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2.1 Teorias dos Movimentos Sociais

2.1.3 O Conceito de Enquadramento

Ao realizar um estudo sobre as bases epistemológicas da teoria psiquiátrica, Bateson (1955), no ano de 1952, se dirigiu a um zoológico, em São Francisco, e se pôs a observar a interação entre os macacos que ali estavam. Para o pesquisador, um importante estágio da evolução da comunicação seria a ocasião em que o organismo deixaria de responder aos signos

emitidos pelos outros de forma automática e descobriria que os mesmos são sinais. Com isso, descobre, também, que eles – os sinais – podem ser confiáveis ou não, podem ser amplificados, negados, ou seja, interpretados. Partindo de tal perspectiva, a referida descoberta impulsionaria o desenvolvimento de um conjunto de níveis de abstração, tanto âmbito metalinguístico – relacionado à linguagem em si – quanto no metacomunicativo – referente à relação entre emissor e receptor da mensagem. Por isso, seria entendida como condição necessária tanto para o desenvolvimento da comunicação humana quanto para o desenvolvimento das demais complexidades dela decorrentes, como a empatia, a identificação, a projeção e outras. Essa é a razão pela qual o autor considerava importante o estudo da evolução da comunicação em níveis pré-verbais e pré-humanos: o que nos ajuda a entender o motivo da visita ao zoológico em são Francisco.

Durante o referido trabalho de observação, Bateson (1955) procurava indícios comportamentais nos macacos que indicassem que eles podiam reconhecer como sinais os signos emitidos por si mesmos e pelos outros. E os encontrou quando presenciou uma sequência interativa em que dois macacos estavam brincando de “combate”. Ou seja, embora tivesse a aparência de um combate, havia na interação algum sinal metacomunicativo que possibilitava que os próprios macacos – e até mesmo o humano observador – pudessem entender que se tratava de uma brincadeira e não de um combate. O autor concluiu que um fenômeno assim só poderia ocorrer entre organismos capazes de algum grau de metacomunicação – ou seja, de troca de sinais que permitiria aos participantes a adoção do enquadramento (frame)7 “isto é uma brincadeira”, e não do enquadramento “isto é um combate”, para perceber a sequência de interações em questão.

Alguns anos depois, em 1974, Erving Goffman (2012), renomado estudioso estadunidense que apresentou grandes contribuições aos campos da psicologia social e sociologia, publicou o seu livro “Frame analysis: an essay on the organization of experience”, no qual afirma utilizar o termo “frame” em sua obra de forma similar à que foi utilizada por Baetson.

(...) faremos um amplo uso do termo “quadro” no sentido que lhe dá Baetson. Pressuponho que as definições de uma situação são elaboradas de acordo com os princípios de organização que governam os acontecimentos – pelo menos os sociais – e nosso envolvimento subjetivo neles; quadro é a palavra que uso para me referir a esses elementos básicos que sou capaz de identificar. Esta é minha definição de quadro. Minha expressão “análise de quadros” é um slogan para referir-me ao exame, nesses termos, da organização da experiência. (GOFFMAN, 2012, p. 34)

7 O termo “frame”, da forma como foi utilizado por Goffman e outros autores que trabalharam e/ou trabalham com o método da análise de enquadramento, algumas vezes é traduzido como “quadro”, outras como “enquadramento”. Aqui, utilizarei o termo “enquadramento”.

Assim, a definição de uma situação pelos atores envolvidos se dá mediante a realização de uma tarefa cognitiva na qual, a partir de um conjunto de princípios de organização da experiência – provenientes do âmbito da cultura –, os atores selecionam – de forma parcialmente racional –, dentre os diversos elementos disponíveis aos sentidos em uma dada situação, quais merecem sua atenção. Ao conjunto de elementos no qual se concentra a atenção em determinada situação se dá o nome de “moldura interpretativa”. As “molduras” são as formas como os atores envolvidos em uma situação a definem. E o trabalho cognitivo de, a partir de um arcabouço cultural, “selecionar” os elementos aos quais se deve dar atenção em uma sequência interativa é chamado de enquadramento. Lembrando que, ao realizar o enquadramento de uma situação, os indivíduos não estão apenas organizando o sentido, também estão organizando o seu envolvimento em tal atividade” (GOFFMAN, 2012, p. 425).

