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O ciclo de vida profissional dos professores

2.2 DE PROFESSOR A PROFESSOR-ORIENTADOR

2.2.4 O ciclo de vida profissional dos professores

A vida profissional do professor é permeada por desafios que interferem diretamente em como esse docente se percebe e como interage com o ambiente de trabalho e com seus pares. Tardif (2014) coloca a carreira docente como um processo de socialização e aquisições que vão, ao longo dos anos, compondo a atividade profissional, variando de acordo com o tempo e o papel desempenhado.

Para Ball e Goodson (2005), o envelhecimento é uma experiência única e universal e, como tal, é uma fonte importante de identidade pessoal e social. Nesse sentido, o envelhecimento, o desenvolvimento ocupacional e a identidade estão indissociavelmente ligados.

No entanto, os professores da Educação Básica estão na posição quase única de trabalhar com um número fixo geracional, e que lhes afastam progressivamente ao longo de sua carreira do seu objeto de trabalho: as crianças e adolescentes (BALL; GOODSON, 2005).

O professor, no decorrer de sua vida profissional, atravessa diferentes períodos e fases constituindo, assim, traços marcantes que o diferencia em cada momento da carreira, perfazendo os ciclos de vida profissional do docente (HUBERMAN, 2000). Huberman (2000) sintetiza alguns fatores como os dilemas que o professor têm em sua entrada na carreira (e ao longo dela), confrontos entre os planos ideais e a realidade, a crescente confiança sobre seu trabalho e se perceber competente, a experimentação e diversificação das atividades, motivação, busca por desafios e, ao longo dos anos, o conformismo e/ou serenidade profissional.

É crescente o número de trabalhos que se preocupam em estudar modelos de ciclos profissionais, bem como sua aplicação a um determinado grupo. Rossi e Hunger

(2012), por exemplo, aplicam esses ciclos profissionais a professores de Educação Física. Já Araújo, Lima, Oliveira e Miranda (2015) realizam um estudo adotando essas etapas a professores da área de Ciências Contábeis.

Um dos estudos mais referenciados sobre o ciclo de vida profissional docente é o de Huberman (2000). O autor propõe fases comuns aos professores pertencentes a uma mesma faixa etária de trabalho, buscando os piores e melhores momentos da carreira e relacionando-os a acontecimentos pessoais e que influenciaram a vida profissional. A partir da análise, Huberman (2000) concluiu a ocorrência de itinerários- tipos, caracterizando certos grupos de professores dentro de um mesmo período de tempo de trabalho e que passam por situações bastante similares.

A distinção das fases designadas por cada autor não implica e nem cristaliza que todas devam ocorrer, tampouco que todos os professores devam enfrentá-las ao longo de suas carreiras. Para Huberman (2000, p. 37), “[...] não quer dizer que tais sequências sejam vividas sempre pela mesma ordem, nem que todos os elementos de uma dada profissão as vivam todas”. O estudo dessas fases serve para compreensão e planejamento de estratégias que possam melhor beneficiar esses sujeitos ao longo das etapas da vida profissional.

Jesus e Santos (2004) apontam limitações nesse tipo de estudo, pois torna-se difícil comparar sujeitos que experienciaram situações diferentes e, dessa forma, delinear um percurso-tipo no qual se enquadrem os sujeitos. Sabendo-se desse entrave, pesquisadores investigam grupos de forma transversal, em diferentes fases da carreira, tais como os estudos de Huberman (2000), Gonçalves (2000) e Steffy e Wolfe (2001) (Quadro 9).

Outras propostas para análise dos ciclos de vida foram realizadas ao longo das últimas décadas. Porém, para este estudo, opto por uma breve explanação dessas três pesquisas.

Quadro 9 - Fases do ciclo profissional docente (os números expressam os anos de docência apontados pelos autores)

Fases do ciclo profissional docente

Huberman (2000) Gonçalves (2000) Steffy e Wolfe (2001) Exploração (aproximadamente de 0-3) O início (1-4) Iniciante (antes do ingresso à carreira até cerca de 1 ano) Estabilização (4-6) Estabilidade (5-7) Aprendiz (2-3) Diversificação (7-25) Divergência (8-15) Profissional (não menciona tempo) Serenidade

(25-35)

Serenidade (15-20/25)

Expert

(não menciona tempo) Desinvestimento Renovação do interesse e/ou

desencanto 25-40

Distinta (não menciona tempo)

- - Emérita

(não menciona tempo) Fonte: Elaborado pela autora (2020).

