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3.2.1.2 Antecedentes eclesiais

3.2.1.2.2 O Concílio Vaticano II

Segundo Domezi (1997, p. 27),

João XXIII viu que uma Igreja fechada em si própria nunca poderia dar resposta ao impacto da modernidade, mas, ao convocar o Concílio, não esperava uma renovação imediata. Esperava-se que o Concílio criasse condições de liberdade e abertura para o início de um longo processo de diálogo, intercâmbio e evangelização.

Outras iniciativas, que desde o entre guerras foram implementadas no seio da Igreja, contribuíram bastante para desencadear o Concílio Vaticano II: o movimento litúrgico que valorizou a dimensão sacramental da Igreja; o movimento bíblico que foi às

13 A primeira carta pastoral que o papa João XXIII escreveu, iniciava com estas palavras: Justiça e Paz

fontes da Sagrada Escritura com novos métodos exegéticos e críticos; a renovação patrística que levou ao estudo e publicação de muitos escritos dos Santos Padres do oriente e do ocidente; o ecumenismo impulsionado pela espiritualidade e diálogo teológico; a pastoral que buscava novos caminhos mais acertados para o meio intelectual, para os jovens e operários (DOMEZI, 1997, p. 27; TEIXEIRA, 1988, 203- 204).

Ressalta-se que, uma das formas de implantação e adaptação das conclusões do Concílio Vaticano II na América Latina foram as Conferências Episcopais.

3.2.1.2.3 Antecedentes Eclesiais no Brasil

No panorama eclesial brasileiro, a Ação Católica Especializada foi uma das experiências católicas de cunho esquerdista. Segundo Löwy (2000, p. 140) “a Esquerda Católica Brasileira da década de 60 foi a verdadeira precursora do Cristianismo da Libertação”.

A Ação Católica, de 1947 a 1950, passando para o modelo francês e canadense, transformou-se em movimentos especializados, basicamente de juventude, organizados por meios de atuação: agrários (JAC), estudantil (JEC, JECF), independente (setores médios, JICF), operários (JOC-JOCF) e universitário (JUC). Utilizavam o método ver-julgar-agir, a partir da experiência jocista, e a revisão de vida. Falava-se então de formação na ação, de inserção no meio, de compromisso e de transformação social. Do mundo da cultura e de uma atividade intra-eclesial, se passava a presença ativa na sociedade (SOUZA, 2004, p. 82)

Por iniciativa de Dom Helder Câmara, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é fundada em 1952, com o intuito de trabalhar uma pastoral de conjunto. Teve como marco importante para sua unificação, o plano de emergência (1962) e sua

solidificação com o primeiro Plano de Pastoral de Conjunto (1966) (PESSOA, 1999, p. 99).

Seguindo o exemplo dos bispos brasileiros, em 1954, as congregações religiosas fundaram a CRB – Conferência dos Religiosos do Brasil (DOMEZI, 1999-2000, p. 38). Entre as demais ordens religiosas que compõem a CRB, as femininas foram decisivas para a implantação de uma Igreja mais popular, no caso as CEBs.

Conforme Löwy (2000),

As ordens religiosas femininas não só eram as mais numerosas – existem trinta e sete mil freiras no Brasil – mas o fator mais eficaz na promoção das CEBs nas comunidades pobres urbanas. Como resultado, no fim da década (1970), já havia dezenas de milhares de tais comunidades de base, com centenas de milhares (talvez alguns milhões) de participantes (LÖWY, 2000, pp. 145-146).

Em 1956, na Diocese de Barra do Piraí, Rio de Janeiro, surgem os catequistas populares. Eram pessoas simples, leigos e leigas, que ajudavam na instrução da fé do seu próprio povo (TEIXEIRA, 1988, p. 56).

