honrado, reconhece que a atribuição de poder deliberativo à SECA para a nomeação dos júris dos concursos do ICA beneficia os financiadores

Penso que é importante que se perceba o que é que está em causa e estão em causa várias questões que têm a ver com o equilíbrio entre a questão dos beneficiários do cinema e a questão dos financiadores. Como sabe, desde que esta nova lei de financiamento ao cinema entrou em vigência, em 2012, que este sistema de escolha de júris tem existido e no contexto atual achamos que é a forma mais equilibrada de concertar os dois campos, o dos beneficiários, digamos assim, e o dos financiadores.

Miguel Honrado em depoimento ao Jornal i a 11.02.1799

Este poder especial de influência atribuído ao “financiador” é ilegítimo. Como refere José Soeiro, numa crónica no Expresso,100 “a existência de uma taxa (tal como os impostos) é uma obrigação

perante o Estado, não um ato de mecenato privado” e ao Estado cabe a salvaguarda do bem comum e não a defesa de interesses particulares.

98 Texto completo no Anexo O.

99 Notícia do Jornal i de 11.02.17 “Lei do Cinema.Secretário de Estado irredutível sobre escolha dos júris em Berlim”. Anexo R.

100 Soeiro, José “E o Cinema, pá!” Expresso, 19.05.17. Anexo T.

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QUADRO SÍNTESE:101

Lei Quadro: Lei 55/2012 de 6 de Setembro [2012-...] Diploma Regulamentar: DL 124/2013 30 de Agosto

Lança um novo modelo de financiamento e atribui à Secção Especializada do Cinema e do

Audiovisual (SECA) do Conselho Nacional da Cultura poderes deliberativos para a eleição dos júris para os concursos do ICA.

Financiamento:

Taxa de Exibição (de publicidade): 4% paga pelos anunciantes Taxa aplicada a operadores de serviços televisivos por subscrição: 3,00€ por contrato - aumento anual de 10% até 5,00€ por contrato

Apoios Directos à Produção:

0,75 % da receita dos operadores privados de televisão, com aumentos anuais de 0,25% até um limite de 1,50%

8% da receita da RTP

3% da receita de distribuidores de cinema 1% da receita de distribuidores de vídeo

1% da receita de operadores de audiovisuais a pedido

Os exibidores ficam obrigados a afectar 2,5% da receita de bilheteira à exibição de filmes europeus e de 25% da verba apurada à exibição de filmes portugueses

Alterações introduzidas pela Lei 28/ 2014 19 de Maio Financiamento:

Taxa aplicada a operadores de serviços televisivos por subscrição: 1,75€ até 2019, 2,00€ a partir dessa data

Apoios Directos à Produção:

0,75 % da receita dos operadores privados de televisão, sem aumentos anuais.

101 Informação mais detalhada na Grelha de Análise: Leis Quadro e Diplomas Regulamentares, Anexo C

Por comparação com os modelos actuais de apoio à actividade cinematográfica, o modelo francês é aquele que mais se aproxima do nosso, excluindo a taxa do adicional que abandonámos nos anos noventa, os fundos regionais e as garantias de empréstimos para o sector que não temos e os benefícios fiscais à produção cinematográfica, que só este ano entraram no nosso ordenamento jurídico (DL22/2017 de 22 de Fevereiro). Durante a vigência do FICA aproximámo-nos dos modelos diferenciados de apoio ao cinema mais experimental e main stream praticado por Espanha e pelo Reino Unido, ainda que com modalidades de financiamento distinto; em Portugal, o subsídio a fundo perdido e o investimento com capital de risco; em Espanha, o subsídio e empréstimos servidos por garantias bancárias e no Reino Unido, duas linhas deF crédito. Falta referir o factor comum às cinco realidades, o papel fundamental desempenhado pelas televisões. No caso português, o papel desempenhado pelo canal público de televisão, que embora não referido no texto das três primeiras leis quadro, por via do contrato de serviço público com o Estado sempre teve obrigações de investimento directo no sector e de aquisição de direitos de transmissão, embora nem sempre cumpridas.