Tal envolvimento é definido pelo referido autor como “um processo biológico no qual o sujeito se torna pelo menos parcialmente inconsciente da direção de seus sentimentos e sua atenção cognitiva”. Esclarecendo tal questão, argumenta que uma vez que alguém começa a pensar que tem que manter o foco em algo, a atenção dessa pessoa deixa de estar na situação, pessoa ou objeto que deseja observar e passa a estar na necessidade de se prestar atenção a ele(a). Por isso, Goffman sustenta que o enquadramento estabelece o sentido e o envolvimento do indivíduo em uma dada atividade. Para ele, “é o envolvimento apropriado que gera a conduta apropriada” (GOFFMAN, 2012, p. 425).

Para exemplificar o que seria “conduta apropriada”, na forma entendida por Goffman, se alguém que gosta de esportes e está habituado a frequentar estádios de futebol – nos quais a torcida vibra e canta durante o jogo – for assistir um jogo de tênis pela primeira vez – nos quais o público fica em silêncio –, possivelmente irá perceber rapidamente que se deve enquadrar à situação “comportamento do público em jogos de tênis”, que é diferente da situação “comportamento do público em jogos de futebol”. Sendo assim, irá se esforçar para não fazer barulho durante a realização das jogadas.

Mas é fundamental, aqui, esclarecer que, ao utilizar o conceito de enquadramento, Goffman não tinha foco no estudo dos fenômenos políticos. Ele queria compreender como as pessoas atribuem sentido às situações em seu cotidiano. A entrada de tal conceito no cenário dos estudos dos movimentos sociais se deu num contexto em que a tendência era um questionamento à forma como a cultura e a construção dos sentidos eram abordadas.

Como já foi dito em seção anterior, até a década de 70, sob predomínio do pensamento marxista, a dimensão da cultura não era considerada central em tais estudos. Isso ocorria porque

a centralidade da dimensão econômica marcava fortemente a perspectiva dominante em tal período, deixando a cultura em segundo plano. E quando considerada, a cultura era vista, muitas vezes, como obstáculo à transformação social que deveria ser substituída pela “consciência de classe” (SILVA, COTANDA e PEREIRA, 2017).

Na década de 80, essa perspectiva passa a ser questionada tanto a partir do pensamento gramsciano, no qual a dimensão cultural passa a ter uma grande importância quando tal autor coloca em destaque a questão da “luta pela hegemonia”, quanto a partir da literatura das TNMS, que deu destaque à ideia de “identidade coletiva”, ou seja, à “ capacidade de reconhecer e ser reconhecido como uma parte da mesma unidade social” (MELUCCI, 1989, p. 57), bem como à importância da atribuição de sentidos para que se possa compreender os movimentos sociais (SILVA, COTANDA e PEREIRA, 2017).

Esse reconhecimento da importância da dimensão da cultura para a compreensão dos movimentos sociais na literatura internacional ocasionou uma transformação no âmbito da TPP, que passou a atribuir maior relevância à mesma partir da incorporação dos conceitos de repertório, discutido em seção anterior, e enquadramento, objeto de nossa atenção nesta seção. A primeira apropriação do conceito de enquadramento em um estudo voltado à questão da contestação política tem sido atribuída a Gamson e seus colaboradores (GAMSON, FIREMAN e RYTINA, 1982, p. ; SNOW et al, 2000; SILVA et al, 2017), ao estudarem formas de contestação, por indivíduos comuns, a ordens e definição de situações por autoridades.

Mas a apropriação do conceito realizada por Snow e seus colaboradores (SNOW, WORDEN e BENFORD, 1986) e, posteriormente, pelo mesmo Snow, em artigos escritos com Benford (SNOW e BENFORD, 1988; SNOW e BENFORD, 1992) nas décadas de 80 e 90, é que teve maior ressonância dentre os estudiosos dos movimentos sociais nos EUA. No âmbito de seus estudos, tais autores incorporaram o conceito de “enquadramento”, conferindo a ele uma dimensão estratégica à qual é dado grande destaque.