No Rio Grande do Norte, surge no sertão do Seridó, uma experiência pioneira na tentativa de enfrentar o problema agrário. Por intermédio da Ação Católica Rural, os pequenos agricultores unem-se em cooperativas para buscar soluções frente à difícil situação em que viviam. Em 1948, a Arquidiocese de Natal vivenciou experiência semelhante, incluindo o meio urbano. Através de estudos detalhados sobre a situação agrária da região e com um planejamento para responder à realidade detectada, assim como a criação das Escolas Radiofônicas,14 a Arquidiocese fomentou um movimento

14 Segundo Domezi (1999-2000, p. 38), as Escolas Radiofônicas não tinham como perspectiva primeira

pioneiro na sindicalização e na evangelização libertadora, ligando fé e vida. Essa experiência no Rio Grande do Norte ficou conhecida como “O Movimento de Natal” (DOMEZI, 1999-2000, p. 38; TEIXEIRA, 1988, p. 60).

Ainda no Estado potiguar, por causa da falta de padres, surge o projeto “missão em paróquias sem padres”. No ano de 1962, algumas religiosas deixaram os colégios e assumiram a paróquia de Nísia Floresta (TEIXEIRA, 1988, p. 67).

Em 1961 é criado o MEB (Movimento de Educação de Base), a partir da “pedagogia do oprimido” de Paulo Freire. O MEB articulava a educação, a prática pastoral e a prática política. Seu lema era “educar para transformar” (DOMEZI, 1999- 2000, p. 38; TEIXEIRA, 1988, p. 97).

Havia ainda os cursos de formação para a renovação da pastoral, oferecidos pelo Movimento por um Mundo Melhor (MMM). Esse movimento surgiu na Itália, de ordem mais interna da Igreja. Queria substituir o individualismo pela ação comunitária. Chegou ao Brasil em 1960. Até o ano de 1962 já havia realizado 186 cursos em 50 dioceses e 15 Estados (DOMEZI, 1999-2000, p. 37-38).

3.2.1.3 Antecedentes sócio-políticos

As décadas de 1950, 1960 e 1970 também foram épocas do surgimento de diversos movimentos sociais em todo o mundo. Movimentos de mulheres, estudantes (maio de 68), hippies, pacifistas, homossexuais, ecológicos, negros, indígenas, “que lutavam pelo reconhecimento de suas identidades particulares, de suas especificidades culturais e de valores e por sua autonomia política” (SCHERER-WARREN, 2004, p.1).

Depois da Segunda Grande Guerra, o planeta entrou numa grande revoada. Parecia que estava surgindo um outro mundo. Muitos foram os acontecimentos pós- guerra que contribuíram para essa mudança mundial. Não podendo aqui tratar de todos, somente alguns serão ilustrados, por causa de sua relevância na contextualização das mudanças na Igreja Brasileira e da vivência das mulheres nos movimentos eclesiais e sociais.

A partir da segunda metade do século XX, o mundo passa por uma transformação radical na tecnologia, também chamada de era da automação. A ciência, a medicina, os transportes, as comunicações e toda vida global passam, num ritmo muito veloz, por processos de transformações profundas (MURARO, 1970, p. 38).

Duas grandes nações saem fortalecidas da Segunda Guerra. Os EUA e a URSS. Esses países tomaram a liderança geopolítica do mundo. De um lado, os Estados Unidos lideravam o bloco capitalista. Do outro, a União Soviética liderava o bloco socialista. Detentores de um arsenal bélico, com poder de destruição mundial, esses países travavam lutas no campo ideológico para aumentar sua influência sobre os demais Estados (MAGNOLI, 1996, p. 85).

Nos continentes da África e da Ásia explodem vários movimentos de libertação e independência contra os colonizadores europeus (1945-60-80). Ajudados pelas superpotências mundiais, Estados Unidos e a União Soviética, que tinham interesses em ampliar suas áreas de influência, os países africanos e asiáticos aos poucos vão tornando-se independentes; boa parte alia-se aos EUA ou à URSS. Por causa da crise do modelo imperialista colonial, as empresas transnacionais se expandem ainda mais por todos os continentes. Implantam uma nova forma de domínio econômico pela

necessidade de aumentar suas influências mundiais e pela busca de mão-de-obra e matéria-prima barata (DOWBOR, 1982, p. 56-57).

