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Os arranjos familiares e o idoso como provedor

4.2 O caráter excepcional da obrigação avoenga de prestar alimentos

4.2.6 Os arranjos familiares e o idoso como provedor

Do ponto de vista da circulação de recursos e aquisição de bens, a família figura como importante e eficiente intermediador entre o mercado e os indivíduos, já que distribui rendimentos entre membros, e entre o Estado e o indivíduo, redistribuindo, direta ou indiretamente os benefícios recebidos.

Predomina, em quase todo o mundo, um modelo de práticas sociais que privilegia o enxugamento do Estado. Conseqüentemente, tem aumentado sobremaneira a responsabilização da família no trato dos segmentos mais vulneráveis. Aumentou a verticalização, ou seja, a convivência de várias gerações, o que se dá tanto pela co-residência como pela transferência de bens e recursos financeiros. Os membros da família se ajudam em prol do bem-estar coletivo, "constituindo um espaço de 'conflito cooperativo' em que se cruzam as diferenças entre homens e mulheres e as intergeracionais. Daí surge uma gama variada de

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"Para que pudesse haver solidariedade seria necessário que todos os demandados fossem responsáveis simultaneamente e pela mesma soma". [...] embora seja certo que, "se um só dos parentes do mesmo grau tiver meios suficientes, sendo os restantes pobres ou remediados, só esse terá de pagar a totalidade dos alimentos, o que produz a ilusão de solidariedade". CUNHA GONÇALVES. Tratado de Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1930 apud CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 144.

arranjos familiares"199.

Cresce significativamente o período em que os filhos passam como economicamente dependentes, sendo que os pais são, na maioria dos casos, idosos. As razões perpassam pela instabilidade econômico-financeira, com a dificuldade de acesso e manutenção no mercado de trabalho. A co-residência de pais idosos e filhos finda por ser uma estratégia familiar utilizada para beneficiar ambas a gerações. O fato reforça a idéia de que experiências e valores, bem como suporte financeiro e emocional, estão sendo compartilhados por várias gerações, destacando-se aí as relações entre netos e avós.200

Os mecanismos de apoio e trocas intergeracionais devem ser uma via de mão dupla: ascendentes ajudam descendentes e vice-versa. No entanto, há situações em que os fluxos prevalecem numa única direção: é o caso das famílias que têm idosos como chefes, gerando para eles uma sobrecarga, o que se dá em maior escala nas camadas de vida precária. Uma pesquisa de campo realizada em favelas de São Paulo mostrou que os idosos tendem a usar a sua renda mais com outros membros da família do que com eles próprios, priorizando as necessidades dos netos, muitas vezes em detrimento das suas com medicamentos, inclusive201.

Um estudo comparativo realizado e atualizado pelo IPEA analisou dados colhidos pelo IBGE entre 1980 e 2000, cujas pesquisas interdisciplinares deram origem à coletânea organizada por Ana Amélia Camarano, sobre como vivem

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CAMARANO, Ana Amélia; KANSO, Solange; MELLO, Juliana Leitão e. Como vive o idoso brasileiro. In: CAMARANO, Ana Amélia (Org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Brasília: IPEA, 2004, p. 53.

200

CAMARANO, Ana Amélia et al. Família: espaço de compartilhamento de recursos e vulnerabilidades. Ibidem, p. 149.

201

LLOYD-SHERLOCK, P. Living arrangements of older persons and poverty. Population Bulletin of the United Nations – Special Issue, 2001, p. 42-43 apud CAMARANO, Ana Amélia et al. Ibidem, p. 152.

os idosos brasileiros202. Os censos mostram que o grau de dependência econômica da família em relação ao idoso é deveras significativo, para não dizer preocupante. Sobre a inserção do idoso na família, destaque-se inicialmente que, no ano 2000, enquanto o contingente de pessoas com 60 anos ou mais era de 8,6% na população brasileira, 24% do total das famílias brasileiras tinham pelo menos uma pessoa nessas idades.

Uma outra forma de constatar o ora afirmado é através da proporção de idosos cuja relação com o chefe de família era de 'parentes' ou 'agregados' – grupo composto, em geral, por pais ou sogros, que, por falta de renda ou autonomia física ou mental, vão morar com parentes -. Essa proporção decresceu entre 1980 e 2000, passando de 32,9% para 19,7%, sugerindo a redução da dependência dos idosos sobre a família. Paralelamente, vem aumentando a proporção de domicílios chefiados por idosos, que era de 17,7% em 1980, e passou a 20,9% em 2000. De outro ângulo, 79,1% dos idosos eram chefes de família, no início do período analisado, passando a 86,5% ao final.

O tamanho médio desses domicílios pouco variou no período, decrescendo de 3,7 pessoas a 3,25, o que desmente a caracterização dos domicílios de idosos como 'ninhos vazios' - domicílios formados por apenas um casal ou pessoa sozinha -. Apesar de serem domicílios de idosos, o casal constitui apenas 35% dos seus membros, ali se encontrando, em média, 1,03 filho adulto e 0,45 neto, salientando que cresceu a proporção de netos e de outros parentes residindo no

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CAMARANO, Ana Amélia (Org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Brasília: IPEA, 2004.

domicílio de idosos, o que demonstra a complexidade dos arranjos familiares.203

A medida da contribuição dos idosos para a renda da família que, em 1980, era de 46,6%, passou para 58,5% em 2000, e é diferenciada segundo a posição do idoso na família. Se o idoso for chefe ou cônjuge (família de idosos), sua contribuição na renda familiar é de 71,3%; se for parente (família com idosos), ela declina para 23,3%. As famílias de idosos são as que contêm filhos, em sua maioria, alijados do mercado de trabalho ou com renda oscilante, e netos, nas mesmas condições ou ainda freqüentando a escola.204 Essa situação demanda do idoso um apoio material que, no mais das vezes, compromete até o indispensável para cuidados médicos e bem estar pessoal.

Em 2000, um percentual de 45% da participação do rendimento de idosos na renda da família provinha de algum tipo de benefício da seguridade social (aposentadoria ou pensão por viuvez). Essa proporção aumentou 25% em 20 anos (era de 36% em 1980).205 Daí se infere que a dependência dos familiares em relação ao idoso é, em grande parte, abonada pela provisão de rendas por parte do Estado, ou seja, pelos parcos benefícios que recebem em retribuição a décadas de serviços prestados e contribuição à Previdência.

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CAMARANO, Ana Amélia; KANSO, Solange; MELLO, Juliana Leitão e. Como vive o idoso brasileiro. In: CAMARANO, Ana Amélia (Org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Brasília: IPEA, 2004, p. 53-58.

204

Ibidem, p. 69-70.

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