Ainda de acordo com Snow e Benford:

Frames são desenvolvidos para perseguir propósitos específicos: recrutar, mobilizar, adquirir recursos e etc. Esforços estratégicos das organizações para ligar seus objetivos e quadros interpretativos com seus prospectivos ou atuais participantes e financiadores foi conceitualizado como “frame alignment processes”, Quatro foram identificados: ponte de enquadramento, amplificação de enquadramento, extensão de enquadramento e transformação de enquadramento. (SNOW e BENFORD, 1988, p. 631)

Essa centralidade conferida pelos autores à dimensão estratégica permitiu, na década de 80, a comunicação entre o referido conceito e a TMR, que tinha muita relevância no âmbito das TMS naquele período e que vinha sofrendo severas críticas por privilegiar a dimensão

racional-estratégica da ação coletiva, desconsiderando a dimensão interpretativa. No início da década de 90, o referido conceito passou a ser utilizado, também, no âmbito da TPP. Tarrow (2009) passou trabalhar com a ideia de enquadramento em sua obra, ao procurar na mentalidade e cultura política as categorias utilizadas nas interpretações formuladas pelos movimentos Depois disso, outros autores também passaram a incluir tal dimensão, considerando-a importante para compreender a mobilização (MCADAM, MCCARTHY e ZALD, 1999).

Embora essa abordagem estratégica tenha viabilizado uma interlocução dos estudos sobre enquadramento interpretativo com a TMR e a TPP, Marcelo Silva (SILVA, COTANDA e PEREIRA, 2017, p. 9) e seus colaboradores identificaram alguns conjuntos de críticas feitas aos estudos iniciais de Snow & Benford, expressas nos seguintes tópicos:

a) a ênfase dada por Snow & Benford à agência dos empreendedores dos movimentos sociais seria acompanhada de uma tendência a desconsiderar a capacidade reflexiva dos interlocutores destes, como, por exemplo, os ativistas que aderem ao movimento;

b) haveria um conflito entre a visão do enquadramento como ação estratégica, que é desenvolvida de forma consciente pelos líderes dos movimentos com a intenção de angariar novos ativistas e apoiadores, e a visão de enquadramento conforme foi elaborada com Goffman, já que para este o enquadramento seria, como dito anteriormente neste documento, pelo menos parcialmente inconsciente;

c) a abordagem estratégica ignoraria o fato de que a interpretação construída pelos movimentos também é composta por convicções e valores, tornando os símbolos como meios para que os ativistas atinjam fins estratégicos;

d) o conceito enquadramento interpretativo da ação coletiva seria capaz de lidar apenas com as dimensões dos processos fenomenológicos relacionadas ao pensamento estratégico e à lógica de marketing. Uma abordagem mais completa deveria levar em consideração aprendizados não estratégicos ocorridos em processos de socialização voltados à construção social da realidade.

A partir dos anos 2000, Snow & Benford reestruturaram seu pensamento sobre enquadramento, articulando a dimensão estratégica com a dimensão cultural e a dimensão relativa às disputas em torno da construção de sentidos. Absorveram, assim, parte das críticas e as elaboraram, a fim de desenvolver uma teoria mais consistente a respeito dos enquadramentos interpretativos.

Nessa ocasião, tais autores se propõem a reorganizar seu pensamento a respeito da questão a partir de três grandes dimensões: a) conceitualizações sobre enquadramento e características das molduras de ação coletiva; b) formação e desenvolvimento de molduras

interpretativas de ação coletiva; c) resultados do enquadramento e sua influência em relação a outros aspectos relativos aos movimentos abordados a partir de outros conceitos nas TMS.

A respeito da ideia de molduras interpretativas de ação coletiva (MIAC´s), os autores frisam que, embora sejam derivadas do trabalho de Goffman (1974) e tenham em comum com o entendimento do referido autor a função interpretativa de simplificar e condensar aspectos do mundo lá fora, diferem-se na medida em que introduzem a ideia à compreensão de que as tarefas de enquadramento seriam realizadas pelos ativistas com a intenção de mobilizar potenciais aderentes e constituintes, angariar apoio dos espectadores e desmobilizar antagonistas

(BENFORD e SNOW, 2000, p. 621; SNOW e BENFORD, 1988, p. 198).

