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2.2 Movimentos Sociais e Direito

2.2.3 Oportunidades Jurídicas

No sentido de explorar as dimensões políticas do direito a partir dessa perspectiva que coloca em diálogo as TMS e os estudos sociojurídicos, estudiosos da mobilização do direito, ao perceberem as especificidades do campo jurídico, sentiram a necessidade de desenvolver uma ideia que permitisse compreender as oportunidades e constrangimentos oferecidos pelo direito à mobilização social. Assim, derivado da ideia de estruturas de oportunidades políticas, foi cunhado o conceito de estrutura de oportunidades jurídicas.

Os estudos de tal vertente têm procurado examinar as variações nas oportunidades jurídicas em diferentes contextos e mensurar o sucesso da atividade de mobilização do direito por movimentos sociais diversos16 como: movimento negro, LGBT, de mulheres, das pessoas que vivem com HIV e dos direitos dos animais (VANHALA, 2010, p. 386).

Lisa Vanhala (2010) alerta que as primeiras tentativas de aplicação do conceito nos estudos empíricos acabaram reproduzindo um ponto fraco da ideia de oportunidade política, ao darem mais atenção à dimensão da estrutura, deixando de lado a agência. Mas considera, por outro lado, que o trabalho de Andersen (2006) supera isso em seu livro “Out of closets and into the courts”. Ao analisar uma das principais organizações estadunidenses na realização da litigância em favor dos direitos LGBT, por considerar que as estruturas legais moldam as estratégias dos movimentos e concomitantemente são moldadas por elas, a autora mobiliza tanto a ideia de alinhamento do enquadramento quanto a de oportunidade jurídica, buscando compreender em que condições as interações entre movimentos sociais, atores jurídicos e as

instituições às quais estão incorporados retardam ou contribuem para mudança legal e social. Nesse sentido, Andersen argumenta, ainda, que a oportunidade pode ser a variável dependente, algumas vezes, dado que os movimentos podem influenciar as configurações do Estado, bem como podem criar oportunidades a partir de suas ações (VANHALA, 2010, p. 400; ANDERSEN, 2006, p. 7-8).

Os estudos mais recentes, em sua maioria, acompanham Andersen e não adotam uma perspectiva determinista do conceito de oportunidade jurídica, mas buscam delinear os parâmetros do que é institucionalmente possível (VANHALA, 2010, p. 385). O presente estudo segue a referida tendência e, com a intenção de ressaltar o fato de que não as considero como algo fixo, não utilizarei o termo “estrutura” para me referir às oportunidades jurídicas, procedendo da mesma maneira em relação à ideia de oportunidades políticas.

Dito isso, fica aberto o caminho para tratarmos a respeito da conceitualização da ideia de oportunidades jurídicas. De Fazio (2012) sintetiza bem ao definir as oportunidades jurídicas como:

(...) características do sistema jurídico que facilitam ou impedem a possibilidade de que os movimentos sociais tenham suas queixas atendidas pelo poder judiciário, assim como moldam as perspectivas desses grupos de avançar com alguns de seus objetivos por meio da mobilização do direito (DE FAZIO, 2012, p. 4; FANTI, 2017, p. 257-258).

Vanhala (2018, p. 384)17 destaca que, embora diferentes autores levem em consideração diversas variáveis em suas conceitualizações, há um certo consenso em dizer que aspectos como 1) o estoque legal; 2) as regras que determinam as possibilidades de se propor uma ação judicial; e 3) os custos de fazer isso; devem ser levados em consideração.

Para Andersen (2006, p. 12), se o enquadramento das demandas pelos movimentos sociais é realizado no âmbito do estoque cultural disponível, nos casos específicos em que há mobilização do direito, além do estoque cultural, é preciso que os movimentos sociais articulem suas demandas com o estoque legal disponível. Isto ocorre porque o estoque legal molda os tipos de demandas que poderão ser encaminhadas ao judiciário, bem como exerce influência sobre a persuasividade das mesmas. Nesse sentido, diferenças no estoque legal podem favorecer ou desfavorecer a construção de um enquadramento legal persuasivo por parte dos movimentos sociais (VANHALA, 2018, p. 384).

17 Ao fazer tais considerações, a autora se refere expressamente aos estudos de: ANDERSEN, 2006; EVANS CASE, et al., 2010; HILSON, 2011 e VANHALA, 2012).

Em relação às regras que determinam quem pode propor ação judicial e aos custos da litigância, quanto mais restritivas aquelas e quanto maiores estes, menor a probabilidade de que os movimentos demandem o poder judiciário (VANHALA, 2018, p. 384-385).

Considerando as dimensões do conceito de oportunidades jurídicas que foram destacadas, é possível observar que, no âmbito do presente estudo, faz sentido mobilizar a que se refere ao estoque legal e a que trata das regras para propor ação judicial.

Entender o estoque legal, em termos de oportunidades jurídicas, auxilia no presente estudo, pois a publicação da lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS, favoreceu a mobilização do direito por parte dos catadores, fortalecendo-a, como será devidamente discutido a seguir. Entendo, também, que, ao lutar pela previsão da priorização da contratação das organizações formadas por catadores para a realização do serviço de coleta seletiva, o MNCR agiu no sentido da criação de uma nova oportunidade jurídica.

Embora não se tenha estudado, aqui, casos de judicialização, as regras que possibilitam mover uma ação judicial influenciam indiretamente a questão da mobilização do direito pelos catadores. Como será abordado posteriormente, dada a previsão legal da contratação, em alguns municípios as lideranças dos catadores provocam instituições do sistema de justiça, como o Ministério Público e Defensoria Pública, na expectativa de que esses intervenham na relação entre catadores e Prefeitura, visando à concretização do direito que têm de serem contratados, segundo sua compreensão. Embora nos casos estudados a atuação do Ministério Público tenha se dado extrajudicialmente, argumento que é possível que a proposição de ação Ação Civil Pública – de acordo com a Lei 7.347/1985 – pelas referidas instituições, ou por outras, acabe surtindo efeito persuasivo junto ao executivo municipal, para que a gestão dos resíduos sólidos, incluindo a coleta seletiva, seja implementada, de acordo com o modelo previsto na PNRS. Efeito esse de enforcement já percebido por Losekann (2013), em estudo sobre movimentos ambientalistas.

Quanto às regras que determinam as possibilidades de se propor uma ação judicial e aos custos envolvidos nisto, são questões determinadas em nível nacional, ou seja, não variam entre os diferentes municípios. No entanto, a partir de um olhar mais abrangente, considerando o movimento como um todo, alguns aspectos relativos a tais regras podem estimular ou restringir as possibilidades de mobilização do sistema de justiça pelo movimento dos catadores de materiais recicláveis. Por exemplo, o fato de que o Ministério Público tem atribuição para a defesa dos direitos coletivos, podendo ser chamado a atuar nos casos relativos aos catadores de materiais recicláveis de forma gratuita, pode ser considerado um incentivo à mobilização do direito.

Cabe destacar, ainda, que o parágrafo primeiro do artigo 127 da constituição de 1988, ao estabelecer a independência funcional como um dos princípios institucionais do MP, tem como consequência que a atuação dos Promotores de Justiça varia conforme as diferenças entre eles, no que diz respeito às interpretações da lei e à forma de atuar. A questão dos diferentes perfis de atuação – promotor de fatos e promotor de gabinete – será abordada com mais detalhes posteriormente.