• Nenhum resultado encontrado

2.4 O corpo na adolescência 47

2.4.6 O corpo na Educação Física 62

Se por um lado é evidente que o corpo tem sofrido o aumento de atenção por arte dos media, o mesmo não se tem verificado nas Escola, sendo que, por vezes, esta esquece que tem um papel fundamental na construção e formação do corpo (Queirós, 2002). A mesma autora afirma que a EF é única disciplina escolar na qual o corpo se constitui como objecto de tratamento pedagógico.

Em relação à literatura na área do desporto e actividade física, Kirk (1993) verificou apenas algumas breves referências à EF, dado este surpreendente, já que a EF é um terreno óbvio no estudo da corporalidade. O mesmo autor refere que, não é o intelecto que deve ser descorporalizado, mas sim a pessoa corporalizada que deve ser escolarizada. Também Cagigal (1996) corrobora com a ideia de que o corpo se encontra entre as muitas omissões por parte da tradição educativa.

As escolas são locais onde estão profundamente presentes as questões da corporalidade, uma vez que, o trabalho do espírito, emoções e intelecto, também é realizado no/para/através/com o corpo, sendo que é a natureza da experiência vivida e sentida que constitui o significado de quem sou eu, o que sei, como sou e onde estou. Assim sendo, o corpo e o movimento estão presentes na Escola, enquanto elementos constituintes da pessoa e da cultura, apesar da natureza corpórea da educação ser muitas vezes esquecida (Queirós, 2002).

Segundo Bento (1999, 2001), o facto de a EF ser a única disciplina que visa nitidamente a corporalidade, criando possibilidades de movimento e

evitando que a Escola se torne cada vez mais intelectualizada e inimiga do corpo, continua a ser o argumento principal a favor da presença da EF no currículo escolar. No entanto, Álvarez e Monge (1997) afirmam que, por estranho que pareça, em muitos planeamentos de EF predomina uma visão incorpórea que ignora as relações entre o corpo, a sociedade e a identidade de cada um. Segundo os mesmos autores, alguns alunos referem que não têm valor nesta disciplina e, com o passar do tempo, ficam com uma ideia negativa da EF e das próprias capacidades corporais. Perante este cenário, Marivoet (1998, p.73) questiona:”o que queremos com a Educação Física, desinibir os corpos, criar hábitos desportivos, ou definir hábitos de desempenho aceitável?”. A mesma autora responde a esta questão, afirmando que muitas vezes não estamos mais do que a contribuir para a frustração de muitos que não atingem o nível de desempenho exigido e a inibir a continuidade da prática desportiva.

Harris e Penney (2000) observaram que alguns alunos preferem ou colocam em destaque a sociabilidade e o prazer, em detrimento da competição nas actividades desportivas. Além disso, referem que a diversão e o prazer são os maiores motivos para a juventude participar no desporto, existindo uma clara relação entre o prazer nas actividades das aulas de EF e a frequência da participação fora das aulas.

Além desta exigência de níveis de desempenho elevados, a maior parte dos docentes esquecem-se do sexo dos alunos e fazem-no em nome de uma suposta igualdade de oportunidades, quando, pelo contrário, estão a acentuar desigualdades (Queirós, 2002). A forma como os docentes lidam com as modificações fisiológicas e corporais características do período da puberdade, são um exemplo vivo do facto exposto anteriormente. Tal como já foi analisado, estas mudanças não se manifestam de igual modo nos rapazes e nas raparigas e não têm as mesmas implicações psicológicas. Nas raparigas, o corpo altera-se subitamente, o que provoca embaraços que as levam, como defesa, a restringirem os movimentos e começam desde aí a desenvolver uma certa “timidez corporal” (Scraton, 1995). Este autor refere que tal timidez pode ser uma justificação para o desinteresse e desmotivação que muitas raparigas aparentam nas aulas de EF. Posto isto, os docentes que entendam tudo isto

como normal, procedem a uma discriminação inconsciente, uma vez que julgam não exercer nenhuma forma de descriminação explícita (Bonal, 1997).

Segundo Garcia e Queirós (1999), os resultados das observações por eles efectuadas em aulas de EF, confirmam uma forte componente tecnicista, sendo que o dever ocupa o primeiro plano na hierarquia de valores, seguindo- se o formalismo onde se inclui a técnica corporal, e só no final aparecem valores como o prazer e a estética.

Posto isto, deve-se ter bem presente que, de todas as práticas institucionais que envolvem o corpo humano, das quais a EF faz parte, sejam elas educativas, recreativas, reabilitadoras ou expressivas, devem ser pensadas de forma a que não se conceba a sua realização de forma reducionista, considerando-se o ser humano numa perspectiva global, como sujeito da vida social (Daolio, 1995).

Actualmente, os interesses e motivos dos alunos para a prática desportiva, estão voltados para a vivência acentuada da corporalidade, do risco, da aventura, da condição física, da saúde, da ecologia, como resultado da revolução operada nos conceitos de corpo, de saúde e de estilo de vida activa (Queirós, 2002). A mesma autora salienta que os programas curriculares de EF devem abranger diferentes práticas desportivas, em especial aquelas que são mais procuradas pelos alunos. Daí que “os processos de transformação social exijam uma permanente correcção e adaptação das ementas de objectivos educativos” (Bento, 1999, p.64).

Cada vez mais, o corpo tem de se constituir como uma preocupação da reflexão da EF e do desporto, nos programas escolares, no alto-rendimento e na recreação e lazer (Garcia, 1998). Face ao surgimento de novos valores sobre o corpo, importa equacionar a posição da EF para corporizar nas suas aulas estes novos sentidos sobre o corpo (Garcia & Queirós, 1999).

As escolas não podem deixar de agarrar estas oportunidades para activamente desconstruir vários aspectos da cultura física da sociedade que, ao apresentar imagens corporais idealizadas, provoca sentimentos de vergonha do próprio corpo e de vergonha de si mesmo. Através de uma crítica

cultural, as escolas devem ensinar diversos significados de corpos saudáveis, desafiando o recuo em relação à dita normalidade (Travaillot, 1998).

Se a Escola se afastar da realidade e fizer de conta que não é nada com ela, os actuais estilos de vida desordenados, que têm como resultado a bulimia e a anorexia, o treino excessivo e a ansiedade com a forma corporal, não serão mais do que perpetuados (Bento, 1998).