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Os modelos demominados contexto-processo estudam os processos causais implicados no desenvolvimento com origem no contexto social mais vasto, logo exterior ao

2.3. Componentes do modelo bioecológico

2.3.1. Os processos proximais

Os processos proximais são os mecanismos da interacção comportamental entre organismo e ambiente, sendo afectados simultaneamente pelas características da pessoa em desenvolvimento e pelo contexto ambiental onde ocorre a interacção, constituindo os motores primários de produção do desenvolvimento.

O processo proximal constitui um dos aspectos mais pregnantes do modelo bioecológico, destacando-se definitivamente do conceito de ambiente.13 O processo é por

definição um fluxo continuado de acontecimentos interrelacionados e interdependentes (Magnusson & Stattin, 1998), estando por isso relacionado com as noções de tempo e de movimento. Assim sendo, de acordo com o modelo bioecológico, para serem eficazes e produzirem desenvolvimento, os processos proximais deverão apresentar, para além de um grau de complexidade crescente e caracter bi-direccional, alguma regularidade temporal.

13 Na investigação desenvolvimental tradicional, fenómenos como a interacção mãe-criança ou o

comportamento de outros relativamente ao indivíduo em desenvolvimento, eram englobados na noção global de ambiente. Tal não acontece no modelo bioecológico, em que processo e ambiente são conceitos distintos, (Bronfenbrenner & Morris, 1998). O processo é um conceito de interface, exprimindo uma relação funcional entre o ambiente (que pode referir-se a pessoas, objectos ou símbolos) e a pessoa em desenvolvimento.

O poder dos processos proximais na determinação do desenvolvimento varia em função dos restantes componentes do modelo, ou seja, das características da pessoa, dos contextos ambientais imediatos ou remotos e finalmente, dos períodos de tempo ao logo do qual tais processos ocorrem - ou seja, do seu ritmo e periodicidade.

2.3.2. A Pessoa

Desde 1989, Bronfenbrenner referia o facto de, na maior parte das concepções acerca da pessoa em desenvolvimento, a definição das características da pessoa ser feita sem referência ao ambiente, considerando-se que teriam o mesmo significado independentemente do grupo social, cultural ou dos contextos de vida onde a pessoa estava inserida. No entanto, cada vez mais a investigação psicológica tem vindo a questionar estes pressupostos. A concepção da cognição como um domínio invariante no espaço e no tempo, ou seja, cuja avaliação é independente do grupo cultural ou social e da época histórica, tem vindo a ser repensada14, o mesmo acontecendo nos domínios do temperamento e da personalidade,

relativamente aos quais se propõe que as diferenças individuais sejam interpretadas em função da perspectiva cultural em que o indivíduo foi educado. Essencialmente, sublinha-se a interdependência entre características pessoais e o contexto social e cultural em que o indivíduo está inserido.

Por outro lado, é também relativamente vulgar que as características cognitivas e socio-ecomocionais da pessoa sejam tratadas apenas como variáveis dependentes, ou seja, como medidas de resultado. No entanto, numa concepção ecológica, o estudo dessas características deverá enfatizar o seu papel percursor no desenvolvimento posterior, bem

14 Bronfenbrenner (1989) considera Vygotsky e sua teoria da evolução socio-histórica da mente, por um lado, e

as concepções antropológicas, por outro, como pioneiras nas abordagem contextuais do desenvolvimento cognitivo. Como é sabido, estas abordagens enfatizam o papel preponderante da cultura e do momento histórico no desenvolvimento do indivíduo.

Capítulo 1 - O desenvolvimento humano em contexto

como o papel moderador dos processos desenvolvimentais, merecendo tanto mais atenção dos investigadores quanto maior for o seu poder de interferir nos processos proximais e consequentemente no desenvolvimento psicológico subsequente. Por outras palavras, as características da pessoa assumem um duplo papel, sendo simultaneamente origem e produto do desenvolvimento.