Mas, nem todos os países quiseram se aliar à URSS e aos EUA. Surgiu, no cenário mundial, o movimento dos países que se recusaram a atrelar-se ao poder dessas duas potências, como a Índia, China e Iugoslávia – sendo esses últimos, nações socialistas que romperam com a Rússia. Destacam-se ainda, países pobres da Ásia e da África que ao se reunirem na Indonésia, em 1955, para discutirem os problemas que lhes eram comuns, tornaram-se conhecidos como países “terceiromundistas”. A reunião entre estes países oficializou pela primeira vez, a existência do Terceiro Mundo. Ficaram conhecidos como os não-alinhados, pois não queriam participar da Guerra Fria (MAGNOLI, 1996, p. 85) .

Na América Latina, inúmeros grupos também se posicionaram contra o controle e a influência dos Estados Unidos. Isto é, contra as “ditaduras americanas” e pela implantação do socialismo (MOREIRA, 2004, p. 186-187). O primeiro país a conseguir instaurar o socialismo na América foi Cuba (1959). Com o fracasso dos EUA no desmantelamento do governo popular cubano, Cuba intensifica sua “influência” sobre os demais países do continente. O Chile, de 1970 a 1973, torna-se também socialista por meios democráticos. A Nicarágua, em 1979, promove a Revolução Sandinista. Uma revolução popular através da guerrilha. Com exceção de Cuba, os demais países caíram por meio de golpes militares e boicotes políticos/econômicos promovidos pelos Estados Unidos (ALBUQUERQUE, 2003, p. 52).

O Brasil, desde a sua entrada na Segunda Guerra Mundial “optou” em continuar durante as décadas posteriores, sob a “proteção” dos EUA e contra os comunistas

soviéticos. Em 1947 o governo brasileiro proibiu a existência do Partido Comunista do Brasil (PCB). No ano de 1964, essa proteção dos ianques ao Brasil foi o alicerce – secreta Operação Brother Sam - e o total apoio ao golpe militar no país. O golpe foi considerado pelos próprios militares, como o combate necessário à “subversão comunista patrocinada pelos soviéticos” (ALBUQUERQUE, 2003, p. 51).

A Ditadura Militar provocou uma reviravolta na Igreja. Com a perseguição, tortura e desaparecimento de muitas pessoas, entre elas, militantes da ACE – Ação Católica Especializada -, alguns padres, agentes de pastoral e até bispos, a Igreja posicionou-se contra a ditadura (MOREIRA, 2004, p. 188).

Estes acontecimentos sócio-políticos e as experiências religiosas católicas contribuíram de alguma forma para a mudança na Igreja do Brasil e para o surgimento do Cristianismo da Libertação e das CEBs. As CEBs e as organizações do Cristianismo da Libertação são assumidas por leigos. Os leigos, por sua vez, em sua maioria são compostos pelas mulheres. Portanto, pode-se dizer que a mudança de comportamento eclesial e social foi substancial na vida das mulheres, principalmente das mulheres pobres – já que o Cristianismo da Libertação e suas organizações sociais eram de cunho popular.

Após essa análise sobre a mulher católica na sociedade moderna, principalmente no que diz respeito à sua resistência e busca por mecanismos que lhe proporcionasse mais dignidade e respeito, tentar-se-á mostrar no próximo capítulo como tais mudanças colaboraram na vida das mulheres leigas. Especialmente as mulheres das classes populares ligadas ao Cristianismo da Libertação e às CEBs, na Diocese de Goiás.

4 A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES POBRES DA DIOCESE DE GOIÁS: UMA TRAJETÓRIA DE EMANCIPAÇÃO