• Nenhum resultado encontrado

Os fins dos princípios: igualdade e solidariedade realizando a

A par de definições variadas na doutrina, mas que têm uma orientação comum, quadra definir princípio, singelamente, como o enunciado normativo lato, que funciona na solução de problemas e orientação de comportamentos, e tem esquema de formulação abstrata, resolvido mediante um procedimento de redução a uma unidade da multiplicidade de fatos extraídos da vida real.108

Como o próprio nome indica, os princípios são idéias germinais; são normas prima facie sem um remate, flexíveis e suscetíveis de complementação. Alexy109 vê nos princípios mandados de otimização, pois ordenam que se realize algo na melhor medida possível, podendo ser cumprido em diversos graus; é uma busca do ótimo.

Os princípios são normas de cepa especial, têm uma estrutura deôntica, já que estabelecem juízos de dever ser, mas não se confundem com as regras porque estas podem ser simplesmente cumpridas ou descumpridas. Eles são "normas que recepcionam valores, cujo grau de concreção varia segundo os

107

PINHEIRO, Rossana Campos Cavalcanti. Comentário ao art. 39. In: PINHEIROS, Naide Maria (Coord.). Estatuto do Idoso comentado. Campinas: LZN, 2006, p. 256.

108

LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Trad. V. Fradera. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 315.

109

ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. Doxa, 1988, n. 5, p. 143 apud LORENZETTI, Ricardo Luis. Ibidem, p. 316.

sistemas jurídicos, os períodos históricos e a relação com as regras"110.

No ordenamento jurídico brasileiro vigente, o princípio capaz de conferir unidade valorativa e sistemática é o da dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal de 1988 elevou esse princípio a fundamento da República, assegurando-lhe uma posição topográfica ambivalente: ele se mantém no topo do ordenamento, mas se esparge por todo o texto constitucional – e, via de conseqüência, por todo o ordenamento jurídico. São direitos independentes, e, ao mesmo tempo, instâncias da dignidade da pessoa humana, formando o amplo espectro por ela abarcado.111

Passou-se a tutelar a pessoa em sua dimensão ontológica, e o ponto de confluência dessa tutela é o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, em cujo cerne se encontram a igualdade e a solidariedade112.

Segundo Cláudia Lima Marques, solidariedade é o vínculo recíproco em um grupo; é a consciência de pertencer ao mesmo fim, à mesma causa, ao mesmo interesse, ao mesmo grupo, apesar da independência de cada um de seus participantes. Do ponto de vista moral, é relação de responsabilidade, de apoio, é adesão a um objetivo, projeto ou interesse compartilhado. "No meio do caminho entre o interesse centrado em si (egoísmus) e o interesse centrado no outro (altruísmus) está a solidariedade"113. É também, ao lado da realização dos direitos

110

LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Trad. V. Fradera. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 317.

111

ALVES, Gláucia Correa Retamozo Barcelos. Sobre a dignidade da pessoa. In: MARTINS-COSTA, Judith (Org.). A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 226.

112

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, passim.

113

MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In:

humanos, a grande metanarrativa do direito pós-moderno.114

O texto constitucional apregoa, como um dos objetivos da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, tendo por finalidade, inclusive, a redução das desigualdades sociais (art. 3.º, I e III). Ao fazê-lo, conclama os Poderes a uma atuação promocional, voltada para a igualdade substancial, vedados os preconceitos de qualquer espécie. Os princípios constitucionais contêm os valores ético-jurídicos fornecidos pela democracia, e consoante estatui a Lei Maior, a configuração do Estado Democrático de Direito funda-se na dignidade humana, na igualdade substancial e a na solidariedade social.

A expressa referência feita na Constituição à solidariedade estabelece em nosso ordenamento um princípio jurídico inovador, que está sendo implementado pelo legislador ordinário. A própria edição de um estatuto para o idoso, assim como outros diplomas do gênero, tem esse significado. No entanto, como alerta Maria Celina Bodin de Moraes, esse princípio deve ser levado em conta não só no momento da elaboração de leis ordinárias e na execução de políticas públicas, mas também na interpretação e aplicação do direito, por seus operadores e demais destinatários.115 Há que prevalecer uma ética reconstrutiva, uma dogmática renovada e uma interpretação protetiva ao sujeito especial.116

O idoso foi identificado constitucionalmente como pessoa a ser SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 186.

114

Ibidem, p. 186.

115

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 111.

116

MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 187.

protegida de forma especial, e o Estatuto do Idoso surge como necessária concretização do princípio da igualdade, da procura de uma igualdade material para um sujeito dotado de especificidades que o distinguem. É ação positiva do Estado- legislador, a guiar também a ação do Estado-executivo e do Estado-juiz.117

"Pretende-se hoje, ou melhor, exige-se, que nos ajudemos, mutuamente, a conservar nossa humanidade".118 Trata-se do exercício conjugado dos princípios da solidariedade e da igualdade, voltados para a realização do pleno e livre desenvolvimento da pessoa idosa. Fique registrado o auspicioso convite de Luiz Edson Fachin: "Bem vindo a esse olhar em torno, vértice que se quer integrador e enriquecedor para celebrar, no plural e no diverso, as possibilidades de uma comunhão".119

117

MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 187.

118

MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 75.

119

O ESTATUTO DO IDOSO COMO MICROSSISTEMA

Ah o crepúsculo, o cair da noite, o acender das luzes nas grandes cidades E a mão de mistério que abafa o bulício, E o cansaço de tudo em nós que nos corrompe Para uma sensação exacta e precisa e activa da Vida! Que inquietação profunda, que desejo de outras coisas,

Que nem são países, nem momentos, nem vidas, Que desejo talvez de outros modos de estados de alma Humedece interiormente o instante lento e longínquo! Um horror sonâmbulo entre luzes que se acendem, Um pavor terno e líquido, encostado às esquinas Como um mendigo de sensações impossíveis Que não sabe quem lhas possa dar ... Cruza as mãos sobre o joelho, ó companheira que eu não tenho nem quero ter. Cruza as mãos sobre o joelho e olha-me em silêncio A esta hora em que eu não posso ver que tu me olhas, Olha-me em silêncio e em segredo e pergunta a ti própria — Tu que me conheces — quem eu sou...

ÁLVARO DE CAMPOS

3.1 Premissas metodológicas para a afirmação do Estatuto do