A pessoa é encarada como um agente activo que contribui para o seu próprio desenvolvimento; consequentemente, as características pessoais são analisadas não como meros produtos, mas em termos do seu potencial para provocar respostas, alterar ou recriar o ambiente, nos domínios cognitivo, do temperamento e da personalidade.

Três características da pessoa são consideradas percursoras e produtoras do desenvolvimento, na medida em que têm capacidade para influenciar a emergência e a operatividade dos processos proximais. São elas as forças, os recursos e os pedidos15. Para

além de constituírem qualidades da pessoa em desenvolvimento, estas características também qualificam outros indivíduos do microssistema do indivíduo - pais, familiares, amigos, colegas, ou quaisquer outras pessoas que lidam com o indivíduo numa base regular e por períodos de tempo extensos

As forças são disposições comportamentais activas da pessoa que desencadeiam e sustém a acção dos processos proximais ou que pelo contrário, interferem, atrasam ou mesmo impedem a sua ocorrência. No primeiro caso, são geradoras do desenvolvimento, sendo exemplos a curiosidade, a tendência para iniciar e permanecer em actividade, a responsividade, ou a disponibilidade para adiar a gratificação imediata com vista a alcançar objectivos a longo prazo. No segundo caso, são perturbadoras do desenvolvimento: num extremo encontram-se as disposições que implicam dificuldade de controlo sobre emoções e

Do inglês demand characteristics. Para além de constituírem qualidades da pessoa em desenvolvimento, estas características também qualificam os outros indivíduos que compõem o microssistema da criança, lidando com ela numa base regular. De facto, desde 1989 que Bronfenbrenner propõe o alargamento da noção de microssistema de forma a incluir as características desenvolvimentalmente relevantes das pessoas que participam nos contextos de vida da criança. O desenvolvimento é função das características instigadoras do desenvolvimento da pessoa mas também dos outros significativos que com ela contactam.

comportamentos, como a impulsividade, a explosividade, a distractibilidade, a incapacidade para adiar gratificação, a tendência para a agressividade e violência; no outro, posicionam-se características de tipo mais passivo, como a apatia, desatenção, alheamento, falta de interesse, sentimentos de insegurança e timidez e a tendência geral para a passividade.

Desde precocemente, as crianças apresentam diferentes disposições comportamentais, com repercussões diferentes no seu desenvolvimento. Assim, por exemplo, as crianças diferem desde muito cedo na responsividade selectiva, ou seja, na apetência pela exploração do ambiente social e físico e na tendência para se envolverem de forma persistente em actividades progressivamente mais complexas. Estas diferenças individuais precoces, consideradas em certas condições como disposições geradoras do desenvolvimento, estão implicadas nos resultados diferentes em termos desenvolvimentais, como apontam estudos referidos pelos autores, embora não sejam consideradas características distintas, como são tradicionalmente encaradas. Tais disposições direccionais interagem de forma sinergética com aspectos particulares do meio, de forma transaccional, gerando níveis sucessivos de avanço desenvolvimental.

Os recursos constituem um outro tipo de características pessoais com poder de influenciar a capacidade do organismo para se envolver nos processos proximais. São de cariz essencialmente biológico, podendo constituir condições limitativas da integridade funcional do organismo (defeitos genéticos, deficiências físicas, doenças graves ou prolongadas) ou pelo contrário, condições facilitadoras (capacidades, conhecimentos, competência) que alargam o domínio de acção construtiva dos processos proximais.

Os pedidos são também atributos pessoais capazes de afectar o impacto desenvolvimental dos processos proximais. Defmem-se como a capacidade do indivíduo para solicitar ou pelo contrário, desencorajar, determinadas reacções do meio social envolvente, as quais poderão por sua vez, perturbar ou promover os processos de crescimento psicológico. A título de exemplo, um bebé tranquilo e um bebé irritável solicitarão reacções diferentes por

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parte do meio envolvente, o mesmo acontecendo a uma criança hiperactiva comparativamente com uma passiva.

