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N ÍVEL DE ESCOLARIDADE DA POPULAÇÃO PORTUGUESA

2. E NSINO R ECORRENTE

O conceito de educação recorrente surgiu em 1970, como “uma estratégia global de educação aplicada a todo o ensino pós-obrigatório, cuja característica essencial consiste em distribuir a educação ao longo de toda a vida do indivíduo, baseando-se para tal no princípio fundamental da alternância entre estudo, trabalho e outras actividades” (Silva, 1982, cit. in Pinto, Matos e Rothes, 1998: 21).

Com base na “recorrência” (“possibilidade de frequência episódica de aprendizagens formais”) (Pinto, Matos e Rothes, 1998: 21), na “alternância” (“diversificação dos lugares de formação/partilha da responsabilidade educativa entre a escola, a empresa, a fábrica, o bairro, as comunidades e o território” (Scheffkecht, 1980, cit. in Pinto, Matos e Rothes, 1998: 21) e na integração dos saberes, este novo sistema deveria reconhecer a validade dos saberes e competências adquiridos, apostando, obrigatoriamente, na autonomia, na responsabilidade e na autoformação.

Tratar-se-ia, assim, de um sistema aberto, capaz de integrar toda e qualquer área de aprendizagem de interesse para o adulto, num esforço de articulação entre a educação formal e a não formal, e ainda a valorização da componente vocacional e profissional na formação de cada formando.

Contudo, desde o início que o conceito de educação recorrente se tem apresentado em duas acepções principais: uma ampla, como estratégia educativa global, e outra restrita, como educação de segunda oportunidade para aqueles que tiveram de abandonar precocemente o sistema escolar (Antunes, 1985, cit. in Pinto, Matos e

Rothes, 1998). Em Portugal, tem prevalecido a acepção restrita, muito embora ao longo do tempo e consoante as políticas educativas, se tenha vindo a verificar alguma oscilação entre ambas.

Esta acepção restrita encontra-se na Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro), que estabelece o Ensino Recorrente como uma modalidade especial de educação escolar, conforme o disposto no seu artigo 16º. O artigo 20º da mesma Lei, ao longo de vários parágrafos, define o Ensino Recorrente como constituindo, prioritariamente, uma segunda oportunidade de formação para os que desta não usufruíram na idade própria, ou abandonaram precocemente o ensino regular.

Segundo o Decreto-Lei nº 74/91, de 9 de Fevereiro, o Ensino Recorrente

corresponde à vertente da Educação de Adultos que, de uma forma organizada e

segundo um plano de estudos, conduz à obtenção de diplomas ou certificados, equivalentes aos do ensino regular, organizando-se de forma autónoma no que respeita, designadamente, a condições de acesso, currículos, programas, avaliação dos alunos, tendo em vista adaptar-se aos diferentes grupos etários a que se destina, bem como à sua experiência de vida e aos conhecimentos entretanto adquiridos.

A nível do ensino básico, os cursos do Ensino Recorrente abrangem três ciclos de

ensino, 1º Ciclo, 2º Ciclo e 3º Ciclo, e visam a eliminação do analfabetismo (aliás, de acordo com o artigo 20º da Lei de Bases do Sistema Educativo, esta modalidade de ensino tem “em especial atenção a eliminação do analfabetismo”), a atribuição do diploma de escolaridade obrigatória, o prosseguimento de estudos e o desenvolvimento de algumas competências profissionais.

O Ensino Recorrente pode ocorrer por iniciativa dos estabelecimentos de ensino público, particular ou cooperativo, ou de quaisquer entidades públicas ou privadas

(Decreto-Lei nº 74/91, de 9 de Fevereiro), sendo livre a criação de cursos sempre que possa ser garantida a sua qualidade científica e pedagógica e que se assegure o conhecimento oficial.

Privilegia-se uma pedagogia diferenciada, conducente à autonomia do formando, numa abordagem interdisciplinar, e centrada na resolução de problemas reais, recorrendo-se à pluridocência em algumas áreas disciplinares.

Como referem Silva e Rothes (1996, cit. in Pinto, Matos e Rothes, 1998), um dos principais factores decisivos para a qualidade do trabalho pedagógico neste nível educativo diz respeito às características dos formadores envolvidos. É fundamental, então, que estes profissionais sejam capazes de gerir as múltiplas situações de formação, mobilizando estratégias diversificadas, adequadas às características específicas dos seus formandos; além disso, devem ter expectativas elevadas sobre as capacidades de participação e aprendizagem dos formandos e sobre a sua própria capacidade para garantir este sucesso.

Deste modo, as questões do recrutamento e formação destes formadores devem ser merecedoras de toda a atenção. Recorrer sistematicamente e/ou de forma temporária, a professores do ensino regular acarreta sérios riscos. O que mais se destaca é a tendência que estes docentes têm para reproduzir com os adultos, de forma mecânica, os métodos que utilizam com as crianças e os jovens (Pinto, Matos e Rothes, 1998).

Exercer a docência nesta modalidade de ensino não pode ser, então, por mera conveniência de horário, por aproximação do local de residência nem tão pouco por serem os horários disponíveis na última fase de colocação de professores.

Outro dos aspectos apontados por Pinto, Matos e Rothes (1998) respeita ao modo de funcionamento das equipas pedagógicas envolvidas, que tem grande importância, especialmente se nos lembrarmos que a função de formador do Ensino Recorrente é desempenhada, maioritariamente, por professores que não receberam preparação para tal.

O facto do Ensino Recorrente, quando se desenvolve em escolas do ensino regular, “ser encarado de modo marginal” (Pinto, Matos e Rothes, 1998: 54), não merecendo sequer menção no próprio projecto educativo da escola, é, também, um factor de não valorização do trabalho pedagógico na educação de adultos.

A qualidade dos espaços físicos e dos recursos materiais é outro aspecto a ter em conta. Normalmente, o Ensino Recorrente realiza-se em instalações que não foram pensadas nem concebidas para a educação de adultos, criando dificuldades de vária ordem, como é bem patente no caso dos cursos do 1º Ciclo do Ensino Básico. Na verdade, maioritariamente, funcionam os mesmos em escolas do 1º Ciclo, o que, para além de efeitos psicológicos nos adultos, provoca desconforto e problemas de ergonomia a quem, sendo adulto, tem que permanecer sentado durante várias horas em cadeiras e mesas para crianças.

Outro factor que influencia a qualidade do trabalho pedagógico no Ensino Recorrente prende-se com as características do grupo de formandos e as suas expectativas no plano da formação. De facto, quando se trata de adultos com expectativas positivas em relação a esta experiência formativa e aos seus efeitos na sua vida pessoal e profissional, a qualidade do trabalho pedagógico tem tendência para subir, acontecendo o inverso na situação contrária.

2.1.CARACTERIZAÇÃO DO PÚBLICO-ALVO

A população que frequenta os cursos do Ensino Recorrente é essencialmente constituída por adultos que abandonaram precocemente o sistema escolar e que a ele regressam anos mais tarde e, ainda, por jovens que deixaram, entre outros motivos, por razões de ordem laboral, os cursos diurnos, para ingressarem em cursos nocturnos.

Sendo assim, os jovens e adultos que frequentam os cursos desta modalidade de ensino apresentam características próprias que os distinguem dos alunos do ensino regular, sintetizadas no Quadro N.º 6.

QUADRO N.º 6

CARACTERIZAÇÃO DOS FORMANDOS DO ENSINO RECORRENTE