Dizem, ainda, que as MIAC´s seriam constituídas por dois conjuntos de características: 1) as tarefas centrais de enquadramentos relacionadas à função orientada à ação e 2) processos interativos e discursivos que atendem a essas tarefas de enquadramento central e, portanto, generativas das MIAC´s (BENFORD e SNOW, 2000, p. 617-618; SNOW e BENFORD,

1992).

As tarefas centrais de enquadramento seriam realizadas enquanto ativistas constroem uma compreensão compartilhada a respeito de uma situação que consideram problemática e que, portanto, deveria ser transformada. Nesse conjunto, os autores em questão colocam os subconjuntos de tarefas que visam fazer um a) diagnóstico da situação presente (enquadramento

diagnóstico), b) pensariam alternativas para a situação (enquadramento prognóstico) e c)

procurariam atrair outras pessoas para a ação coletiva em prol da mudança almejada (enquadramento motivacional).

No que diz respeito do enquadramento diagnóstico, destacam que a elaboração e desenvolvimento de “molduras de injustiça”, conforme concebidas por Gamson (1982), como modo de interpretação– prévio ao descumprimento coletivo, protesto e/ou rebelião –gerado e adotado por aqueles que definem as ações de uma autoridade como injusta, é bastante comum (BENFORD e SNOW, 2000, p. 618).

O enquadramento prognóstico, por sua vez, envolve articulação de uma proposta de solução para o problema ou ao menos, estratégias e plano de ação correlatos. Mas o que nos interessa especialmente é que os autores destacam que pesquisas8 sugerem uma correspondência entre quadros diagnósticos e prognósticos, embora isso ainda seja uma questão a ser pesquisada empiricamente. Isso é, segundo os autores, há a possibilidade de que a identificação de problemas e causas restringiria o leque de possíveis soluções e estratégias

razoáveis. No entanto, outras formas de constrangimento do enquadramento prognóstico foram encontradas em estudos9, como, por exemplo, as disputas em torno da questão em campos compostos por múltiplos atores, como vários movimentos, possíveis aderentes, adversários, mídia e outros. Frequentemente, há divergências entre diferentes organizações de um movimento social a respeito das propostas de solução da questão. Assim, incluem-se nas tarefas do enquadramento prognóstico a refutação lógica e críticas à eficácia das propostas concorrentes. Essa atividade de concorrência em relação a propostas de solução tem efeitos sobre os ativistas, seja deixando-os na defensiva seja estimulando-os a aperfeiçoarem suas propostas 10.

O enquadramento motivacional engloba as tarefas relacionadas à mobilização das bases para a ação proposta pelos movimentos, como o oferecimento de razões para o engajamento, sendo necessária a adoção de vocabulário apropriado.

Além das características principais, Benford & Snow (2000) identificam as

características variáveis das MIAC´s, como: diferenças nos problemas abordados e atribuição

de responsabilidades, no caráter flexível e inclusivo ou rígido e exclusivo, bem como variações no escopo interpretativo, no grau de ressonância e na credibilidade de quem está realizando a articulação do frame. Pontos relevantes para esta pesquisa, principalmente na análise de como as molduras de ação coletiva são apropriadas no âmbito da luta pela contratação na esfera municipal.

Cabe, aqui, esclarecer que, para os autores, o grau de ressonância varia tanto em relação à credibilidade do quadro – que pode ser mensurada pela coerência entre diagnóstico e dados empíricos disponíveis, diagnóstico e reivindicações e entre enquadramento e táticas adotadas pelo movimento – quanto em relação à sua saliência relativa – observada através de três dimensões: centralidade da questão, compatibilidade com a experiência pessoal dos mesmos e compatibilidade com as narrativas culturais das pessoas que se constituem como alvos do movimento.

Além de dizer a respeito das características das MIACs, Snow e Benford (2000) também destacaram que o desenvolvimento, geração e elaboração das mesmas se dá através de três tipos de processos: discursivos, estratégicos e contestatórios. Assim, é possível observar, aqui, uma tentativa de conciliar a dimensão estratégica, que já era forte em seus estudos iniciais, com

9 field (Evans 1997, Klandermans 1992; also see Curtis & Zurcher 1973)

10 Como o estudo aqui pretende analisar a relação entre sentidos atribuídos à relação entre catadores, municípios e membros ou servidores do MP e as formas de agir adotadas pelos participantes de tal relação a dimensão do enquadramento prognóstico terá especial importância aqui.

outras dimensões relativas à comunicação e às disputas em torno da construção de sentidos. Rebatem, então, a crítica de que supervalorizariam a agência dos empreendedores e de que subestimariam a de seus interlocutores.

