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O Conhecimento de Paulo de outros Elementos da Tradição do Evangelho

O capítulo 1 apresentou uma lista básica com as mais sólidas carac­ terísticas da vida de Jesus, além dos ensinamentos explícitos, de que Paulo demonstra ter conhecimento. Stanley Porter apresenta uma lista comparativa do que Paulo parece "conhecer sobre Jesus, o homem ":

Ele nasceu como humano (Rm 9.5) de uma mulher, e sob a lei, isto é, como judeu (G14.4); Ele nasceu da descendência de Davi (Rm 1.3; 15.12); embora não fosse como Adão (Rm 5.15), Ele tinha irmãos, incluindo um chamado Tiago (1 Co 9.5; G1 1.19); Ele fez uma refeição na noite em que foi traído (1 Co 11.23-25); Ele foi crucificado e morreu em uma cruz (Fp 2.8; 1 Co 1.23; 8.11; 15.3; Rm 4.25; 5.6,8; 1 Ts 2.15; 4.14, etc.), foi sepultado (1 Co 15.4) e ressuscitou três dias depois (1 Co 15.4; Rm 4.25; 8.34; 1 Ts 4.14, etc.) e posteriormente foi visto por Pedro, os discípulos e outras pessoas (1 Co 15.5-7).33

Mas provavelmente poderíamos ampliar esta lista.

"N ascido de m ulher", em Gálatas 4.4, é muito estranho, se tudo o que Paulo quer dizer é que Jesus era verdadeiram ente humano, e talvez ele esteja fazendo alusão à tradição de uma concepção virgi­

nal — isto é, nascido somente de uma mulher e não também de um homem.34

As palavras de Paulo sobre a salvação em Jesus, "que nos livra da ira futura", podem indicar o conhecim ento do ensino de João Batista às multidões, sobre a fuga da ira futura de Deus (Mt 3.7).

O fato de que Paulo acreditava no batismo como o rito de iniciação para os cristãos, sugere que ele conhecia o batismo de João, de modo geral, e o respaldo que Jesus dá a João, quando concorda em ser batiza­ do por ele (Mc 1.9-11). Mas pode haver uma alusão ainda mais especí­ fica à descida do Espírito sobre Jesus no seu batismo, quando Gálatas

4.6 proclam a que "D eus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho".35

2 Coríntios 5.21 declara a pureza de Cristo, e que Ele jam ais pecou; isso exige um considerável conhecimento dos detalhes da sua vida. Esta afirmação também pode sugerir que Paulo conhecesse a história da bem-sucedida resistência de Jesus às tentações do Diabo, no início do seu ministério, uma ocasião que talvez fora a maior ameaça à com ­ pleta ausência de pecados na vida de Jesus, quando comparada a qual­ quer outro momento de sua vida (Mt 4.1-11).

Em 1 Coríntios 1.22, Paulo faz a generalização: "O s judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria". Quanto aos gregos, isso é eviden­ te, com base no ministério de Paulo por todo o mundo greco-romano, como revelam o livro de Atos e também as epístolas. Mas nada, em ne­ nhuma outra passagem destes livros, mostra que os judeus exigissem sinais de Paulo. Nos Evangelhos Sinóticos, no entanto, alguns líderes judeus repetidas vezes pedem que Jesus realize um milagre, como um sinal completamente convincente da sua identidade. Sempre que Cristo sente que tal pedido se origina meramente de um coração endurecido, que deseja zombar dEle ou insultá-Lo, Ele se recusa a atendê-lo (Mc 8.11-13; Mt 12.38,39; Lc 23.8,9; Jo 4.48). Provavelmente Paulo tem em mente esses tipos de situações.36

