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4. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CINEMA

4.1. Políticas públicas para o cinema na Europa

4.1.2. Reino Unido

Na actualidade tal como nas primeiras décadas do século XX (sobretudo nos anos 10) a indústria cinematográfica do Reino Unido tem um sector de distribuição e de exibição pujante e bem organizado, e um sector de produção fragmentado e subfinanciado. A produção exclusivamente britânica é residual e mais residual ainda aquela que se faz à margem de financiamento das televisões. A indústria está hoje intimamente ligada à televisão e a lógicas transmédia e o financiamento depende de co-produções internacionais, com os EUA a dominar largamente as parcerias. Os distribuidores mais poderosos são também americanos, bem como a maioria dos filmes exibidos nas salas. Se é hoje difícil isolar uma indústria especificamente britânica, à semelhança do que acontecia no princípio do século XX, nem sempre foi assim. O mercado britânico de cinema foi um dos mais fortes do mundo, no que toca a salas, lugares disponíveis e bilhetes vendidos. E a produção, em termos criativos e de filmes estreados, teve também uma época de ouro, suportada por uma rede de grandes corporações, estúdios e produtores independentes. No final da década de 20 surgem duas corporações verticalmente integradas, que juntam as três grandes áreas da indústria: produção, distribuição e exibição. São elas, a British Internacional Pictures (BIP), mais tarde relançada como Associated British Picture Corporation (ABPC) que detinha os estúdios Elstree e a cadeia de salas de cinema ABC, e a Gaumont British com os estúdios Sheperd Bush e os estúdios Gainsborough em Islington, além da cadeia de cinemas Provincial. No final da década de 30, a Gaumont British enfrenta dificuldades financeiras e cede o lugar na hierarquia da indústria cinematográfica britânica à Rank, que, entretanto, controlava dois novos complexos de estúdios em Pinewood e Denham, além da cadeia de cinemas Odeon. A ABPC e a Rank possuiam as duas maiores e mais importantes cadeias nacionais de salas, uma rede própria de distribuição e o melhor complexo de estúdios do país. Estas duas grandes corporações mantém-se em cena como actores dominantes até aos anos 80, mas desde os anos 50 semi retiradas da produção, por quebra paulatina da frequência de sala, deixando essa actividade de alto risco para companhias independentes de menor dimensão. A produção no Reino Unido polarizou-se. De um lado o filme internacional ao estilo de Hollywood, com lançamento e co-financiamento americano – a maioria das produções da London Films de Alexander Korda dos anos 30 entra nessa categoria tal como as mais 60(Augros, 2007: 117-136)

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recentes comédias tipo Quatro Casamentos e um Funeral. Do outro, o filme local de orçamento modesto como a cinematografia de Ken Loach ou de Mike Leigh ou o nicho dos filmes de arte ocupado por cineastas como Peter Greenway ou Dereck Jarman. Houve ainda duas tentativas de resistir à hegemonia de Hollywood por meio da cooperação internacional europeia, uma nos anos 20, com o movimento conhecido por Film Europe e outra nos anos 80 e 90 no âmbito da política audiovisual da UE, ambas pouco expressivas devido sobretudo às barreiras linguísticas no espaço europeu.

Quanto a políticas públicas propriamente ditas, o Reino Unido começa por implementar regulamentos de segurança em 1909, depois estende a acção ao conteúdo dos filmes com regulamentos de censura. Durante as duas guerras mundiais o Estado integra o cinema no dispositivo de propaganda. Na década de 20 e 30 é criado um movimento a favor do filme documental britânico e surgem as primeiras medidas de protecção ao cinema nacional, sob a forma de cotas e soluções de financiamento. O Cinematograph Act, aprovado em 1927, consagra cotas de distribuição e exibição para filmes estrangeiros, inicialmente 5% e 20 % na década seguinte. O número de filmes britânicos em circulação aumentou de forma notória, mas aumentou também, de forma não menos notória, a falta de qualidade. Um dos efeitos perversos da lei foi o surgimento dos quickies. Filmes nacionais, produzidos à pressa, baratos e medíocres, encomendados por distribuidores americanos para cumprir o requisito da cota. Embora tenham proporcionado treino e tarimba a equipas de produção nacionais, os

quickies afectaram a reputação do cinema britânico.

