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2.2 DE PROFESSOR A PROFESSOR-ORIENTADOR

2.2.1 O professor e sua história

O docente não se torna docente no momento em que recebe um diploma. A formação de um professor vai muito além dos anos de graduação, pois atravessa a vida desse sujeito em formação. Envolve sua passagem enquanto estudante, suas vivências enquanto sujeito, suas reflexões, suas expectativas e motivações. A experiência humana é singular, de modo a ser impossível viver duas vidas de igual maneira. Nas palavras de Macedo (2015, p. 18, grifos do autor), “não se oferece a comparações na sua singularidade singularizante”.

Para Nias (1989 apud NÓVOA 2000, p. 15): “o professor é a pessoa; e uma parte importante da pessoa é o professor”. Assim, é impossível dissociar o professor do seu eu, assim como é impossível não carregar suas experiências pessoais para a sala de aula.

Pereira (2013, p. 13) ao falar sobre o professor, diz que esse é “o sujeito que se produz em uma prática de ensinar, de trabalhar na formação de outros sujeitos, em uma prática de educar”. Nóvoa (2000), ao buscar respostas à pergunta de como nos tornamos os docentes que hoje somos, pontua três fatores principais à construção do processo identitário do professor: Adesão, Ação e Autoconsciência.

A de adesão, porque ser professor implica sempre a adesão a princípios e valores, a adoção de projetos, um investimento positivo nas potencialidades das crianças e dos jovens.

A de ação, porque também aqui, na escolha das melhores maneiras de agir se jogam decisões de foro profissional e do foro pessoal. Todos sabemos que certas técnicas e métodos ‘colam’ melhor a nossa maneira de ser do que outros. Todos sabemos que o sucesso ou o insucesso de certas experiências ‘marcam’ a nossa postura pedagógica, fazendo-nos sentir bem ou mal com essa ou com aquela maneira de trabalhar em sala de aula.

A de autoconsciência, porque em última análise tudo se decide no processo de reflexão que o professor leva a cabo sobre sua própria ação. É uma dimensão decisiva da profissão docente, na medida em que a mudança e inovação pedagógica estão intimamente dependentes desse pensamento reflexivo (NÓVOA, 2000, p. 16, grifos do autor).

De acordo com Ball e Goodson (2005), por definição, carreiras são socialmente construídas e experimentadas nas suas singularidades ao longo do tempo, levando- se em conta aspectos objetivos e subjetivos da experiência do professor. As carreiras

constituem trajetórias subjetivas, perpassando períodos históricos de acordo com o indivíduo e fases distintas (BALL; GOODSON, 2005).

Ball e Goodson (2005) ressaltam a importância de se conhecer a história dos professores para além das salas de aula, pois certamente suas experiências anteriores à carreira e o fato de realizarem outras atividades – sejam culturais, familiares ou exercendo outras atividades remuneradas – fora da instituição escolar influenciaram e/ou influenciam sua prática docente. Sendo assim, um pesquisador, ao realizar sua investigação com esses sujeitos, deve demonstrar interesse a esses fatos adjacentes.

Além da compreensão de como um professor se tornou o professor que ele é, saber mais sobre a vida desse profissional e seu desenvolvimento permite desenhar melhor o currículo de sua formação, com vistas às suas prioridades e necessidades (GOODSON, 2000).

É como se o professor fosse sua própria prática. Para os formadores de professores, esta especificidade de incidência é compreensível, mas eu desejo provar que, numa perspectiva mais lata, poder-se-á mais longe: não só em termos das nossas percepções, mas fundamentalmente, no modo como realimentamos as mudanças em relação ao conhecimento prático (GOODSON, 2000, p. 68).

Goodson (2000) apresenta argumentos que embasam e justificam pesquisas que avançam na dimensão da sala de aula e percebem o professor como sujeito produtor de conhecimentos cujos saberes devem ser valorizados.

a) Respeito pela vida do professor. “Ouvir a voz do professor devia ensinar-nos que o autobiográfico, ‘a vida’, é de grande interesse quando os professores falam do seu trabalho” (GOODSON, 2000, p. 71);

b) “As experiências de vida e o ambiente sociocultural são obviamente ingredientes-chave da pessoa que somos, do nosso sentido do eu” (GOODSON, 2000, p. 71, grifo do autor). Nessa parte, Goodson (2000) aponta que é natural nos identificarmos durante a formação escolar com um professor ou professora, pessoa essa que pode influenciar fortemente na escolha profissional e inspirar a um “modelo funcional”;

c) “O estilo de vida do professor dentro e fora da escola, as suas identidades e culturas ocultas têm impacto sobre os modelos de ensino e sobre a prática educativa” (GOODSON, 2000, p. 72, grifo do autor);

d) A análise do ciclo de vida do professor é um elemento importante, pois “ajudará a compreender os elementos únicos no processo de ensino” (GOODSON, 2000, p. 73). Do mesmo modo, o autor aponta que “estágios referentes à carreira e decisões relativas à carreira só podem ser analisados no seu próprio contexto” (GOODSON, 2000, p. 74, grifos do autor);

f) Ao longo da carreira, são comuns “[...] incidentes críticos na vida dos professores e, em especial, no seu trabalho, que podem, decididamente, afetar a sua percepção e práticas profissionais” (GOODSON, 2000, p. 74);

g) Pesquisas que abordam a vida de professores, podem contribuir para “ver o indivíduo em relação com a história do seu tempo, permitindo-nos encarar a intersecção da história de vida com a história da sociedade, esclarecendo, assim, as escolhas, contingências e opções que se deparam ao indivíduo” (GOODSON, 2000, p. 75).

Portanto, é nítida a importância da compreensão da vida do professor ao se partilhar seu conhecimento e experiências ao longo de sua carreira. Nóvoa (2000) explica que é importante a compreensão do processo identitário, pois a forma como somos, enquanto pessoas, influencia diretamente na maneira como ensinamos. Torna-se cada vez mais clara a incapacidade de dissociarmos o eu profissional do eu pessoal.

Moita (2000) argumenta que ninguém se forma a partir de um nada. A formação se estabelece pelos múltiplos compartilhamentos, interações sociais, aprendizagens e experiências, todos perpassados pela cultura. O modo como cada um constrói seu percurso de vida para si vai estabelecer seu percurso de formação, o que torna o seu processo de formação singular.