Pesquisas como a de Ball e Goodson (2005) não fazem menção a etapas específicas do ciclo de vida profissional docente. Contudo, é realizada uma relação entre as idades dos sujeitos professores em ocasião do estudo realizado, com alguns aspectos em comum em cada uma das classes etárias.

Steffy e Wolfe (2001) trazem em seu trabalho que a formação dos professores começa antes do término da formação inicial. Os autores colocam que, durante o curso, os professores realizam experiências práticas como parte de seu programa de ensino, o que contribui e se caracteriza como uma das fases da carreira docente. Porém, nesta pesquisa, devido ao foco serem professores que atuam como orientadores em projetos investigativos escolares, acredito que este grupo não apresentaria grande representatividade diante do problema da pesquisa.

Faço a opção, nesse trabalho, pelos ciclos descritos por Gonçalves (2000), por acreditar que as etapas propostas pelo autor são mais condizentes à realidade brasileira, principalmente no que diz respeito às classes etárias, visto que a última fase proposta por Huberman (2000) inicia após os 35 anos de carreira. Integro o itinerário-tipo estabelecido por Gonçalves (2000) às ideias de Huberman (2000), inserindo-as em pontos convergentes às etapas propostas por Gonçalves (2000) e fazendo-as dialogarem.

De acordo com Gonçalves (2000), existem dois planos de análise: o desenvolvimento profissional e o da construção da identidade profissional.

O primeiro compreende três perspectivas: a o desenvolvimento pessoal que concebe o desenvolvimento profissional como resultado de um processo de

crescimento individual; a da profissionalização, segundo a qual o desenvolvimento profissional é resultado de um processo de aquisição de competências, tanto de eficácia do ensino quanto de organização do processo de ensino aprendizagem; e finalmente, a da socialização, também chamada de socialização profissional ou socialização do professor, que se centra na adaptação do professor ao seu meio profissional, tanto em termos normativos como interativos (VONK; SCHRAS, 1987 apud GONÇALVES, 2000, p. 145, grifos do autor).

Com relação à construção identitária, Gonçalves (2000) coloca-a como a relação que o professor constrói com a sua profissão e com seus pares, assim como as dimensões pessoal, interpessoal e simbólica que a compõem.

De acordo com o itinerário-tipo proposto por Gonçalves (2000), tem-se as seguintes etapas:

Início. Abrange os primeiros quatro anos da carreira do professor, que pode ser marcado pela luta pela sobrevivência em que o docente se depara com a vida real e o gosto pelas descobertas. Huberman (2000) acrescenta que, nessa etapa, o professor experimenta novos papéis, aprende a exercer suas atribuições, exerce suas responsabilidades e avalia suas competências. Esses dois aspectos ocorrem de forma concomitante, sendo a descoberta o alimento para a sobrevivência.

Estabilidade. Essa fase é marcada pelo período entre os 5 e 7 anos de carreira, em alguns casos estendendo-se até os 10 anos, momento em que “os pés se assentaram no chão, a confiança foi alcançada, a gestão do processo de ensino- aprendizagem conseguida e a satisfação e um gosto pelo ensino, até aí, por vezes, não pressentido, afirmaram-se” (GONÇALVES, 2000, p. 164). Trata-se da fase mais uniforme entre os docentes, de acordo com os estudos de Gonçalves (2000). Para Huberman (2000), a fase de estabilização que estipula como correspondente é mais curta (4 a 6 anos), mas demonstra semelhança nas ideias por estar marcada pela afirmação do eu, do agora sou professor.

Divergência. Período variante entre 8 e 15 anos, que se mostra como uma etapa de desequilíbrio em relação à anterior. Na pesquisa de Gonçalves (2000), neste período emergem situações como cansaço e saturação. O mesmo aparece nos estudos de Huberman (2000), que coloca essa fase entre os 7 e 25 anos de profissão. Porém, o autor coloca essa fase como representando, também, o momento escolhido pelo professor para novas experiências (HUBERMAN, 2000). De acordo com Huberman (2000), os professores, nesse período da carreira, são os mais motivados, os mais dinâmicos e os mais empenhados.

As pessoas lançam-se, então numa pequena série de experiências pessoais, diversificando o material didático, os modos de avaliação, a forma de agrupar os alunos, as sequências do programa, etc. Antes da estabilização, as incertezas, as inconsequências e o insucesso geral tendiam de preferência a restringir qualquer tentativa de diversificar a gestão das aulas e instaurar uma certa rigidez pedagógica (HUBERMAN, 2000, p. 41).

