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CAPÍTULO I – TEOLOGIA E LITERATURA

3. Diálogo entre teologia e literatura

3.3 O diálogo entre teologia e literatura: Questão do método

O diálogo entre a teologia e a literatura tem sido desenvolvido a partir da diversidade metodológica. Esta diversidade se deve à liberdade que a obra de arte possui, em especial a literatura. Nota-se que não existe um meio rígido nessa aproximação. Isso permite diferentes métodos de aproximação entre teologia e literatura.

Alex Villas Boas, na obra Teologia e Poesia, aponta para o fato de não se ter um método definido para esse encontro entre teologia e literatura. Verifica-se a possibilidade para novas investidas hermenêuticas, pois a obra pode refletir muitas reações, dependendo de cada leitor. “Apesar de já se estabelecer de modo bastante concreto como área de pesquisa, o encontro entre teologia e literatura não possui um modo bem definido e consensual de como podem caminhar juntas”.88

Existe uma gama diversificada de caminhos percorridos nesta relação. Na busca de uma compreensão deste caminho trilhado, citar-se-ão os três blocos de aproximação entre a

86 GOPEGUI, Juan A. Ruiz de. Experiência de Deus e Catequese Narrativa. São Paulo: Loyola, 2010. p. 14-15.

(Coleção Theologica).

87 Ibidem. p. 32.

teologia e a literatura. Ressalva-se que ao nomear esses três métodos não se tem a intenção de apresentá-los como algo fechado, pelo contrário, a questão metodológica está aberta a novos caminhos e trabalhos.89

3.3.1 Métodos antigos

Antonio Manzatto atribui ao primeiro bloco o nome de métodos antigos. Este modo de aproximação busca encontrar na obra literária os elementos teológicos que ali estão. Neste modelo de aproximação “a literatura seria simples lugar no qual se discutem temas de teologia ou no qual diferentes correntes teológicas se encontram”.90 Este método entende a literatura como uma simples expressão do religioso.

3.3.2 Método da correspondência

O segundo bloco é denominado método da correspondência. Trata-se de uma segunda possibilidade de encontro entre teologia e literatura, um método bem utilizado em nossos dias. Dentro desta metodologia encontramos os trabalhos de Magalhães e também a proposta da teopoética.91 Essa proposta de aproximação entende que a Revelação se dá na experiência de vida, a vida gesta um modelo existencial, e a literatura permite que essa Revelação ilumine a vida humana.92 Trata-se da correlação entre os elementos teológicos e os elementos da obra literária.

O método da correlação [grifo do autor] segue a linha de Paul Tillich e algumas teses defendidas pelo Concílio Vaticano II sobre a relação entre Deus e o mundo. [...] Segundo esse método, há uma relação estreita entre revelação e situação humana. Nesse propósito, a arte e a literatura apresentam-se como mediações dos grandes dilemas humanos e, por isso, como portadoras de uma presença de Deus que incomoda e antecede as formulações das perguntas.93

89 MANZATTO, Antonio. Pequeno panorama... Op.cit. p. 92. 90 Idem. Ibidem.

91 Ibidem. p. 93.

92 VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia... Op.cit. p. 45.

Esse modelo de interpretação permite diferentes contornos metodológicos. Constata-se esta rica pluralidade nos trabalhos de Eliana Yunes, Salma Ferraz, Maria Clara Bingemer, Alessandro Rocha, Rubem Alves, José Carlos Barcellos, entre outros.94

3.3.3 O método antropológico: o ser no mundo

Este terceiro bloco, denominado método antropológico, busca pensar os conteúdos da fé a partir do horizonte literário. Parte da compreensão de que a antropologia é determinante tanto para a teologia quanto para a literatura, pois ambas apresentam certa compreensão do ser humano neste mundo. Nesta relação, o humano expresso pela literatura será revelador de Deus.95

É exatamente o elemento antropológico revelado pela obra literária que será o ponto de reflexão da teologia. Por conseguinte, nesta aproximação entre a teologia e a literatura, busca-se o lugar do encontro, que é a revelação do antropológico, do sujeito social com todas as suas marcas e complexidades. Nessa perspectiva, a relação entre teologia e literatura não será feita com bases em uma análise literária propriamente dita. Procurar-se-á entender o autor literário e a realidade em que está inserido, e a pergunta a ser feita não está voltada diretamente ao sentido da obra, mas, sim, sobre o sentido da vida apresentado pelo autor no conjunto da sua obra.96

3.3.4 Diálogo entre teologia e literatura em território nacional

Toda pesquisa tem como ponto de partida os trabalhos já realizados. As produções assumem características diferentes a partir da sensibilidade de cada pesquisador. Nesta breve explanação do processo de aproximação entre teologia e literatura, destacam-se aqueles que são os desbravadores deste caminho em nosso País.

Antonio Manzatto é pioneiro na defesa da relação entre teologia e literatura no Brasil.97 Ele estabelece esta aproximação a partir da antropologia amadiana, na obra Tenda

94 Para um maior aprofundamento Cf. VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia... Op.cit. p. 44-46. 95. MANZATTO, Antonio. Pequeno panorama... Op.cit. p. 96.