Em suma, as características pessoais influenciam o poder dos processos proximais, e mais do que meros produtos do desenvolvimento, elas são também produtoras do desenvolvimento. Por outro lado, importa também considerar o papel de outros significativos ao nível do microssistema, em função de características como o temperamento, a personalidade ou os sistemas de crenças, o que coloca as características pessoais em ambos os termos da equação bioecológica. O impacto desenvolvimental dos processos proximais está relacionado com a sua bi-direccionalidade, o que ao nível das interacções pessoais, implica reciprocidade e iniciativa de ambas as partes, sem que qualquer uma delas seja considerada mais poderosa na determinação dos resultados. Há, contudo, um longo caminho ainda por percorrer, abundando os estudos em que as características pessoais são abordadas como resultados da desenvolvimento, e rareando justamente as investigações onde tais características sejam operacionalizadas como fontes de variação na susceptibilidade do indivíduo ao poder dos processos proximais (Bronfenbrenner & Morris, 1998).

2.3.3. O Ambiente

Além de pessoas, os processos proximais podem envolver interacções recíprocas progressivamente mais complexas com objectos e símbolos. Neste caso, a magnitude e a eficácia dos processos proximais não é afectada pelo comportamento de outros, sendo provável uma maior implicação das características pessoais (disposições e recursos) do próprio indivíduo no direccionamento e poder de tais processos. Importa, então, analisar os aspectos do ambiente físico com impacto nos processos proximais, e os seus efeitos.

Estas considerações levaram os autores a uma formulação mais completa e abrangente do conceito de microssistema, passando este a ser definido como um padrão de actividades,

papeis sociais e relações interpessoais experienciadas pela pessoa em desenvolvimento num determinado contexto face-a-face, com características próprias em termos físicos, sociais e simbólicos, as quais provocam, facilitam ou inibem o envolvimento em interacções progressivamente mais complexas e em actividades no ambiente imediato (Bronfenbrenner &

Morris, 1998, p.1013).

A anterior concepção de ambiente, como um conjunto de sistemas concêntricos do micro ao macrossistema torna-se nesta nova formulação mais diferenciada, ao mesmo tempo que são salientadas as suas potencialidades como grelha de leitura da realidade e como fonte geradora de novas hipóteses. O microssistema engloba na sua estrutura os processos proximais que implicam interacções com pessoas, e também com objectos ou símbolos. Adicionalmente, são também diferenciados os aspectos dos ambiente que promovem ou que pelo contrário dificultam o desenvolvimento dos processos proximais. Assim, é possível, com base no modelo bioecológico, e recorrendo às noções de micro-, meso-, exo- e macrossistema, definir uma taxonomia da qualidade dos ambientes, com efeitos diferentes nos processos proximais e nos seus resultados (Bronfenbrenner & Morris, 1998).

2.3.4. O Tempo

O tempo constitui a quarta dimensão implicada neste modelo, ocupando nele um lugar privilegiado. Como vimos exposto em parágrafos anteriores, o tempo está antes do mais relacionado com os processos proximais, sendo o ritmo e a periodicidade dimensões fundamentais na compreensão dos processos biológicos (Magnusson & Stattin, 1998). Por outro lado, a perspectiva temporal não constitui um critério absoluto, variando com o sistema sob consideração. A um primeiro nível, o tempo está implicado na continuidade ou descontinuidade da acção dos processos proximais. A maior ou menor periodicidade da acção destes processos tem a ver com o segundo nível, ou mesotempo. Finalmente o macrotempo refere-se às mudanças intra- e intergeracionais na estrutura social, e à forma como afectam e são afectadas pelos processos de desenvolvimento humano que ocorrem ao longo da vida.

Capítulo 1 - 0 desenvolvimento humano em contexto

O tempo e altura/temporização são consequentemente encarados como facetas do ambiente, contrariamente ao que se verifica tradicionalmente nas investigações desenvolvimentais, em que ambos são considerados características da pessoa.