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Em Brasília, nos dias 4, 5 e 6 de junho de 2001, reuniram-se, aproximadamente, 1600 pessoas para o 1º Congresso Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. Em seguida, no dia 7, na mesma cidade, houve a 1ª Marcha Nacional da População de Rua, que contou com, aproximadamente, 3000 participantes. Naquele contexto, foi apresentada ao governo federal um documento com uma série de demandas, a Carta de Brasília, na qual eram requeridas entre outras coisas:

1.4 - Definição e implantação, em nível nacional, de uma política de coleta seletiva que priorize o modelo de gestão integrada dos resíduos sólidos urbanos, colocando os mesmos sob a gestão dos empreendimentos dos Catadores de Materiais Recicláveis.

1.5 - Garantia de que a política de saneamento tenha, em todo o país, o caráter de política pública, assegurando sua dimensão de bem público. Para isso, sua gestão deve ser responsabilidade do Estado, em seus diversos níveis de governo, em parceria com a sociedade civil (MNCR, 2001).

Foi apresentada, também, no Congresso Nacional, uma minuta de projeto de lei para a regulamentação da profissão de catador e determinação de que o processo de industrialização da reciclagem fosse desenvolvido prioritariamente por catadores.

Em agosto de 2010, nove anos depois, foi assinada, pelo então presidente Lula, a lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional dos Resíduos Sólidos e que em seu artigo 36 atribuiu aos municípios a responsabilidade de estabelecer sistema de coleta seletiva, priorizando a contratação de organizações formadas por catadores de materiais recicláveis para a execução desse trabalho. Inclusive, a licitação para que tal contratação possa ser realizada é dispensada.

A previsão da contratação das organizações de catadores para o trabalho na coleta seletiva dos municípios é considerada pelos mesmos uma das grandes vitórias do movimento. No entanto, até chegar ao ponto de, num primeiro momento, conseguir organizar um evento como o 1º Congresso Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis e, mais à frente, alcançar a vitória representada pela publicação da lei 12.305/2010, houve um longo processo de luta, organização e articulação em rede, conforme percebe Scherer-Warren (SHERER-WARREN, 2013) a respeito da tendência de organização em rede dos movimentos nesse período no Brasil. Ao falar desse processo de organização, iniciado na década de 80, é importante salientar que o mesmo ocorreu no seio de atividades de formação político-pedagógica realizadas por organizações vinculadas à igreja católica. Em Porto Alegre, em 1986, foi fundada a primeira associação de catadores – a Associação de Catadores de Material de Porto Alegre. Já em 1989, na cidade de São Paulo, foi criada, a partir de projeto de apoio realizado pela Organização Auxílio Fraterno (OAF), a primeira cooperativa de catadores de materiais recicláveis – a COOPAMARE. Logo depois, em Belo Horizonte, no ano de 1990, com o apoio da Pastoral de Rua, foi formada a primeira organização de catadores de Minas Gerais – a ASMARE (SANTOS, GONÇALVES-DIAS, et al., 2011; DIAS, 2009).

De acordo com Andrade, Figueiredo e Faria (2008), em Belo Horizonte, desde o início do trabalho desenvolvido pela igreja católica junto às pessoas em situação de rua, foi possível perceber a existência de dois grupos distintos: um formado por pessoas que permaneciam na rua em razão do trabalho como catadores de materiais recicláveis e que passou a ser denominado de catadores históricos; outro composto por segmentos diferentes, que passou a ser denominado na época de moradores em situação de rua, cujos motivos principais da permanência de tais pessoas na rua eram diversos, como: desemprego, sofrimento mental, migração, entre outros.

Ao perceberem o potencial organizativo do grupo dos “catadores históricos”, a estratégia inicial da Pastoral de Rua, entre 1900 e 1992, foi a organização dessas pessoas a partir

da fundação da ASMARE, visando à melhoria das condições de trabalho e renda. Assim, embora o movimento dos catadores e o movimento das pessoas em situação de rua tenham lideranças, bases e demandas diferentes atualmente, possuem, de certa forma, uma origem comum e ainda há relação de apoio mútuo e realização de atividades em conjunto.

