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Na medida em que a continuidade do desenvolvimento não se manifesta apenas ao nível da criança, é necessário incluir alguns elemento adicionais no diagrama de forma a que

3.2. Os sistemas reguladores do desenvolvimento.

3.2.2. O código familiar

Enquanto que o código cultural regula a moldagem do indivíduo ao sistema social, os códigos familiares organizam os indivíduos no interior do sistema familiar, servindo de guiões para o comportamento dos pais, definindo papeis, a expressão de emoções e estipulando regras de conduta. De acordo com Sameroff e Fiese (2000), o código familiar desempenha uma espécie de papel intermédio entre as influências culturais mais distais e os padrões de interacção pais criança, cujo efeito é de tipo proximal.

Assim, a família tem um impacto na socialização da criança que não se reduz ao impacto de cada um dos seus membros ou até de cada um dos subsistemas que a compõem. Funciona como uma unidade que se vai alterando em resposta às mudanças que se operam nos seus membros ao longo do tempo. Desenvolve um "clima", estilos de resposta aos acontecimentos exteriores e "limites" ou fronteiras, que por sua vez constituem diferentes contextos de socialização para a criança.

Família e criança constituem assim sistemas governados por regras que ao longo do tempo e apesar das mudanças e transições desenvolvimentais, procuram manter a estabilidade (Fiese & Marjinsky, 1999). A função reguladora da família, apesar de influenciada pela própria criança, exerce-se através das suas práticas diárias e das representações. Nesta ordem

de ideias, a compreensão da ecologia familiar pode ser implementada pela análise do código familiar, composto pela família representada e pela família praticante20(Fiese, 1997).

A família representada, embora não directamente observável, está patente em modelos de funcionamento de relações, desenvolvidos no contexto familiar, e partilhados pelos membros, orientando o seu comportamento. Estas representações estão contidas nas histórias familiares, cujo conteúdo é revelador das atribuições, das regras de interacção e das crenças sobre as relações que caracterizam cada família. Como é evidente, as famílias diferem na forma como conseguem construir representações coerentes das experiências vividas (Fiese, 1999; Sameroff & Fiese, 2000).

A família praticante, por seu turno, corresponde a padrões de interacções entre os membros da família. Estes padrões repetem-se, traduzindo-se em rituais, proporcionando coerência e identidade à família e contribuindo desta forma para regular e estabilizar o comportamento dos seus membros ( Fiese, 1999; Sameroff & Fiese, 2000).

E importante salientar a noção de que a vida familiar comporta simultaneamente uma dimensão conceptual e uma dimensão de acção, sendo ambas reflexo dos processos transaccionais que ocorrem ao longo do tempo e exercendo funções reguladoras do desenvolvimento. Por outro lado, o código familiar é causa e consequência do que as famílias fazem e dos valores e crenças que são transmitidos. Para aceder a este código, numa óptica ecológica e transaccional, importa pois analisar as histórias familiares como parte da família representada e os rituais familiares como parte da família em acção.

As representações familiares e mais especificamente as histórias familiares, consideradas como uma dimensão da família representada, foram objecto de estudo nos últimos anos (Fiese, 1997; Fiese, Hooker, Kotary, Schwagler & Rimmer, 1995; Fiese & Marjinsky, 1999), e destacado o seu contributo como veículos de transmissão de valores e aprendizagem de papéis (Parke & Buriel, 1998). Foram encontradas relações entre o conteúdo

Capítulo 1 - O desenvolvimento humano em contexto

temático das histórias familiares contadas pelas mães e os padrões de interacção pais-criança, estando certo tipo de conteúdos relacionados com interacções mais complexas e positivas (Fiese et ai., 1995). Por outro lado, também se verificou que os conteúdos das histórias variavam consoante o sexo e a idade das crianças, e com o sexo do progenitor (Fiese et ai., 1995; Fiese & Skillman, 2000; Sameroff & Fiese, 2000). Além das relações encontradas com os padrões de interacção familiares, as histórias familiares parecem também estar relacionadas com a competência social das crianças (Parke & Buriel, 1998). Sameroff e Fiese (2000) por seu turno, admitem que as histórias familiares transmitem mensagens mais ou menos organizadas e mais ou menos consistentes, dependendo do tipo de organização familiar. Famílias em risco, por exemplo, não só proporcionam às crianças padrões de interacção perturbados, como também lhes transmitem, através das histórias, mensagens inconsistentes e desorganizadas, em que afecto e conteúdo não combinam entre si.

Tudo leva a crer que as representações que os pais possuem sobre o seu próprio sistema familiar regulam, até certo ponto, a qualidade da interacção com os filhos. As crenças familiares são como modelos de funcionamento, que orientam os comportamentos parentais e transmitem expectativas às crianças.

Os rituais familiares constituem aspectos mais conscientes do código familiar, podendo abarcar observâncias religiosas altamente estilizadas ou padrões de interacção diária menos articulados, como por exemplo o tipo de saudação utilizada quando um membro da família chega a casa. De acordo com Sameroff e Fiese (2000), os rituais estão implicados na organização da vida familiar, e associados aos aspectos agidos e representados do código familiar. São uma espécie de rotinas com periodicidade variável, podendo constituir uma fonte de estabilidade no caso de famílias menos funcionais, ou contribuir para a preservação das relações familiares em alturas de transição. Deste ponto de vista, os rituais desempenhariam uma função protectora, conferindo significado às interacções familiares e acentuando sentimentos de segurança e pertença (Parke & Buriel, 1998; Sameroff & Fiese, 2000).

Assim, se os rituais familiares apresentam por uma lado uma dimensão de rotina e de regularidade através das quais a sua influência se exerce, permitem por outro a atribuição de significados aos padrões interactivos que ocorrem no seio da família, transformando-os em aspectos fulcrais dos processos e da organização familiar. Assim, além de uma função protectora da família, os rituais contribuiriam para promover a sua adaptação positiva e para preservar as relações em períodos de crise ou de transição (Sameroff & Fiese, 2000).

Numa óptica transaccional, a vertente representada e a vertente actuada do código familiar afectam-se mutuamente ao longo do tempo. Assim,

..as práticas familiares acabam por adquirir significado ao longo do tempo e traduzem-se nos aspectos simbólicos da família representada. A família representada, por sua vez, pode afectar a forma como a família regula e interpreta as suas práticas21 (Sameroff & Fiese, 2000, p. 146).

Tal como acontece em outros sistemas transaccionais, não é possível estabelecer ligações causais directas entre ambos os fenómenos. Transpondo esta constatação para o domínio do desenvolvimento da criança, diríamos que entre as expectativas dos pais e o comportamento dos filhos, existe uma cadeia de ligações recíprocas que torna difícil prever qual será o resultado.