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O direito personalíssimo ao envelhecimento, e sua proteção como

Os direitos da personalidade são direitos subjetivos não- patrimoniais, que não têm objeto econômico, e que são inatos e essenciais à realização da pessoa, notadamente, a pessoa humana. Disso resulta que eles se caracterizam por serem intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, inexpropriáveis, imprescritíveis e vitalícios.

Em seu atual estágio, a matéria tanto se situa no direito

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constitucional, quanto no direito civil e na filosofia do direito. Na perspectiva do direito civil, os direitos da personalidade constituem o conjunto de direitos inatos da pessoa humana, que prevalecem sobre os demais direitos privados; já na ótica dos publicistas, eles são tratados como espécies do gênero direitos fundamentais.

A evolução dos direitos da personalidade foi simultânea à dos direitos fundamentais, em busca de emancipação e afirmação da dignidade humana. No presente, ambos estão firmemente assentados em sistemas jurídicos positivos. A Constituição de 1988 reconheceu a tutela jurídica dos direitos da personalidade, e o Código Civil de 2002 dedicou-lhes um capítulo, no qual se encontram tipificados alguns deles.

É corrente a discussão doutrinária sobre a tipicidade dos direitos da personalidade. Para a ala tradicional, eles hão de ser estritamente os previstos em tipos legais, e, portanto, tipos fechados. Como leciona Paulo Luiz Neto Lôbo, essa orientação restritiva também "decorre da concepção patrimonialista hegemônica das relações civis, preocupada com o crescimento de pretensões à tutela da pessoa, sem fundamento econômico"145.

Há os que sustentam a existência de um direito geral da personalidade, ao qual se remeteriam todos os tipos previstos ou não no sistema jurídico. Essa fonte seria a cláusula geral de tutela da personalidade, que, na Constituição brasileira, encontra-se no art. 1.º, III, que proclama o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Uma terceira vertente orienta-se pela tipicidade aberta dos direitos

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LÔBO, Paulo Luiz Neto. Danos morais e direitos da personalidade. In: Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, n. 6, abr./jun. 2001, p. 84.

da personalidade. "Os tipos previstos na Constituição Federal e na legislação civil são apenas enunciativos, não esgotando as situações suscetíveis de tutela jurídica à personalidade".146

Dayse Maria de Andrade Costa Pereira147 foi pioneira ao afirmar a proteção à pessoa idosa como um direito da personalidade, baseando-se numa leitura subliminar da Constituição. Para ela, o direito da personalidade é algo essencialmente marcado por um fundamento ético que o justifique e imponha:

O Direito da Personalidade é reconhecido à pessoa dentro de um ambiente de comunhão e solidariedade. E é essa comunhão, essa solidariedade que identificamos na CF de 1988, no Capítulo que trata Da Família, Da Criança, Do Adolescente e Do Idoso, dizem os arts. 229 e 230 da CF/88:

"Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."

"A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida."

Claramente, identificamos que o legislador constituinte contemplou o Direito do Idoso como um Direito de Personalidade. Não só pela manifestação da pessoa humana em sua dignidade, mas principalmente por compreender que a personalidade se constrói através da integração, da comunhão e da solidariedade. Esses princípios se encontram claramente descritos nos dispositivos legais acima. (grifos da autora)148

O trabalho da autora que declarou o direito ao envelhecimento como direito da personalidade, a despeito da ausência de tipificação, findou por ser a inspiração para que se constituísse em disposição legal expressa.

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O tipo, conquanto menos abstrato que o conceito, é dotado de certa abstração, pois se encontra em plano menos concreto que os fatos da vida. Os fatos concretos, que ocorrem na vida, para serem enquadrados em determinado tipo, necessitam de reconhecimento social, de uma certa tipicidade social. Desse modo, são apreensíveis pelo intérprete, reduzindo-se a juízo de valor subjetivo. LÔBO, Paulo Luiz Neto. Danos morais e direitos da personalidade. In: Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, n. 6, abr./jun. 2001, p. 85.