No final da década de 40, o governo tenta limitar a hegemonia de filmes americanos nas salas com a aplicação de uma pesada taxa de importação, mas Hollywood revida com um boicote ao mercado britânico e a medida foi rapidamente anulada.

No que toca a financiamento, é criada em 1949 a National Film Finance Corporation que proporciona uma pequena reserva financeira para muitas produções que sem ela não teriam existido. Esse organismo é substituído em 1985 pela British Screen, uma organização privada suportada, em grande medida, por televisões. Em 1951 é aplicado a taxa de Eady Levy sobre a bilheteira. Essa medida garantia que uma pequena fracção da receita de bilhetes revertesse a favor dos produtores mais qualificados.

No final dos anos 90, mais precisamente em 1997, é lançado o Franchise Scheme, que deu acesso a 92 milhões de libras esterlinas do Fundo Nacional da Lottery a três consórcios formados por pequenas empresas do sector, antes separadas: The Film Consortium, DNA Films e Pathé Pictures. Esperava-se que as franchises se tornassem mini estúdios, seguindo o modelo de integração vertical adoptado anteriormente pela Rank e ABPC. O uso da Lottery no financiamento do cinema provocou muita controvérsia e intenso debate sobre o cinema nacional britânico, mas nem sequer foi a principal fonte de receita. Também em 1997, através do Finance Act entra em vigor uma politica de incentivos fiscais

para a produção de filmes. Esta não foi a primeira experiência de benefícios fiscais, mas foi a mais generosa, injectando cerca de 6 biliões de libras esterlinas na economia do cinema entre 97 e 2003. O mecanismo permite que 15% dos custos de produção de filmes seja deduzida da carga de impostos das empresas de produção.

Em 2000 é criado o Film Council como super órgão unificado para a indústria cinematográfica. Esse órgão renomeado como UK Film Council em 2003 assumiu a distribuição do financiamento da Lottery, e absorveu recursos de produção antes disponibilizados pelo British Screen e o British Film Institute. As suas atribuições abrangem tanto aspectos económicos como culturais da política de cinema, mas a sua retórica sempre foi fortemente comercial e focada na indústria. O órgão tinha duas linhas principais de financiamento: o Premier Fund para projectos de orçamentos maiores e o New Cinema Fund para obras mais experimentais. Em 2010, numa nova reorganização institucional, o British Film Institute (BFI) assume as funções do UK Film Council, extinto nesse ano. O BFI opera com três fontes de financiamento. A maior é pública, alocada pelo Ministério da Cultura, Media e Desporto. A segunda decorre das actividades comercias do BFI: bilheteira do BFI Southbank, do BFI London IMAX theatre, vendas de DVDs, entre outras. A terceira corresponde a doações e patrocínios de cerca de £ 5 milhões obtidos de várias fontes, incluindo subsídios de financiamento da Lottery e de patrocinadores privados61.

Falta mencionar o papel da televisão, que serviu como tábua de salvação ao cinema nos anos 80, quando a desregulamentação e a quebra de público quase paralisaram a produção de filmes. Em particular, o Channel Four que produziu uma série de filmes de baixo orçamento que receberam aclamação da crítica, prémios e públicos modestos de cinema. Em 1998, o Chanel Four cria uma produtora, a Film Four Ltd, e embarca num programa de expansão – co-produções internacionais caras de um lado e projectos de baixo orçamento, frequentemente em vídeo digital, do outro. O resultado foram fracassos dispendiosos. O Channel Four retira-se da produção internacional em 200362.