Huberman (2000) coloca como inerente à fase da diversificação uma etapa que denomina como questionamento, em que o docente passa a apresentar inibição e rotina. Parece existir uma dicotomia entre dois perfis: para um perfil-tipo o sujeito se coloca em questão sem haver consciência exata sobre o que está sendo colocado em pauta. Já no outro perfil, observa-se progressivamente a sensação de rotina sem que perpassem por situações inovadoras. Não há evidências de que todos os professores passem por essa etapa. O autor resume assim:

Por outras palavras, pôr-se em questão corresponderia a uma fase - ou várias fases – ‘arquetípica(s)’ da vida, durante a(s) qual (quais) as pessoas examinam o que terão feito da sua vida, face aos objetivos e ideais dos primeiros tempos, e em que encaram tanto a perspectiva de continuar o mesmo percurso como a de se embrenharem na incerteza e, sobretudo, na insegurança de outro percurso (HUBERMAN, 2000, p. 43).

Serenidade. Gonçalves (2000) registra nessa etapa os professores entre os 15 e cerca dos 20-25 anos. Descreve essa fase como uma calmaria, em vista da última fase, bem como um distanciamento afetivo, fruto de uma capacidade reflexiva da carreira. O autor afirma que “A satisfação pessoal de se saber o que está a fazer, acreditando-se que está a fazer bem, confunde-se já, por vezes, com um certo conservadorismo” (GONÇALVES, 2000, p. 165, grifos do autor). Essa fase, para Huberman (2000), aparece na faixa entre os 23-35 anos de carreira. Para Huberman (2000), a serenidade pode ser alcançada (para alguns) a partir do questionamento. Descreve os professores como menos vulneráveis à avaliação dos outros, atingindo realmente uma serenidade (HUBERMAN, 2000).

As pessoas nada mais têm a provar, aos outros ou a si próprias, reduzem a distância que separa os objetivos do início de carreira daquilo que foi possível conseguir até o momento, apresentando em termos mais modestos as metas a alcançar em anos futuros (HUBERMAN, 2000, p. 44).

Também pode tornar-se um aspecto dessa etapa um distanciamento criado pelos alunos, visto que os professores mais jovens podem ser tratados como irmãos mais velhos, enquanto professores desse ciclo de vida profissional já são identificados mais como seus pais (HUBERMAN, 2000). Constatação semelhante é feita por Goodson e Ball (2005), mencionada anteriormente, ao se referirem que em um

determinado ponto da carreira ocorre um distanciamento geracional e, com isso, uma possível perda na identificação entre o professor e aluno.

Huberman (2000) coloca o conservadorismo como um possível caminho dentro desse mesmo período, percebendo-o como um momento de lamentações, prudência excessiva, resistente às mudanças e nostalgia ao passado.

Renovação do Interesse e/ou desinvestimento. Gonçalves (2000) atribui a essa fase a denominação desencanto, porém, considero mais apropriado o termo adotado por Huberman (2000), desinvestimento (deixar de investir em alguma coisa não significa necessariamente um desencantamento), por pensar que o significado está mais próximo do que acredito para esse estudo. Para Gonçalves (2000), essa fase se situa após os 25 anos de carreira. Nesse período, o autor descreve dois perfis de professores: aqueles que pareciam ter renovado seu gosto pela profissão, demonstrando entusiasmo e desejo por aprender e se aventurar a novos desafios; aqueles que demonstravam exaustão, impaciência, saturação e a espera somente pela aposentadoria. Huberman (2000) a descreve de forma bastante semelhante, porém atribuindo sua ocorrência após os 35 anos de carreira e pontuando que podem existir dois perfis de professores, aqueles que vão diminuir seu ritmo de trabalho e se retirar da sala de aula aos poucos, com serenidade (sereno), e os que encerram com amargura, desilusão e frustração seus anos de docência (amargo).

Para finalizar essa etapa, considero importante lembrar:

O desenvolvimento de uma carreira é, assim, um processo e não uma série de acontecimentos. Para alguns, este processo pode parecer linear, mas para outros, há patamares, regressões, becos sem saída, momentos de arranque e descontinuidades (HUBERMAN, 2000, p. 38).

Indo ao encontro do meu objeto de estudo, os professores-orientadores de projetos investigativos que participam das FCs, penso que as teorias relacionadas ao ser e fazer docente até aqui expostas fornecem ao leitor uma visão desse sujeito dentro e fora de sala de aula, dando importância a sua vida pessoal. Busco deixar evidente o quanto suas trajetórias fora da escola e o tempo de vida que dedicaram a sua carreira podem influenciar no seu eu-professor. Sendo assim, indo mais próximo do meu recorte de pesquisa, apresento elementos que podem contribuir à formação do sujeito-professor-orientador.