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PEREIRA, Dayse Maria de Andrade Costa. O Ministério Público e a proteção ao idoso como direito de personalidade. In: Livro de teses do 13.º congresso nacional do Ministério Público: O Ministério Público social. 3 v. Curitiba: Associação Paranaense do Ministério Público, p. 263-273, 1999.

148

O art. 8.º do Estatuto do Idoso consagrou o direito ao envelhecimento como um direito da personalidade, e sua proteção como um direito social. Enquanto direito da personalidade, entende-se que é essencial ao desenvolvimento da pessoa e destinado a lhe resguardar a dignidade149. Quanto à sua proteção como um direito social, José Afonso da Silva ensina que os direitos sociais são direitos a prestações positivas estatais que possibilitam melhores condições de vida aos hipossuficientes, como meio de "realizar a igualização de situações sociais desiguais"150. Logo, nos termos do estatuto, o direito ao envelhecimento não prescreve somente que o Estado se abstenha de vilipendiá-lo: "simplesmente 'deixar envelhecer' não significa a promoção do bem comum, finalidade última do Estado. A este incumbe o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à proteção do envelhecimento"151. Nesse sentido, é tarefa que não se dirige exclusivamente ao Poder Executivo, incumbindo aos três poderes do Estado brasileiro, e mais ao Ministério Público, no cumprimento de suas respectivas atribuições, darem efetividade ao mandamento legal.

Já se viu que a proteção especial destinada à pessoa idosa funda- se, mormente, no princípio da igualdade substancial e na idéia de que os direitos devem ser integralmente conferidos à pessoa, durante todas as fases da sua vida. Dessa forma, o fato de as pessoas idosas enfrentarem maiores adversidades no gozo de direitos – como o direito à educação, à saúde, ao lazer – não quer dizer que deles não sejam titulares. Dessa forma, combinados o princípio da igualdade (art. 5.º, caput, da Constituição Federal), o objetivo fundamental da República

149

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de janeiro: Forense, 1977, p. 168.

150

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 258.

151

BENEVIDES, David Costa. Comentário ao art. 8.º. In: PINHEIROS, Naide Maria (Coord.). Estatuto do Idoso comentado. Campinas: LZN, 2006, p. 48.

consistente na promoção do bem de todos, sem discriminação de idade (art. 3.º, IV, da Constituição Federal), e da proteção ao envelhecimento como um direito social (art. 8.º do Estatuto do Idoso), o Estado deve atuar a partir de um diagnóstico da realidade específica da população idosa, garantindo-lhe a possibilidade do exercício pleno dos seus direitos.

Visto sob outro ângulo, a declaração do direito ao envelhecimento, que mais parece um corolário dos direitos à vida, à integridade física e psíquica, e à dignidade, vêm em reforço à garantia destes. Tornar-se velho é a própria expressão do direito à vida com dignidade e saúde, que deve ser garantida "até quando a natureza biológica indicar"152.

152

RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Fundamentos constitucionais do direito à velhice. Florianópolis: Letras contemporâneas, 2002, p. 49.

O IDOSO NO DIREITO DE FAMÍLIA:

TRAÇOS EM RELEVO

Esse odor de tarde, quando começa o cansaço dos homens. Quando os pássaros têm uma voz mais longa, já de despedida. Declina o sol – esta é a notícia que a terra sente, na floresta e no arroio. Uma nova brisa percorre a murta e resvala na relva. Docemente perdem as flores sua esperança, o perfume, a memória. Todos os dias assim, neste caminho de auroras e crepúsculo. E então o odor da terra é uma exaltação de saudade, um suspiro de consolos, também, e o orvalho que as plantas formam, com seus íntimos sumos, de silenciosa confidência, parece igual à lagrima, e cada folha, nas árvores, é um outro rosto humano.

CECÍLIA MEIRELES