O interesse de Paulo pelos pobres, que em nenhuma passagem é apresentado com mais detalhes do que em 2 Coríntios 8.9, claramente se inspira no modelo de Cristo: "Já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, por am or de vós se fez pobre, para que, pela sua pobreza, enriquecêsseis" (8.9). No contexto, esta declaração não precisa significar nada além do fato de que Cristo renunciou às incomparáveis glórias e riquezas do céu para assumir as drásticas limitações da vida na terra. M as também poderia refletir o conhecimento que tem Paulo do estilo modesto de vida que Cristo adotou. No seu nascimento, a sua família era pobre demais para oferecer os sacrifícios animais costumei­ ros, de modo que tiveram permissão de substituir estes sacrifícios por aves (Lc 2.24; cf. Lv 12.8). Como carpinteiro, durante os seus anos de mocidade, Jesus pode ter alcançado o nível do que hoje chamaríamos de classe média baixa.37 Mas a sua adoção voluntária de um ministério itinerante, em que dependia da hospitalidade de outras pessoas, sig­ nifica que muito provavelmente Ele teria estado, ocasionalmente, em um nível mais próximo da linha de pobreza (cf. especialmente Lc 8.1-3; 9.57,58). E Paulo poderia saber de tudo isso, especialmente uma vez

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que ele parece vir de uma condição mais próspera e conscientemente imitou Cristo, abandonando seus recursos para adotar a vida difícil do ministério itinerante.38

Em 2 Coríntios 3.18, Paulo descreve os crentes como "transformados de glória em glória, na mesma im agem ", usando o mesmo verbo grego que é encontrado nos relatos do Evangelho para a transfiguração de Jesus (Mc 9.2). Uma vez que o contexto mais amplo de 3.1; 4.6 exploram os níveis contrastantes de glória, entre o antigo e o novo concerto, cor­ respondente ao brilho no rosto de M oisés quando ele desceu do monte Sinai em com paração com o brilho maior de Jesus, é natural suspeitar que Paulo conhecesse a história de Cristo no monte da Transfiguração.39 Se realmente conhecia, então uma sugestão mais especulativa é mais provável. O mesmo original hebraico ou aramaico pode fundamentar as palavras gregas normalmente traduzidas como "colu nas" e "em pé", o que nos leva a nos perguntar se a razão por que Paulo diz que os apóstolos líderes em Jerusalém eram considerados as "colunas" (G1 2.9) era o fato de que três deles estavam "em pé" na presença de Jesus, quando Ele viu o reino de Deus vir com poder, na Transfiguração, como predisseram Marcos 9.1 e passagens paralelas.40

Eu já mencionei que Paulo pode ter tido conhecimento dos ensinos de Jesus, sobre vir, não para ser servido, mas para servir. Mas provavel­ mente ele conhecia muitos detalhes sobre a vida de Cristo, que seriam correspondentes a um modelo mais amplo de liderança servil, por causa dos repetidos ensinamentos de Paulo sobre este tema. Particularmente interessante é 2 Coríntios 10.1, em que Paulo se refere à "m ansidão e benignidade de Cristo" (ainda que ironicamente), sugerindo um conhe­ cimento desta conduta característica do Senhor, e talvez até mesmo das bem-aventuranças, que especificamente recomendavam um comporta­ mento similar entre os discípulos.41

Inúmeros textos de Paulo recomendam a imitação de Cristo. As ve­ zes, a ordem é dada explicitamente (1 Co 11.1; 1 Ts 1.6); frequentemente é mais implícita (Fp 1.21; 2 Co 3.18; Rm 6.17; 8.15,16; 13.14; 15.1-6). De qualquer maneira, este tema requer conhecimento detalhado do com­ portamento de Jesus.42

Uma vez mais a nossa lista pode ser ampliada, m as alguns itens se­ riam mais especulativos. Usando somente as epístolas incontestáveis, e fazendo referência a elementos dos Evangelhos normalmente consi­ derados abundantemente autênticos, eu compilei uma lista significati­ va de itens sobre a vida de Cristo que Paulo provavelmente conhecia.

A lista possivelmente reflete apenas uma pequena quantidade do que Paulo realmente conhecia, uma vez que estes dados, como as alusões ao ensinamento de Jesus, em ergem somente quando as questões nas igre­ jas locais justificavam a referência a estes ensinamentos. E inerentem en­ te provável que alguém que tinha perseguido tão zelosamente a Igreja, e então experimentado tal reviravolta depois da experiência na estrada para Damasco, tivesse desejado conhecer uma grande quantidade de informações históricas a respeito de Jesus de Nazaré.43 A curiosidade normalmente gera interesse histórico nas pessoas a quem o indivíduo se opõe fortemente ou serve.44 As noções análogas, de que (1) há pouca indicação nas epístolas de Paulo de que ele tivesse conhecimento do Jesus histórico, e (2) que Paulo teria pouco interesse no tema, provam ser altamente improváveis.