96 VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia... Op.cit. p. 15.

97 MANZATTO, Antonio Teologia e Literatura: Reflexão Teológica a partir da Antropologia contida nos

Romances de Jorge Amado. São Paulo: Loyola, 1994. Esta obra é resultado da sua tese doutoral apresentada em 1993, na Faculdade de Teologia Católica, na Universidade Católica de Louvaina, na Bélgica.

dos Milagres, de Jorge Amado. Elabora a sua reflexão a partir do ser humano e de todo o contexto no qual o mesmo está inserido. “Neste concreto substrato antropológico da obra de Jorge Amado, ele reflete sobre o Deus da Revelação que vem ao encontro dessa condição humana”.98

Salienta-se que o termo “aproximação” utilizado por Manzatto tem como objetivo evidenciar que esta relação entre a teologia e a literatura não é uma necessidade, pois uma área é independente da outra. Desta forma, percebe-se o desejo de aproximação de maneira livre, e esta aproximação é possibilitada pelo seu caráter antropocêntrico99, logo que esta aproximação, a partir da literatura nacional, possibilita à teologia dialogar com o social, no qual estamos inseridos. Ao assumir o ser humano revelado pela obra, o teólogo elabora a sua teologia na busca de respostas aos desafios enfrentados por esse modelo de existência apresentado na obra. Nota-se que a teologia assume o contexto da humanidade.

3.3.5 A crítica metodológica de Magalhães

Antonio Magalhães utiliza do método da correspondência, influenciado pela “Teologia da Cultura”, de Paul Tillich. Este método possibilita o encontro da teologia com a cultura em geral, e em especial através da arte, que é capaz de revelar os anseios da humanidade. Para Tillich, através desses anseios revelados, o ser humano é tocado e pode encontrar o sentido da sua existência. Assim a cultura é substancialmente religiosa pelo fato de possuir em seu fundamento a mesma preocupação da religião. A crítica elaborada por Magalhães ao método empregado por Antonio Manzatto está alicerçada na fixação da teologia católica e também da literatura.

E, por fim, um problema central na obra de Manzatto é sua fixação quanto às formas de conhecimento. A literatura seria algo fixo, e a teologia também. Por isso, aquilo que Manzatto vê como contribuição da teologia à literatura torna-se bastante limitado.100

Magalhães entende que a teologia católica apenas repete o que já fora dito no passado. Por essa visão, a literatura seria uma mera pergunta antropológica. Magalhães pretende superar a instrumentalização da literatura pela teologia. Segundo Alex Villas Boas, essa

98 VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia... Op.cit. p. 27. 99 Ibidem. p. 29-30.

discussão é importante, entretanto, a compreensão sobre a teologia católica elaborada por Magalhães não reflete a visão de diálogo com todas as culturas apresentada pelo Concílio Vaticano II101, o diálogo exposto exaustivamente na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, o diálogo pela unidade dos cristãos, defendido no Decreto Unitatis Redintegratio, e o diálogo inter-religioso, da Declaração Nosta Aetate.

Verifica-se que a abordagem feita por Antonio Manzatto está em consonância com o atual pensamento teológico da Igreja, que tem como inspiração o Concílio Vaticano II. A Revelação, por ser história, implica superação de uma possível instrumentalização, logo ela deve estar direcionada à vida concreta e dialogar com a obra literária.

Partir da antropologia contida na literatura, para Manzatto, está em perfeita sintonia com fazer teologia na América Latina e a partir de uma rota Conciliar. Teríamos, então, um diálogo entre antropologias, a partir da história concreta, alvo da reflexão de ambas as áreas em questão, ao passo que a literatura entende sua missão histórica de humanização [...].102

A teologia, tendo como interlocutora a literatura, não perde nada da sua metodologia ou da sua cientificidade, pelo contrário, ela se enriquece ao ter que se fazer sensível à realidade das personagens da obra e do mundo que elas apresentam. Deste modo, ela será uma teologia viva e atenta à realidade da humanidade e, em especial, do povo latino-americano, mantendo a marca teológica deste continente.

Teologia e literatura nascem da realidade da vida e abrem uma perspectiva de transformação da realidade. Elas apresentam as experiências fundamentais do ser humano. Ambas são obras abertas em busca de leitores que assumam o processo re-figurativo da vida, do mundo. É pura utopia a defesa/crença de que o humano se faça cada vez mais humano e assuma o seu papel na vida.

Esta aproximação entre teologia e literatura enriquecerá muito nosso continente, pois ambas possuem um discurso que parte da realidade e buscam criar novos espaços, novos conceitos, nos quais possibilitam a fecundidade da vida, seja no contexto pessoal, seja no social. O papel do teólogo é o de constantemente contextualizar a mensagem cristã para a sociedade do seu tempo. Para essa finalidade, o pensador deve dialogar com a realidade em

101 VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia... Op.cit. p.32. 102 Ibidem. p. 37.

que está inserido. Nesse quesito, a obra artística tem uma relação imediata com a problemática histórico-social em que foi produzida. Assim, a literatura, como expressão artística, desponta como ferramenta útil e eficaz.