Nas eleições municipais de 1992, em Belo Horizonte, a coligação Frente BH Popular saiu vencedora, colocando Patrus Ananias, candidato do Partido dos Trabalhadores, como chefe do executivo no mandato 1993-1996. A referida gestão municipal teve uma forte interlocução com os catadores e as pessoas em situação de rua, e, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, criou o “Programa de População de Rua”. Em relação especificamente aos catadores, e, consequentemente, à ASMARE, é importante ressaltar que nessa época foi realizado um convênio entre prefeitura e a referida organização. Há poucos registros em bibliografia a respeito de tal convênio, mas o próprio Patrus Ananias afirma, em prefácio de livro:

Naquele ano, 1993, a Asmare inaugurou, como o apoio da prefeitura, seu primeiro galpão de triagem de recicláveis na avenida do contorno em Belo Horizonte. Firmamos convênio com a associação e com a Mitra Arquidiocesana para o custeio da manutenção desse espaço produtivo. Reconhecemos oficialmente a importância dos catadores na manutenção da limpeza pública e o efeito econômico de sua atividade nos custos de coleta, transporte e destinação final dos resíduos gerados pela cidade. Com esse entendimento, lançamos naquela época o primeiro projeto em Minas Gerais de coleta seletiva de material reciclável, em parceria com os catadores (ANANIAS, 2008, p. 7).

Cabe destacar, aqui, que a primeira experiência de convênio entre organização de catadores e gestão municipal ocorreu de 1989 a 1992, com a COOPEMARE em São Paulo; seguida pela parceria entre a Prefeitura de Porto Alegre com os grupos de catadores organizados em tal município para o trabalho na coleta seletiva. As três parcerias supracitadas para atuação na coleta seletiva, entre Prefeituras e organizações formadas por catadores, se deram no contexto de gestões municipais exercidas por prefeitos vinculados ao PT. Sabe-se que tanto no caso de BH quanto no caso da COOPEMARE, em São Paulo, as parcerias foram descontinuadas após a troca de gestão e a relação entre catadores e municípios se modificou (2009, p. 144).

Tais primeiras experiências de convênio inspiraram a luta dos catadores em todo o Brasil, que, mais tarde, passaram a argumentar que seu trabalho, por gerar efeitos sociais, econômicos e ambientais benéficos, deveria ser subsidiado pelo poder executivo através de convênios com as secretarias de assistência social, conforme podemos ver no tópico 1.1 da Carta de Brasília, onde solicitam ao poder executivo:

Garantia de que, através de convênios e outras formas de repasse, haja destinação de recursos da assistência social para o fomento e subsídios dos empreendimentos de Catadores de Materiais Recicláveis que visem sua inclusão social por meio do trabalho (MNCR, 2001).

Embora não faça menção expressa à contratação, a leitura atenta da Carta de Brasília, principalmente dos trechos citados no início desta seção, permite perceber que o modelo de relação entre catadores e municípios na gestão de resíduos prevista na lei 12.305/2010 já estava, de forma embrionária, prevista nas reivindicações dos catadores em 2001. Modelo que será melhor explicitado posteriormente, quando falarmos mais sobre os catadores na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

A partir das experiências iniciais com as primeiras organizações de catadores e com a criação de novas organizações em diferentes lugares do Brasil, tais trabalhadores começaram a perceber que encontravam entraves parecidos em relação ao diálogo com as prefeituras e, assim, resolveram desenvolver uma forma de organização que pudesse transcender o nível local, articulando as diferentes associações e cooperativas de catadores estabelecidas nas diversas localidades do território brasileiro. Nesse sentido, foi criado o MNCR, bem como foi pensada como estratégia para organização em nível regional (intermunicipal) as cooperativas em segundo grau, chamadas pelos catadores de “redes”. Cabe destacar, aqui, que a organização dos movimentos em rede permite essa atuação em diferentes níveis: nacional, estadual e municipal, conforme já destacado por Scherer-Warren (2013).