As atividades de enquadramento são importantes no processo de difusão das MIAC´s em casos em que apenas uma das partes (interlocutor ou transmissor) tem papel ativo no processo de difusão ou quando as condições de similaridade entre interlocutores é problemática, sendo necessárias adaptações. Nesses casos, são empregadas tarefas de seleção estratégica (onde o adotante assume papel ativo fazendo as adaptações necessárias) ou de acomodação estratégica (na qual o transmissor é protagonista em tal atividade).

Após uma breve apresentação das dimensões do conceito de enquadramento que considero importantes para a realização do estudo em questão, procurarei especificar, agora, de que forma mobilizarei tal conceito.

Me propus, aqui, a investigar a relação entre atribuição de sentidos (enquadramento) e as escolhas relacionadas à formas de agir (repertório), tendo como referente empírico a luta dos catadores pela contratação para a realização do serviço da coleta seletiva em diferentes cidades. Considerando isso, penso que faz sentido, para o presente estudo, mobilizar as características típicas das MIAC´s descritas por Snow e Benford (enquadramentos : diagnóstico, prognóstico e motivacional) para analisar tanto a moldura elaborada pelo MNCR quanto aquelas identificadas nas entrevistas com os catadores pertencentes a diferentes organizações, a fim de realizar comparações, verificando o grau de difusão da primeira em relação às demais.

Na análise das MIAC´s mobilizadas pelos atores entrevistados nos diferentes municípios, procurarei compreender como a forma a partir da qual a liderança organiza a experiência de luta pela contratação no contexto municipal (enquadramento diagnóstico) e o seu entendimento a respeito do objetivo que deve ser perseguido (enquadramento prognóstico) se relacionam com a escolha das performances a serem adotadas no âmbito do repertório de ação coletiva disponível às diferentes organizações.

Sabe-se que os catadores, ao coletarem e comercializarem materiais recicláveis – como plástico, papel, alumínio e vidro – evitam que os mesmos sejam destinados a lixões e aterros sanitários, diminuindo, assim, a poluição e contribuindo para o aumento da vida útil dos aterros sanitários. Considerando os benefícios que isso gera, tanto para o meio ambiente quanto para a sociedade, se deu o amadurecimento, entre os mesmos, da compreensão de que, ao realizarem seu trabalho, estão prestando um serviço ambiental e que, portanto, têm o direito serem remunerados por isso. Uma das estratégias dos catadores, especificamente do MNCR, para que pudessem obter do poder público a devida remuneração pela prestação de serviços ambientais

foi realização de uma articulação para que se houvesse previsão legal da possibilidade de contratação dos catadores de materiais recicláveis em nível municipal para execução do serviço de coleta seletiva. Nesse sentido, pode ser considerado um grande êxito a promulgação da lei 1.2305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que nos parágrafos 1º e 2º de seu artigo 36 prevê, não apenas a possibilidade da contratação de organização de catadores para prestação do serviço de coleta seletiva, mas também a priorização de tais organizações e a dispensa de licitação para tal. Desde então, o desafio dos catadores tem sido para que os municípios efetivem tais contratações em âmbito local, valendo-se de um repertório diversificado para tal e buscando, inclusive, instituições do sistema de justiça, eventualmente. O fato de que é mobilizada pelos catadores a ideia de “direito à remuneração”, “direito à contratação”, bem como a adoção de estratégias que envolvem a articulação para modificação da legislação para contemplar tal direito, tornam desejável o diálogo com abordagens teóricas que tratam especificamente das articulações entre movimentos sociais, direitos e sistema de justiça. Nesse contexto, a abordagem da mobilização do direito, devido à sua proximidade e diálogo com conceitos da TPP, é a mais adequada. Uma discussão mais aprofundada a respeito da referida abordagem pode ser encontrada na seção seguinte.